quarta-feira, julho 30, 2003

A saudade é a sombra escura de um passado cor-de-rosa”. A frase é dita por Marco Nanini no filme Copacabana. Algumas vezes, sou tomada por essas afirmativas que ficam reverberando na mente. Não deve ser à toa que pus como legenda no blog: Pensamentos Compulsivos. Volta e meia sou assaltada por eles, instalam-se e não vão embora.
O mesmo aconteceu quando assisti a ‘De Olhos Bem Fechados “, na hora em que Nicole fuma um baseado e diz ao marido que gostaria de fazer sexo com outro homem e confessa o que sente por ele: “meu amor por você se tornou triste e morno”.São sensações, descritas em palavras, que muitas vezes exprimem o que gostaríamos de ser capaz de dizer em determinado momento da vida. Num capítulo, num diálogo, no roteiro que vamos dia-a-dia escrevendo.
Tenho isso com frases de música. Há uma frase em Expresso do Oriente em que Herbert canta: “eu chorava de amor e não porque eu sofria”. Você chora pelo amor que o deixou, não pela dor que te corrói o íntimo. A dor acaba sendo reflexo da falta daquele amor. A ausência dele provoca a dor, a dor que muitas vezes impede até que se tenha fome. De uma forma inconsciente o organismo acaba rejeitando o alimento, quase que num processo involuntário bulímico.
Miguel Falabella em uma de suas crônicas no jornal O Globo sentenciou: "a gente passa a vida enterrando os mortos. Toda uma existência para se despedir de quem se ama". E é a mais pura verdade. Quantos queridos que partem para o ‘outro lado’ e nós passamos a existência, ainda que de forma inconsciente, esperando o dia derradeiro do adeus.
A poesia também não foge à regra. Pessoa em um poema de Álvaro de Campos mandou assim: “estala coração pintado de vidro”. O que remete a um coração que precisa de fortes emoções ou de algo que o faça ser ‘sacudido’, ainda que a aparência do vidro, fria, muitas vezes proteja-o das intempéries das emoções. É a tal couraça que nos reveste, que impede que mostremos nossas fragilidades.
Alguém me disse certa vez: “quando achar a hora certa tire a armadura”. E assim, o fiz. Mas, o final daquela história não foi feliz, ainda que o primeiro amor a gente nunca esqueça e o perpetue na memória de uma maneira doce e delicada. Os próximos amores nunca mais serão como o primeiro, porque já sabemos que não mais morreremos de amor, sobreviveremos a todas as tempestades.

domingo, julho 27, 2003



O vento balança as cortinas e acolhe com a rajada veraneia.
Ele voltou e deixou muitas conchas. Agora, largou o caramujo, riscadinho, que vai ser colocado na mesa de centro, no meio da sala, perto da rede que fica ali ao lado.
Esqueceu no parapeito o óculos, o que usa para fuçar a areia branca que se avizinha aqui de casa. O ar impregnado de sal enche todos os cômodos da casa.
O céu reflete o azul nas mansas águas, espelho do que está acima. Uma piscina marítima a me esperar. Já, já, dou um pulo ali e vou encontrá-lo, pôr o maio branco e me atirar nas ondas que não quebram, tamanha a paz que reina no mar. Mergulhar juntos e contar cardumes de peixes, ver o brilho acentuado pelos raios calmos do sol.
A essa hora a digestão já se fez. Comemos peixe assado com ervas finas e bebemos água de coco gelada, justo ao meio-dia.
A janela permanecerá aberta para você que aqui aporta venha comigo nadar.

quinta-feira, julho 24, 2003



Em fevereiro a névoa avança sem dó, adornando, inclusive, a Ponte dos Condenados.
O que deve provocar calafrios em quem não está acostumado a isso,
a conviver com as brumas que serpenteiam vielas, gôndolas e máscaras.
E uma sucessão de imagens terrificantes para quem têm vidência.
Quantos milhões de corpos foram atirados contra a maré?
Quantos ainda devem estar arraigados ao cenário?
Provavelmente, muitos.
Diante da caracterização, o que vale é a liberdade para transformar.
Encobrir a fisionomia com uma nova faceta.
Não importando, realmente, se é feia ou bonita.
Se a roupa que acompanha a máscara esconde ou revela.
Se seduz ou assusta, se atrai ou produz repulsa.
Se estivesse nesse lugar, que tipo de máscara usaria?

