quarta-feira, janeiro 30, 2002

Imagina...o texto é dela...é de Clarice, Clarice Lispector
Ah, se eu sei, não nascia, ah, se eu sei, não nascia. A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente. O anel que tu me deste era de vidro e se quebrou e o amor não acabou, mas em lugar de, o ódio dos que amam. A cadeira me é um objeto. Inútil enquanto a olho. Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora. A criatividade é desencadeada por um germe e eu não tenho hoje esse germe mas tenho incipiente a loucura que em si mesma é criação válida. Nada mais tenho a ver com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida. Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal. Nós mantemos esse segredo em mutismo cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante mortal. O objeto cadeira sempre me interessou. Olho esta que é antiga, comprada num antiquário, e estilo império; não se poderia imaginar maior simplicidade de linhas, contrastando com o assento de feltro vermelho. Amo os objetos à medida que eles não me amam. Mas se não compreendo o que escrevo a culpa não é minha. Tenho que falar pois falar salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer. As palavras já ditas me amordaçaram a boca. O que é que uma pessoa diz à outra? Fora "como vai?" Se desse a loucura da franqueza, que diriam as pessoas às outras? E o pior é o que se diria uma pessoa a si mesma, mas seria a salvação, embora a franqueza seja determinada no nível consciente e o terror da franqueza vem da parte que tem no vastíssimo inconsciente que me liga ao mundo e à criadora inconsciência do mundo. Hoje é dia de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria.
Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto. A eletrola está quebrada e não viver com música é trair a condição humana que é cercada de música. Aliás, música é uma abstração do pensamento, falo de Bach, de Vivaldi, de Haendel. Só posso escrever se estiver livre, e livre de censura, senão sucumbo. Olho a cadeira estilo império e dessa vez foi como se ela também me tivesse olhado e visto. O futuro é meu enquanto eu viver. No futuro vai ter mais tempo de viver, e, de cambulhada escrever. No futuro, se diz: se eu sei, eu não nascia. Marli de Oliveira, eu não escrevo cartas pra você porque só sei ser íntima. Aliás eu só sei em todas as circunstâncias ser íntima: por isso sou mais uma calada. Tudo o que nunca se fez, far-se-á um dia? O futuro da tecnologia ameaça destruir tudo o que é humano no homem, mas a tecnologia não atinge a loucura; e nela então o humano do homem se refugia. Vejo as flores na jarra: são flores do campo, nascidas sem se plantar, são lindas e amarelas. Mas minha cozinheira disse: mas que flores feias. Só porque é difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano. Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana. Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta? A verdade é o resíduo final de todas as coisas, e no meu inconsciente está a verdade que é a mesma do mundo. A Lua é, como diria Paul Éluard, éclatante de silence. Hoje não sei se vamos ter Lua visível pois já se torna tarde e não a vejo no céu. Uma vez eu olhei de noite para o céu circunscrevendo-o com a cabeça deitada para trás, e fiquei tonta de tantas estrelas que se vêem no campo, pois, o céu do campo é limpo. Não há lógica, se se for pensar um pouco, na ilogicidade perfeitamente equilibrada da natureza. Da natureza humana também. O que seria do mundo, do cosmos, se o homem não existisse. Se eu pudesse escrever sempre assim como estou escrevendo agora eu estaria em plena tempestade de cérebro que significa brainstorm. Quem terá inventado a cadeira? Alguém com amor por si mesmo. Inventou então um maior conforto para o seu corpo. Depois os séculos se seguiram e nunca mais ninguém prestou realmente atenção a uma cadeira, pois usá-la é apenas automático. É preciso ter coragem para fazer um brainstorm: nunca se sabe o que pode vir a nos assustar. O monstro sagrado morreu: em seu lugar nasceu uma menina que era sozinha. Bem sei que terei de parar, não por causa de falta de palavras, mas porque essas coisas, e sobretudo as que eu só pensei e não escrevi, não se usam publicar em jornais.

terça-feira, janeiro 29, 2002

Tenho fixado-me nas idéias de Clarice e essa parece fechar, completamente, com meus pensamentos. Exatamente como me portei até hoje em listas de discussão e agora, aqui, nessa cobra que tem o rabo enfiado na boca, ou nas curvas geométricas perfeitas que dão nome a esse espaço. Então, abusando da sabedoria dela, me rendo a algo que gostaria de ter escrito.

"...eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade."

