quarta-feira, março 19, 2003

SAUDADE

"Em alguma outra vida, devemos ter feito algo de muito grave, para sentirmos tanta saudade...

Trancar o dedo numa porta. Bater com o queixo no chão. Torcer o tornozelo. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Bater a cabeça na quina da mesa, morder a língua, cólica, cárie e pedra no rim, doem. Mas o que mais dói é a saudade.

Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.

Doem essas saudades todas... Mas... a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida.

Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o dentista e ele para a faculdade, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter. Saudade é basicamente não saber...

Não saber mais se ele continua fungando num ambiente mais frio. Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia. Não saber se ele ainda usa aquela gravata... não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre de dieta, se ele tem assistido as aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua preferindo Skol, se ela continua preferindo vinho, se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados, se ele continua cantando tão bem, se ela continua adorando o Mc Donald's, se ele continua amando, se ela continua a chorar até nas comédias.

Saudade é não saber mesmo! Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.

É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso... É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer. Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora, depois que acabou de ler..."

Martha Medeiros