segunda-feira, março 31, 2003

MERIDIANOS

Existem dias estranhos. O incenso de sândalo impregna o ambiente.
Eu me sinto assim, vontade de não sei o quê, que não têm pressa, não pede, não quer, não faz. Permaneço à vontade, numa letargia contagiante, daquelas que você lê, sabe o que se passa e ainda assim nada consegue atingi-lo.
Nem os mísseis, nem bombas e muito menos homens-bomba serão capazes de acionar o estopim. Muito menos a pneumonia que mata na China e já era esperada por astrólogos-epidemiologistas. Será que iremos reviver uma Peste Negra em pleno século XXI?
Aqui a paz reina de uma maneira diferente, sem ansiedade e nervosismo. O corpo anda serenado, aquietado, como se esperasse o vulcão ser novamente acionado. Aguarda o impulso telúrico para jorrar lava por todos os cantos.
Não há forças externas que consigam tirar-me desse torpor abençoado. O momento é desse jeito, de averiguar a recuperação de quem se ama. De agradecer a melhora.
Faço o que tenho vontade, seguindo o anjo que assopra na orelha: vai...
Permaneço dentro dos limites do que me é confortável, dentro daquilo que só a alma compactua com a natureza e tudo o que de alguma forma cala fundo, o primitivismo, o atavismo, e quem sabe um pouco do instinto que não dá refresco e pede sempre mais uma dose de fruta, às vezes de água, uns cubos de gelo ou um punhado de doce. Às vezes tudo isso junto e eu dou conta...
Nem assim, a solução consegue saciar. Vou em direção ao que me acompanha os pensamentos, cobiça que leva do santo ao maldito, impossibilitando o tal do caminho do meio. Os orientais são sábios, eu sei. O meio é sempre mais difícil. Interagir entre os dois extremos e não tombar para nenhum dos lados é sempre o mais complicado. Será que alguém consegue não exagerar na dose ou só eu que me empapuço de divino e mundano?



sexta-feira, março 28, 2003

PRESSÁGIOS



Cheiro de pureza, lembranças adolescentes.
Toque delicado, abraço perfumado, beijo crescente.
Dualidade no encontro, expectativas antagônicas.
Detalhes em projeções, em partes e fetiches.
Portal a ser desvendado para o que ainda não foi feito.
Não importa o fim e sim o sentimento.
Pecado, crença, é sina, comunhão.
Pelas tramas do capricho segue o desejo.

quarta-feira, março 26, 2003

DAS CHAVES

Se todas as chaves se encontrassem num golpe,
Se assim conseguíssemos derrubar o oponente,
Num trançar de pernas e braços, com a imobilização do outro,
Estaríamos todos salvos, venceríamos a batalha.


segunda-feira, março 24, 2003

Fez o desafio.
Pôs em xeque sua coragem.
Epinefrina ao saber desconhecido.

Ar que falta.
Exploração tátil.
Reconhecimento salivar.
Batimentos no máximo.

Segredou uma parede no ouvido.
Tranco, atrito, roçar.
Pegada mais forte.
Fantasia e projeção.
Irresistível.

sexta-feira, março 21, 2003

ANO NOVO

A guerra teve início e junto com ela o Ano Novo,
astrológico, sim, com o ingresso do Sol em Áries.
O contraste é feito a tulipa amarela sobrepondo o fundo negro, carcomido e sombrio.
Esperemos que os próximos dias sejam de luz, de luz que só a paz é capaz de trazer após tanta violência, explosões e fogos de todos os artifícios.
Que os direitos ditos humanos, sacramentados para a preservação do planeta azul por todas as nações em seus mais diferentes pactos e interesses, possam valer de algo depois de tanto arsenal bélico empregado na dizimação de gente inocente e soldados amadores.
Destruíram o berço da civilização, o belo que ainda guardava inscrições mesopotâmicas e provavelmente jamais será reconstituído como o original. Território tomado em trocas de bandeiras, depois seguido de um retorno a original. Pedido de desculpas parece ser piada diante de tal devastação e covardia.
Que a ambição pelo poder e controle seja dissolvida tal a miragem de grãos que se aglomeram em ondas de areia.




quarta-feira, março 19, 2003

SAUDADE

"Em alguma outra vida, devemos ter feito algo de muito grave, para sentirmos tanta saudade...

Trancar o dedo numa porta. Bater com o queixo no chão. Torcer o tornozelo. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Bater a cabeça na quina da mesa, morder a língua, cólica, cárie e pedra no rim, doem. Mas o que mais dói é a saudade.

Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.

Doem essas saudades todas... Mas... a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida.

Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o dentista e ele para a faculdade, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter. Saudade é basicamente não saber...

Não saber mais se ele continua fungando num ambiente mais frio. Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia. Não saber se ele ainda usa aquela gravata... não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre de dieta, se ele tem assistido as aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua preferindo Skol, se ela continua preferindo vinho, se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados, se ele continua cantando tão bem, se ela continua adorando o Mc Donald's, se ele continua amando, se ela continua a chorar até nas comédias.

Saudade é não saber mesmo! Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.