Clarice Lispector

segunda-feira, janeiro 28, 2002

Abri o jornal e dei de cara com a Tecnovilas de Antônio Kleber. Ele, sentado feito Buda, lendo email em seu laptop. Engraçado, porque Aka para mim é um ser realmente do bem. Muita gente diz que ele é do mal, pra mim não. Já tive a oportunidade de conhecer um pouco do aparato high tech que toca cada pedaço de sua casa. E é impressionante o que ele está construindo no interior do estado do Rio. Uma fusão de tecnologias, do velho engenho que produz energia à mais sofisticada engenharia de satélites. Uma fusão que eu já escuto faz tempo, desde que me encontrei com a idéia de comunidades alternativas, auto-sustentáveis. Não aquelas ligadas a religiões e comprometidas com ideais financeiros. Falo das com cunho idealista, preservacionista e ambiental. Esse projeto cabe perfeitamente no que eu entendo por uma sociedade moderna usufruindo tudo aquilo que há na terra e também de todo o conforto que a globalização pode nos oferecer com sua chegada. Nos mantemos ligados, conectados, plugados. Uns com os outros, como num grande sistema amarrado, mas perfeitamente solto, (in)dependente.
Deixei um recado, parabenizando-o pela empreitada. Eu e meus ideais da sombra aquariana. Uma ilha numa infinita teia de aranha, amarrando o mundo ao seu avental. Ainda penso um dia pertencer a essa teia vanguardista, aqui do meio do mato também, distante dos grandes centros que nos parecem engolir. Dessa janela virtual, debruço, e enxergo: ao redor, embaixo, encima, os milhões de pontos, spots na constelação cibernética. Daqui vejo a vida, o mar, o rio, aquela cidade costeira, a grande metrópole, o tudo e o nada, sem limites, sem amarras, sem pressupostos, sem melindres, sem protótipos sociais. Daqui vejo aí, me finco lá e estou, sempre, fazendo parte. Estou presente. É a vida representada por essa lemniscata, o infinito que não cansa nunca de recomeçar.

domingo, janeiro 27, 2002

Já falei de Alexey por aqui, então hoje, vai um texto dele falando de coisas que ele entende melhor do que ninguém: Astrologia e Kaos. É uma boa pincelada nas duas matérias e que exemplifica perfeitamente o que eu havia falado de kaos magick. Então, com vocês, Alexey Dodsworth, ou pra quem gosta, Lasher:

"Então eu perguntei: Crer firmemente que uma coisa é algo, a faz ser algo ?
Ele respondeu: Todos os poetas acreditam que sim, & desde inimagináveis eras esta firme crença removeu montanhas; mas muitos não são capazes de crer firmemente em nada."

De 'O Casamento de Céu com o Inferno', William Blake (1794)

Se definir "astrologia" se revela já uma tarefa hercúlea, o que faremos tentando definir "magia"? No mínimo, um trabalho divertido, que só pelo exercício do pensar já nos conduz a algum efeito miraculoso.

Não tenho a dizer nada de complexo, ou fantástico, espero não decepcionar, mas vocês podem encarar magia como a arte de exercitar a vontade. A velha definição de "magia é o poder de exercer a vontade sobre a natureza" cai por terra quando falamos de kaos magick, pois no sistema kaoísta não há diferente entre "homem" e "natureza". Um pode ser encarado como o espelho do outro.

Dentre os vários sistemas de magia, a kaos magick se revela uma divertida e fascinante mixagem de magia, semântica e psicologia, projetada para devastar com as estruturas das "crenças consensuais".
Os sistemas de crenças e de magia, quase todos, elaboram "técnicas" para a magia, e a compreensão do assunto termina sendo quase linear, típica do hemisfério esquerdo do cérebro. Em kaos magick, somos apresentados a um novo vislumbre: a visão do hemisfério direito e sua integração com o esquerdo. O mundo visto não como uma "máquina lógica", mas como um organismo vivo.

Podemos dizer que kaos magick foi "inspirada" pelo artista e mago Austin Osman Spare no início deste século, mas terminou sendo "lapidada" por Peter Carroll, cujo trabalho 'Liber Null & Psychonaut' continua sendo uma obra imperdíavel para quem deseja instaurar o kaos em sua vida :-)
A palavra "kaos" inicialmente amedronta, pois em nossa sociedade ocidental assumiu o simplório significado de "bagunça, desordem, coisa má". O termo "kaos", entretanto, vem do grego e pode ser traduzido como "as possibilidades de todas as coisas".

O primeiro exercício que vocês têm a fazer, portanto, pode ser resumido em resgatar o significado original de "kaos". Se aceitamos enxergar o mundo de forma kaótica, estamos abertos às possibilidades do todo, e se entendemos que "tudo é possível", podemos escolher qual a realidade que naquele momento se mostra mais pertinente.

E o que tudo isso tem a ver com Astrologia? Praticamente, tudo a ver. No mito, Ouranos (o Céu, o Kaos Primordial, o hemisfério direito) manteve relações com Gaia (A Terra, a Ordem Estruturada, o hemisfério esquerdo), e deste casamento surgiram os Doze Titans. Qualquer semelhança com os doze signos do Zodíaco NÃO será uma mera coincidência.

Os "doze signos" são energias primordiais, presentes desde a criação e anteriores a todos os deuses criados. E todos eles - exatamente: TODOS eles - estão dentro de nós, e se manifestam através do anahata chakra (o centro cardíaco), que tem doze pétalas.

