quinta-feira, junho 16, 2005

CRONOS



"Invocai-me sob minhas estrelas! Amor é a lei, amor sob vontade. Nem confundam os tolos o amor; pois existem o amor e o amor. Existe o pombo, e existe a serpente. Escolhei bem!"
(AL, 1:57)

quarta-feira, junho 15, 2005

Engraçado como o poder de uma frase, palavra, pensamento pode fincar na cabeça da gente feito estaca em coração de vampiro. Eu explico de onde vem isso. Estava lendo sobre Hilda Hilst, poeta, ficcionista e dramaturga paulista, rotulada pelos críticos com rançosas definições: provocadora, pornográfica, esquizofrênica, obscena. Agora essa aura maldita é democratizada com a publicação de toda a sua obra pela Editora Globo.
Já tinha ouvido falar dela pelos dedos de Falabella às quintas. E, imediatamente ao me deparar com uma enorme entrevista em ping-pong, não pude resistir e sucumbi aos apelos dessa septuagenária com alma de menina. E a última frase que encerra a matéria fala de Deus. O que acaba sempre sendo um assunto a mim necessário, com as devidas interrogações em proporções geométricas que o assunto desperta. Ela diz:
?Durante quase a totalidade do meu trabalho, mas principalmente em ?Qadós?, eu procuro o nome de Deus: Tríplice Acrobata, Cara Cavada, O Isso, O Cego, Cão de Pedra, Porco-Menino, Sumidouro, Grande Corpo Rajado, Haydum e muitos outros. E citando-me a mim mesma, em "Com meus olhos de cão": Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso.
O que seria então esse deus invernal em superfície salivar? Um iceberg flutuante num mar de bocas gargalhantes, em dentes brancos, amarelos, dentuços, podres, faltando o vizinho? Que festival de gengivas, línguas e hálitos!
Essa mesma sensação encontrei em Pessoa, em um de seus heterônimos e que não sei qual é. Li e não registrei. Coisas que acabam passando batidas quando tenho que usar a referência. É aquilo de reter o que é importante, enquanto a fonte nem sempre o é. Ossos do ofício que absorve de tudo um pouco, mas na essência pouco se sabe com profundidade e propriedade esperadas. Nós enganamos bem e as pessoas sempre saem com a sensação de que sabemos tudo de tudo. Bazófia.
Então, "uma superfície de gelo ancorada no riso", de Hilda, está para o "estala coração pintado de vidro" de Pessoa. São visões que me mantém a deriva da sanidade e permitem que eu explore um pouco do devaneio púrpura que vêm do trígono em Netuno, aliás, o único aspecto de água no meu mapa. Nesse coração do poeta, vejo um imenso pedaço de vidro, transparente,azulado, e ao menor toque, ao peteleco do dedo médio, ele tini, ecoando por um enorme salão vazio e infindo. Não vejo saída e nem portas. Só o som propagando-se, um OM coronário lançado no ar formando milhões de ondas....
Não pude deixar de recolher mais uma percepção particular da vida, da experiência, do isolamento que acabou produzindo tantos frutos necessários na vida de Hilda. Muitas vezes me pergunto por que determinadas pessoas não têm critério, amam a todos da mesma maneira. Como pode ser isso?Acho que nunca vou entender esse "abraçar a todo mundo" com naturalidade. Pinço almas que comungam comigo dentro de aspectos puros, descabidos de interesse. Por isso vibram no mesmo diapasão, na mesma sintonia. É o sorriso aparecer e subitamente um bem querer primitivo reacender, sem explicação física, sem lógica. São as tais molduras que só os afins possuem.
Outro dia estava lendo a moça de olhos azuis, em suas expressões letradas, e dizia que tem momentos que acordamos e as coisas que eram importantes deixam de ser. Também tenho dias assim, de total descaso. E aquilo que era imprescindível parece largado numa gaveta. E isso acaba sendo transferido também para as pessoas. Quantas lágrimas verti por alguém e hoje nem entendo o por quê do tamanho do sofrimento? O que é importante afinal? Em que etapa da vida algo se torna fundamental para nós?
Misturando aspectos catárticos, espirituais, quânticos em sua obra, Hilda ensina o ritual que a mim calou fundo e vou deixar aqui para vocês refletirem nessa madrugada escura de segunda, onde as nuvens disputam, em vantagem, o espaço entre as estrelas:
"E os versos fazem parte da poesia onde eu falo de potlach, ou ?o poder do perder?. É um ritual de algumas tribos que em certas datas especiais destroem seus objetos mais preciosos nas fronteiras de seu território. Ao demonstrar que não têm medo de perder o que têm de mais valioso, ostentam uma coragem que eles acreditam ser capaz de intimidar seus inimigos. E eu me sinto uma escritora bendita, graças a Deus. E meu charme maior foi sempre ter sido livre. Para viver e escrever".

terça-feira, junho 07, 2005

INTERLÚNIO

Há céus que se cobrem de negro e absolutamente nada corta essa ausência de luz.
Dizem que essa chapa celeste jamais acontece no deserto, aonde as constelações são mais cintilantes que qualquer outra parte do planeta. Em parceria, as areias são escaldantes durante o dia e gélidas quando a noite acorda, assim como se levanta o vento abrasador da manhã e o ar torna-se congelante de madrugada. E é nessa hora, quando a visão não alcança além de dois palmos adiante dos pés, que criaturas horripilantes saem da toca para caçar, saciar-se.

E ao contrário do deserto, no interlúnio a negritude parece cobrir toda a terra, quando estamos em perspectivas aquém das tempestades, principalmente as de areia. E nos atrelamos às construções duras e frias de pedra. A civilidade parece arrogante e distante do que é natural, energeticamente virgem. O mundo de concreto é tal qual móbile infantil, clone do projeto arquitetônico ao lado.

Polarizando o movimento, não há fixidez nas caravanas que disputam um pedaço oasiano. E miragens confundem os viajantes sedentos e exaustos por dias consecutivos na corcunda de camelos. Tendas são armadas, construindo um pouco de sombra diante do astro-rei que não dá trégua. Tapetes espalhados sob os grãos ferventes, minimizando o que parece queimar qualquer um que ouse tocar esse mar calcário.

A Lua no minguante surge na grande tela, nas mil e uma noites de Sherazade. Aquela que enganou a morte com palavras, persuadindo e seduzindo seu maior inimigo. Plantou nele a semente insaciável da curiosidade.Ela segue adiante, sob o véu, deixando à mostra os olhos, pequenos, amendoados, rasgados como a cadente que só se vê em luares espetaculares, um pequeno traço a riscar as esquinas do espaço sideral. Delineador branco manchando a escuridão.

quarta-feira, junho 01, 2005

JUNHO

Rodopio,no auge o volteio,
na ponta um lago, um cisne, quem sabe...
Imagem que como pluma paseia pelo seu rosto,
provocando cócegas, sorrisos e satisfação.
Quem sabe um quê de valsa, de festa, noir.
Baila ao som de um clássico que conhece.
O que assopra aos seus ouvidos e o convida a largar-se,
em entregue suspiro.
Em média luz, em devaneio os sentidos: indefinido prazer.
Simultaneamente os pensamentos flutuam, seguem, sem repressão.
Interceptam galáxias e chegam até você.