É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso... É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer. Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora, depois que acabou de ler..."

Martha Medeiros


segunda-feira, março 17, 2003

VENTO



Rajada, sutileza, enleio a sacudir a alma e a natureza.
O mesmo acontece quando a maré está alta, peixes rodopiam entre espumas, facilitando o arrastão e o trabalho dos pecadores.
Naquele ápice, sempre um sopro se aconchega e faz companhia. É inesperado, mas nunca um intruso. É um velho companheiro invisível a testar os sentidos: o camuflado, o latente, o que extrapola roupas e poros, o que ressurge diante de sua melodia.
Aqui, onde existe mata verde, carvalhos a circundar a entrada, o ar possui rota própria, convite à dança, a um desembrulhar de celofane, farfalhar de folhas e galhos. Sonoplastia usada para efeito de incêndio no rádio. O mesmo desabrochar do vestido carmim, numa coreografia de flamenco.
Um morcego sempre sai da toca e dá um rasante, normalmente quando Cibele está camuflada atrás de sua couraça negra e o firmamento não reflete nebulosas. A brisa é completamente diferente, a escuridão mostra sua força ao percorrer as entranhas e trazer reconhecimento e saudade. E nem sempre se sabe do quê.
Uma nova hóspede, de cabeça branca e corpo cinza, agora faz duo com o vampiro. A coruja dá sinal à meia noite, avisando de sua presença e anunciando mais uma madrugada.


sexta-feira, março 14, 2003

ANDARILHO



Caminhava a esmo, as pernas comandando o movimento, o corpo mera resposta à vontade mecânica.
A noite possuía uma atmosfera ímpar, talvez a hora em que mais se sentia viva.
As Três Marias divisavam o firmamento com o restante das estrelas e a lua que está no crescente.
Já, já, chega a cheia. E de uma forma furtiva já avisava que os líquidos estão começando a entrar em ebulição, uma tormenta interna que nem sempre é capaz de ser minimizada, uma vontade errante de estar em aceleração, não importando aonde chegar.
Isso a faz lembrar de um escritor, um que criou uma cidade inteira imaginária, com bares, pessoas, cotidiano. O protagonista era ele mesmo, jornalista que trabalhava num periódico, diferente da sua ocupação real. O velho saía à noite para tomar umas e outras e observava as pessoas, as que se sentavam perto dele. As roupas, o jeito, o tom da pele, o que as mãos diziam, o que o corpo refletia. Rabugento, mal humorado, um ancião à espera da morte.
No mundo real, o jovem perambulava à noite, sem rumo. Vestia a primeira roupa que encontrava pela frente e saía sem destino. Adorava sentir a chuva caindo na face e inundando a alma. Sensação esquisita essa, a mesma que ela sentia tantas vezes. Parece que entra num transe, os seres passam, as luzes dos faróis também e a onipotência cresce no mesmo diapasão.
Hoje, caminhava, cruzando com amigos, sorriu, dividiu algumas impressões, mas continuou o trajeto, sem destino. O andarilho, o que navega por entre ideologias, pensamentos e sensações indecifráveis. A lua entre as nuvens convidava à reflexão, a uma necessidade estranha de partilhar seu silêncio e a música que só ela ouvia. O vento dissipou o que cobria as estrelas e lá estava o Cruzeiro do Sul, cruz que carrega no peito, sinais talhados ao acaso pelo sol na pele, tatuando o coração.

quarta-feira, março 12, 2003

AMIZADE

Estava lendo o jornal do GCE cuja temática do mês é a amizade. Entre as matérias encontrei o pensamento abaixo, que retrata mesmo que de forma indireta, os contatos que efetuamos por essas janelas virtuais e que mais à frente tornam-se amigos. Em longa distância física, as frequências se encontram, se tocam, se condensam e proporcionam encontros reais para sacramentar o que a percepção, as letras, as sensações foram capazes de produzir por aqui.

[...]
"Dentre os sentimentos e sensações arrebatados numa existência física, podemos hoje salientar a ligação íntima entre almas que se enfocam de um instante a outro, sem jamais terem se visto anteriormente, mas que se projetam em semelhanças de idéias e sensações; almas que demonstram entre si propensões e descotínios maiores dentro de seus ritmos de vida".

