quarta-feira, maio 26, 2004

HORIZONTE

Deste lado a visão fixa-se numa linha imaginária.
Aquela que divisa a água e a terra.
A que implica com nossa exatidão consciencial.
A que desmorona a perspectiva ocular.
O movimento é repetitivo, como música que não dá trégua aos mesmos acordes.
Embala as flâmulas e os navegantes, os que desfilam em embarcações medievais.
O tempo colabora e o calor aquece.
O sal flutua na atmosfera festiva.

sexta-feira, maio 21, 2004

TUNICK



Pelos pubianos, auréolas rosadas, morenas.
Pênis pequenos, grandes, coloridos.
Nádegas enormes, disformes, perfeitas.
Cinturas quadradas, redondas, curvilíneas.
Pernas musculosas, gordas, flácidas.
Abdômen definido, caído, gordurento.
Cabelos que emolduram peles pálidas, coradas.
Numa centena de pessoas, um mar de ninguém.
Mulheres, homens, crianças, todos iguais.
À mostra, revelados, sem identidade.
Processo catártico, igualitário e despojado.
Na nudez proclamada e liberta: fraternidade.
No rasgar de panos e indumentária, o mesmo ser.
Diante da natureza a simplicidade das criações.
Padrões que se perdem em revistas e conceitos urbanóides.
Beleza que se distende e funde-se à paisagem.
Gaia acolhedora que abraça seus filhos como vieram ao mundo.


terça-feira, maio 11, 2004

INTERROGAÇÕES

qual causa nos reúne
na mesa deste boteco?

creio que a poesia é
quando muito
um pretexto

não é a bebida
já que há tantos abstêmios

quais moinhos combateremos
com as lanças ritmadas
umas toscas como a minha
outras finamente elaboradas?

é uma tribo o que somos?
uma gangue etária
mente eclética?
um grupo social
mente dessemelhante?

neste instante o meu windows média player
está tocando bye bye blackbird
com myles davis & john coltrane

deve haver quem ouça um samba
um fado
o silêncio
uma orquestra sinfônica

deve haver que ouça o barulho da cidade
as ondas do mar
o canto de pássaros
a narração vibrante de um jogo de futebol

e estamos
entretanto
todos no mesmo bar
todos no mesmo barco

para onde
afinal
navegamos
se para cada há um rumo próprio
um porto onde deseja chegar?

a solidão?

não
a solidão não agrega

o narcisismo?
a vaidade?
o exibicionismo?

creio que não
preciso crer que não
para não correr o risco
de envergar a carapuça.

que terras adubaremos?
quando semearemos os grãos?
quando será a colheita?
que frutos perdurarão?

quantos de nós pereceremos
sem um aperto de mão
apesar de agrupados
neste imenso salão?

além de uma língua comum
deve haver algo que nos una

não são os sonhos
não são as fantasias
não são ideologias
não são memórias

estamos todos aliados
sem que possamos
porém
nos olhar
nos sorrir
nos abraçar

qual pode ser a alquimia
que nos permite a intimidade
de partilhar angústias e alegrias
se não nos conhecemos
aquém e além das palavras?

qual estranha força me permite
trazer à baila tantas tais questões
transgredir as boas normas de conduta?

é preciso
agora
porém
que o dragão recolha as asas
há pratos para lavar
e uma vassoura no canto da sala.

Fred Matos

domingo, maio 02, 2004

MAIO



Saturno o grande senhor. O tempo.
Queria despejar um pouco do que anda retido aqui,
mas minhas míseras insipiências andam adormecidas,
como que envenadas por Eros, numa flecha, numa maçã.