segunda-feira, julho 21, 2003

PARAGENS

Como os cavalos, acompanho o movimento do vento.
Impulsionada pelas vontades, as do agora.
E daí se você não gosta?
Eu gosto. E a partir delas crio outros horizontes.
Oceanos, agora começando a se completar.
Num outro porto, que não é esse conhecido.
Não faz parte dessa rota que decorou com facilidade.
E também não chega perto das ondas que fervem no meu íntimo.
Lá todos os véus serão arrancados, jogados ao chão.
Sem medo, dúvida, receio ou identidade.
Lá sou ela, a avó, a tia, a insana, a zíngara, a incógnita.
As centenas que centelham no divino do ser.
O nome é só nomenclatura, o paradeiro também não precisa ser sabido.
O que interessa mesmo é que sinto prazer e isso me basta.
Alguém hoje ficou impressionado com o ímpeto.
Acho que não imaginava que de uma hipótese a vida ganhasse corpo, ou melhor, dois.
Metades que riscam o horizonte, aquele, o que divisa a distância, você e eu.
E ao mesmo tempo nos toca, acarinha e seduz.
Da mesma forma que produz vertigem e faz a cabeça rodar, feito peão na mão de criança,
Num jogo inocente, onde não há margem para o freio, só para cavalos, que pastam livres por esse caminho...

sábado, julho 19, 2003

CONSTELAR

A revista eletrônica Constelar chega a sua 61 edição com uma extensa coletânea sobre o Incrível Hulk. E entre as pérolas encontrei a analogia entre o estado verde do super herói e o planeta Marte, no artigo do astrólogo, e amigo, Carlos Hollanda. Ilustrando o texto, o primeiro gibi do personagem, aí, abaixo.
Quem quiser conferir na íntegra vale uma visita no site.

"Hulk, o personagem que atualiza o velho tema da história do médico e do monstro, é uma criação da editora Marvel Comics, a mesma que tornou famosos personagens como o Homem-Aranha, Thor, o deus do trovão, o Homem de Ferro, Demolidor e os mutantes X-Men. A Marvel é responsável pela grande explosão dos quadrinhos na década de 60, mais precisamente a partir de 1961, quando da criação do Quarteto Fantástico, e ao trazer de volta da década de 40 os sucessos Namor (o Príncipe Submarino) e o Capitão América. Stan Lee, o criador da maioria dos personagens do universo Marvel, fortaleceu extraordinariamente o tom mitológico das narrativas, em especial no que tange aos aspectos subliminares envolvendo os mitos greco-romanos e escandinavos. Homem-Aranha, Hulk, Surfista Prateado e X-Men, ao surgirem como super-heróis desajustados e cheios de conflitos, foram verdadeiras revoluções sobre um produto que apresentava apenas heróis bonitinhos, infalíveis e sem uma problemática humana. [...]"



quarta-feira, julho 16, 2003

O corpete disposto sobre o corpo, gentilmente revela o torço longilíneo.
Deixa aparente a pele morena, a mesma que conjumina com os cabelos mate.
Lisos, caem pelos ombros.
A cintura marcada por uma saia comprida, bicolor.
Por cima escuridão, embaixo carmim.
As ancas em inclinação acompanhando a circunferência do tecido.
Ela olha por detrás do ombro, de soslaio para ele.
Gosta da situação e se prepara para a apresentação.
Pega as castanholas e começa um leve som, sincopado.
A tatuagem de henna marca os pés, numa alusão a mendhi indiana.
O guizo produzido pelo movimento do tornozelo hipnotiza o olhar dele.
Movimenta os braços, mostra a sua desenvoltura e força.
Dessa vez, encara-o, sem titubear.
As velas acesas iluminam o cômodo, um enorme círculo a protegê-los.
Nada de ruim pode acontecer, o rito da estrela de cinco pontas os protege.
Ele percebe a doçura do ser, a fragilidade, ainda que ela dance com toda a sua energia.
Austera, segura, flutua, marca o passo, desafia. A boca se abre, ligeiramente.
Os movimentos seguem o ritmo frenético da música, a mesma que o convida também a mexer o corpo e entregar-se ao som que se propaga por todo o cômodo. Prefere permanecer como espectador, guardando para si os desenhos que ela vai riscando no ar, sem pudor.
Ao fim da música, ela dispôs do átame, desfez o círculo, assoprou as chamas coloridas e perfumadas que assolavam o ambiente. E se viram, dessa vez frente a frente, naquele galpão vazio, onde só o clarão do luar ousava entrar pela janela.



domingo, julho 13, 2003

UM DIA DE INVERNO

Atmosfera londrina, enfumaçada.
Branca, tenra, nevoeiro, visão nublada.
Da janela o verde ganha aura clara e confunde-se com o resto da paisagem, opaca.
No vidro milhões de gotículas. A chuva deu trégua, diferente de ontem.
No cotidiano uma conversa sem antecedentes. Vou dançar caipira.
Já comecei a bolar o modelito, a maquiagem e o penteado. Vai ser bom voltar a fazer molecagem e travessura. Perambular por barracas de brincadeiras. Todos adultos.
Isso acontece no fim da semana que entra.
Agora, no almoço, cozimento de proteínas em molho de tomate especial.
Gostosuras em caixinhas, um pouco mais de tempero e carinho.
Salada colorida, folhas e folhas. A hortelã quebra a rotina. Preferia a rúcula.
Dizem que gosto de sabores e alimentos paulistas, apesar da carioquice.
Sinto-me bem em Sampa, na capital, no interior. Tanto faz.
Talvez por aspectos em semelhança com essa cidade serrana que vivo.
A gastronomia, os restaurantes, o que é exótico e intimista.
Ao final reunimos ao redor da mesa aqueles que gostamos ou até os que não.
Pode ser a família, os amigos, o amor, conhecidos, futuros parceiros.
Fechamos negócios, combinamos metas, selamos pactos, vivificamos o amor
e alcoolizamos a amizade por mais anos, talvez pela fragilidade do instante, daquele
em que a gente perde a noção da hora e nem sempre percebe que na sutileza e nos pequenos prazeres está a real felicidade.
E o domingo fecha a cortina e anuncia o inverno que se estenderá pela semana.

