Engraçado como certos acontecimentos tem o poder de nos afastar da realidade por algum tempo. E interessantes também são os efeitos que essas escapulidas do mundo real são capazes de provocar em nós.
É como se, por alguns instantes (que podem até durar dias, meses ou anos), nossos espíritos se desligassem dos corpinhos que os tornam visíveis e palpáveis. E assim, livres, leves e soltos, transitassem por um universo íntimo, perfeito e particular, criado por eles próprios, na tentativa de fugir da realidade que os machuca ou, simplesmente, no desejo de experimentar momentos de felicidade pura e plena.
Quando minha mãe partiu, há alguns poucos anos, essas sensações me acompanharam por um bom tempo. Nas semanas seguintes à partida dela, lembro-me de ter ouvido alguns amigos e parentes dizerem-se impressionados com a suposta força com que eu vinha enfrentando aquela perda tão grande e recente.
Depois de ouvi-los, eu lhes dirigia sempre um sorriso, ganhava deles um abraço... E me despedia repetindo (na tentativa de confortá-los, mas também a mim mesma) aquela história de que a cruz que nos é dada nunca é maior ou mais pesada do que aquela que podemos suportar.
E na verdade, a par do vazio que então se abriu à minha frente, como uma espécie de buraco gigantesco e sombrio, que eu necessariamente teria que aprender a desbravar desde então, sem manual de instruções, audio guide ou coisa do tipo, o fato é que, dentro do possível e do razoável, os sentimentos que me acompanharam durante aqueles dias foram realmente de força, de esperança, de superação. De vontade de seguir em frente, apesar de tudo. Lá no fundo, era como se algo me dissesse que o buraco seria momentâneo, passageiro. Como se, dali a pouco, eu viesse a descobrir que tudo não havia passado de um grande pesadelo.
É claro que, com o passar dos meses, as famigeradas fichinhas caíram. Aliás, despencaram. Assim, todas juntas, de uma só vez. E despencaram aqui, no meu colo, na minha cabeça, no meu coração. Era o fim das “férias da alma”.
Desde então, não houve um só dia em que eu não tenha desejado novos instantes de “folga espiritual”. Folga da saudade. Folga do vazio. Folga da tristeza que vem da constatação de que o reencontro não está assim tão próximo como se imaginava. Folga da dor que necessariamente acompanha a partida de quem se ama. Retorno àquele universo encantado. Àquele mundinho onde os problemas se dissipam, as dores se escondem, a saudade se esvai. Porque lá, os buracos se preenchem facilmente. Com sorrisos, com presença, com reencontros, o que quase nunca acontece no mundo real.
Desde então, não houve um só dia em que eu não tenha desejado novos instantes de “folga espiritual”. Folga da saudade. Folga do vazio. Folga da tristeza que vem da constatação de que o reencontro não está assim tão próximo como se imaginava. Folga da dor que necessariamente acompanha a partida de quem se ama. Retorno àquele universo encantado. Àquele mundinho onde os problemas se dissipam, as dores se escondem, a saudade se esvai. Porque lá, os buracos se preenchem facilmente. Com sorrisos, com presença, com reencontros, o que quase nunca acontece no mundo real.
De tanto desejar, não é que cheguei lá? De novo, me vi naquele universo encantado. Dessa vez, um mundo de flores, de linhas, de mimos, de cores. De corações de papel, de balões soltos no ar. Um mundo de amigos, de família, de gente querida. E de risadas gostosas, de abraços apertados, de beijos inesperados. E de música. E de dança. E de demonstrações de afeto, de palavras de amor, de gestos de carinho explícito e gratuito.
É. O casamento me levou, sim, a momentos de alegria desmedida, de satisfação plena, de felicidade no sentido mais puro e desejado da palavra. A sensação foi de ter trilhado, de novo, por algumas horas, os belos caminhos percorridos noutros tempos. Aqueles em que a saudade, tímida, pouco ou quase nunca se mostrava, porque sequer havia espaço pra ela. Afinal, eram percursos realizados num mundo de presença, de amor, de contato. Um mundo sem buracos, sem vírgulas, sem espaços em branco.
De volta à vida real, agradeço a todos os que, com suas boas energias, sua generosidade e seu envolvimento, tornaram possível a reconstrução desse mundinho de sorrisos, de flores, de sons e de cores, que andava distante, por vezes esquecido, mas que ressurgiu com a beleza de outros tempos. E que, a partir de agora, pretendo visitar com frequência. Através dos vídeos, das fotografias, dos detalhes contados pelos que estiveram ali presentes, em sintonia. E das muitas e doces lembranças que a mente e o coração, felizmente, foram capazes de registrar."
Silvia Tibo em "De volta" - Crônica do Dia