Emmanuel

segunda-feira, março 10, 2003

FRAGMENTADO

Ela sopra Ouro Preto e as repúblicas proclamam o cenário.
As Minas são sacras. Carbono do relicário barroco, do festival de igrejas que pululam em todos os cantos e ladeiras.
Pedras sabão e semipreciosas. Gemas em colares, pingentes, anéis e adornos. Sabão em culinária capaz de produzir os mais irresistíveis aromas. Cozimento perfeito, gosto diferenciado. É preciso experimentar para saber. Até comida italiana ganha outro toque.
Ele os conduziu pelo caminho das pedras. Dormiram amontoados, vários colchonetes, naquela mixórdia funcional e divertida. Guerras de travesseiro e cobertas. Ele azara ela. Cachoeira para lavar a alma, repor a energia e condensar bem-estar.
Paralelepípedos para os que teimam em andar entre bares, chopp e uma comida de raro paladar. Pão de queijo e café com leite pela manhã. Às vezes, loira gelada com pão de queijo na padaria e o dia amanhecendo.
Há movimento externo no que compõe o que é produzido em tonéis e às vezes envelhecido. Muitas vezes possui o tom amarelado. Tótó e cachaça. Goleiro e defesa, ela era boa nisso, campeonatos e campeonatos.
Encontro em Maceió. Praias para todos os gostos, gente sem pressa, o tribal vê a turista e a chama de polaca. Cabelos loiros provocam reações inesperadas naqueles de pele morena. Contrastes e cores. Febre e frescor. Crepúsculos e marés. Cais, pernas balançando e pés descalços. Corpo ardente e vento gelado. Mente musical e boca poética.
No entardecer, encontro: o sol toca a lua. Tal Áquila, as estrelas invadem o espaço aéreo e a noite toma seu posto.




sexta-feira, março 07, 2003

SINAPSES

Percorreu o deserto, entre dunas, lagoas e cactos teimosos.
Ondulações de areia, tal cobra desenhando labirinto.
A natureza é exuberante e provoca vontades na água termal.
Volta a atenção para aonde está e para de pensar na manhã.
Larga a taça ao lado da pia e lembra-se que ele ainda espera por ela.
Está do lado de fora na expectativa de um sinal, código, gesto.
Solta uma risada e sorri. Zomba de si mesma e desdenha o que quer que provoque nele.
Suspira, pega o copo, outro gole desce pela língua, faz cócegas na garganta
e aquece entranhas.
Sabe que dessa tomada não terá perfil que componha uma nova cena.
É como a plácida e distante perspectiva, sem claquete e clichês.
Passa gloss, o brilho acentua os lábios carnudos, manda um beijo para a própria imagem.
Arruma a blusa, um dos seios teima em fugir por um dos lados do decote.
A camuflagem é agradável, o hálito ébrio, mexe nos cabelos longos e repicados.
Fecha a porta e sai do banheiro.


quarta-feira, março 05, 2003



Riscos quase transparentes margeiam a tela difusa.
Margaridas acariciadas pela chuva: toque, atrito, dança.
A terra é inundada produzindo orgásticas raízes.
A seiva percorre o caule e sacia pétalas, nutre o folículo.
Hóstia dos céus, ósculo das águas de março.

segunda-feira, março 03, 2003

AS FACES

"Eu sou a Deusa dos mil nomes,
Do poder infinito e dos múltiplos dons,
Manifestados na diversidade das minhas faces,
Honradas e veneradas ao longo dos milênios.

Eu sou Gaia, a Mãe Terra da antiga Grécia,
Coloquei a ordem na vastidão do caos,
Criando o universo no ritmo da minha pulsação.

Eu sou Ísis, a Deusa egípcia,
Ofereço a cura e a transformação,
Para quem as procura,
Pois tenho o poder de plasmar um novo mundo.

Eu sou Cerridwen dos Celtas,
No meu Caldeirão mágico guardo o alimento da alma,
A fonte inesgotável de sabedoria e inspiração,
Quanto mais eu dou, mais eu recebo.

Eu sou Atena da Grécia,
conhecida por minha sabedoria
Como meu totem - a Coruja
Ouço e vejo tudo o que se passa ao meu redor
Sou forte como o Carvalho,
Ou pacificadora como a Oliveira.

Eu sou Diana, a Deusa Lunar Romana,
Protetora das mulheres e das crianças,
Guardiã das florestas e dos animais,
Acerto as flechas no alvo dos meus desejos.

Eu sou Bast, a Deusa Gato do Egito,
Graciosa, sinuosa, brincalhona e afetuosa,
Irradio o calor e a luz do glorioso Sol.

Eu sou Freya, a bem amada Deusa Nórdica,
Sobrevoando o mundo, canto alegremente,
Celebrando os laços entre amigos e amantes,

Eu sou Hécate, a Tríplice Deusa grega,
Guardiã da noite e das encruzilhadas,
escolho o caminho que eu quero trilhar,
permeando a razão com o brilho da intuição.

Eu sou Ereshkigal da Assíria e Babilônia,
A Rainha do mundo subterrâneo,
Para crescer, desfaço-me da velha pele,
Sou detentora do profundo poder da renovação.

Eu sou Kwan Yin, a Deusa chinesa da compaixão,
Ouço e consolo as dores do mundo,
Protegendo as mães e seus filhos,
Ensinando a magia da mutação.

Eu sou Maat do Egito,
Verdade, justiça e lei são regras do meu universo,
Estabeleço a harmonia com meu poder divino.

Eu sou Rhiannon, a Deusa galesa eqüina,
Viajo livre, serena e segura no mundo,
Com minha voz melodiosa,
Acordo os mortos e adormeço os vivos.

Eu sou Sedna dos esquimós,
Conheça-me e honre-me através dos animais,
Ursos, baleias, focas e peixes,
Todas as criaturas da terra e do mar,
São parte de mim e têm o direito de viver".