quinta-feira, julho 10, 2003



Ela ria enquanto bebericava o tinto, celebrando mais um inverno.
Desencanada e nua, aberta como criança diante da vida, pronta a abraçar a todos.
Os cabelos ruivos caíam em cachos até a cintura, os olhos amarelos brilhavam. Ela sabe, têm a certeza da imortalidade.
Contou das últimas descobertas e confidenciou que está abrindo um novo livro,
ao invés de um Ano Novo, como apregoam os astrólogos. Ela é da Ponte. A perspectiva é a mesma e só as palavras são diferentes. Liberdade, comandando os movimentos de mestres ascensionados. Já estive lá. Dei hortências lilases a quem não vi. Tudo se passou num coliseu repleto de seres, onde uma pira acesa marcava a reunião.
Ela está escrevendo os capítulos que marcarão uma nova fase, uma nova história,
diferente da atual vivida, entre desagruras e revoltas sentimentais.
Alardeou que recobra a segurança. Agora firme, certeira.
A molecagem marca essa mulher, como se a fissura em transgredir não tivesse solução.
Ela não liga. Vai em frente. Conta do agora. Diz que ganhou um presente especial.
Alguém que como ela vive em desalinho, em completa revolta com o previsível.
Mandou-me beijos, disse da saudade e da cumplicidade que estampa nossa amizade.
Foi assim desde o primeiro contato. Foi assim desde a primeira missiva. Foi assim na primeira vez que nos vimos e nos abraçamos. Plexo solar com plexo solar. E é assim até hoje, ainda que estejamos distantes e o tempo seja nosso maior algoz.
Ainda assim nos conectamos, pensamos forte e uma liga para outra, deixa um bilhete no icq, remete um enorme email.
Gargalhamos até a barriga doer e falamos das sombras. Me despedi na certeza que o que traduz com perfeição tudo isso são as almas, as irmãs, as afins.

terça-feira, julho 08, 2003

MOSAICO



Parece que tudo acontece simultaneamente e não consigo dar conta do rojão.
Explodem as faíscas e incendeiam a rotina.
O que aparentemente está fixado no presente, volta ao passado.
E o que aconteceu há um ano atrás, repete-se.
Ele volta à margem do cais e eu ao conto policial.
O agente a perambular furtivamente por casas e micros alheios.
Saltando aqui e acolá, manobras radicais e muito jogo de cintura.
Jogamos capoeira, aplicamos um golpe, eliminamos os problemas.
Agora consigo respirar um pouco mais lentamente e isso já traz um pouco mais de calma.
O que não foi escrito pela caneta tinteiro e nem pela pena que está ao lado do nanquim.
O dia passa rápido e os dedos deslizam com velocidade por aqui.
É um fóton a faiscar aqui e desaparecer no momento seguinte, transmutando as máquinas.
Por enquanto ele ficará no estaleiro, cuidado por mãos habilidosas.
E eu contando os dias para voltar a entrar em seu interior e navegar.
Não espero um peixe gigantesco e nem mesmo dourados.
Quero navegar feito o velho, com a certeza daquilo que busco e sei onde encontrar.


sábado, julho 05, 2003

AMPULHETA

Pode ser que ninguém entenda.
E nessas horas para quê coerência?
Melhor desse jeito, quando não se pensa de fato.
O que se leva são os momentos, como esse.
Permaneceremos assim: no instante que olhos cruzaram com os outros olhos; quando a sua boca tocou a minha; e o seu gosto misturou-se ao meu; quando seu coração colou no meu peito e juntos perpetuamos o mesmo som.
Agora chega o momento de pausa e o investido vai se diluir.
Escorrer, como areia deslizando por entre os dedos, como o tempo que passou.

quarta-feira, julho 02, 2003

PALETA

Toca a boca, passa o dedo para lá e para cá.
Entreaberta, parece compactuar com o estranho invasor,
Redesenhando no movimento cíclico a carne rosada.
Os olhos mergulhados no ontem e borrados de crayon.
Lagos de lágrimas salgadas.
A tez pálida, quase azulada pelo inverno.
Os dedos longos, as unhas redondas.
Pintadas de esmalte vinho, reluzente.
Mão que traduz poder.
Vermelho e preto, fundidos, tinto.
O mesmo que celebra a vida e embriaga o ser.