Ela se desfez dos últimos pertences.
Os deixou lentamente sobre a cômoda.
Despiu-se do leque, das luvas e da roupa dourada.
A lingerie também era do mesmo tom.
Gostava da meia sete oitavos ouro que acompanhava a cinta liga de mesma cor.
Permaneceu seminua em frente ao espelho.
Ninguém ali a conhecia e por isso mesmo havia se revelado por inteira.
Um tom escarlate ainda cobria seu rosto, tamanha a agitação da dança.
Lembrou do homem moreno de máscara, seu rosto forte, suas mãos determinadas.
Seus olhos miraram-se muitas vezes durante o encontro.
Neles havia cumplicidade, ainda que palavra alguma tenha sido dita.
Ela continuou sua peregrinação na memória e parou novamente em frente ao espelho.
Mirava-se, olhou-se de perfil, de costas, gostava dos ângulos perfeitos que a imagem refletia.
Sentia-se inteira naquele encontro pessoal e intransferível.
Faltava ainda um detalhe, o mais significativo, muito além da face que havia se retido por detrás do artefato.
Ali, diante da miragem refletida, era alguém incógnita, alguém sem rosto, sem alma e quiçá sem coração.
Completamente entregue a sensação, tirou de uma só vez, a pôs junto aos outros pertences:
A máscara dourada havia perdido seu propósito, voltado a ser um simples objeto de decoração e tal como os outros objetos voltaria para o fundo do baú e quem sabe um dia poderia retornar e com ela sua natureza selvagem e indomesticada.