Quando nascemos sob a égide de um signo, ou o temos muito poderoso em nosso mapa astral, estamos simplesmente sendo o canal de um destes doze deuses primordiais, as primeiras criaturas da "realidade manifesta". Mas na medida em que vamos expandindo a nossa consciência, descobrimos que podemos, através do exercício da nossa verdadeira vontade, ativar os outros princípios zodiacais.

A partir do momento em que compreendo que me torno apenas o personagem de uma grande peça, descubro que posso fazer alterações no "script" e me tornar quem eu quiser, a depender das circunstâncias e conveniências.

Quando eu fazia teatro, lembro-me bem quando minha diretora comentou uma das grandes vantagens do ator: "personagens podem fazer coisas que a própria pessoa não teria coragem de fazer". A partir do momento em que o indivíduo se desprende, ou seja, se desidentifica do "ego" que ele JULGA ser real, ele descobre que pode tornar qualquer coisa real.

Inicialmente, a minha reação a estas percepções foi típica de um signo fixo, que detesta a idéia de se desprender da própria personalidade: "quer dizer que eu vou passar a minha vida representando?"

A resposta foi como uma ducha de água fria: "Meu querido, você representa desde que nasceu. Nada disso que você acha que "é" você realmente "o é". Você se fixa apenas na ponta do iceberg, mas o que há por debaixo é o Oceano. Você pode se tornar tudo o que você quiser, na hora que você quiser, a partir do momento em que se desapegar de si mesmo e de suas certezas absolutas".

E quem disse que diretoras de teatro não se fazem sábias como avatares? :-)

Podemos definir o objetivo de Kaos Magick + Astrologia da seguinte forma:

Se eu compreendo que existem doze poderes primordiais (eu poderia dizer que são 98328558, mas seria terrível para decorar), e que eu passei a minha vida acessando um ou dois, mas que posso acessar TODOS, na hora que eu quiser, então me torno senhor da minha realidade.

Cabe salientar que o sistema kaoísta busca fundamentalmente A PRÁTICA. De nada adianta a teoria se o estudante não praticar.

A magia do kaos pode ser uma forma de magia cerimonial, uma disciplina espiritual tão ou mais antiga do que a religião, na qual o ritual pode ser usado para desenvolver estados de consciência suficientemente poderosos a ponto de poderem causar mudanças no interior da psique do mago ou no universo exterior (já que um é apenas espelho do outro). A magia cerimonial pressupõe uma intenção mágica, uma vontade por parte do mago de tornar um desejo realidade.

O mago se revela, quase sempre, um "histérico histórico". Quase todos tiveram um relacionamento difícil com os seguidores de religiões. Religiões geralmente tentam definir os desejos de seus membros dentro de uma estutura de adequação justificada pela sançãode leis morais. A magia tende a permitir que a descoberta da moralidade seja uma aventura pessoal.

A kaos magick rejeita firmemente qualquer tradicional discriminação da magia em branca, cinza e negra, uma vez que o que define que uma coisa seja "boa" e outra seja "má" é simplesmente o padrão moral vigente de uma época e/ou lugar. E como o kaoísmo considera que cada indivíduo vive numa realidade incopiável e eternamente mutante, fica difícil elaborar qualquer dogma moral que não seja o próprio criado pelo indivíduo.

E como o kaoísmo encara tudo como uma grande irrealidade, não estamos preocupados se "isso" ou "aquilo" "é bom" ou "não é". Em nosso mundo, o mundo de Samsara, por mais que tentemos SEMPRE haverá prazer & dor, paz & guerra, luz & sombra. Qualquer busca que almeje apenas luz, amor e passarinhos estará fadada à decepção, pois a outra polaridade da Natureza (esta senhora que não se importa com roupas) estará sempre abrindo caminho.

Encarem kaos magick como uma FORMA DE VER.
O kaoísmo "vê" o Universo como um grande plasma de possibilidades. Desta forma, tudo se percebe como um sonho, "nada é" verdadeiro. E se tudo pode ser encarado como um sonho, cada um de nós pode, enquanto praticantes, gerar sonhos dentro de sonhos, obtendo resultados práticos. A única prerrogativa pode ser encarada assim: só não se identifique demasiadamente com nada. Viva aquela nova realidade, mas saiba que ela terá um tempo, e que o importante neste tempo será o regozijo.

O primeiro exercício kaoísta, e consideravelmente um dos mais importantes e difíceis, pode ser chamado de ARTE DESCONSTRUTIVISTA:Consiste em diluir Samsara (a Roda que Eternamente Gira), ou falando numa linguagem terrestre, consiste em eliminar os cercadinhos limitados criados pela existência do verbo "ser".

Complicado de entender? Não, facílimo!

Se eu digo que algo "é", estou limitando este algo a um cercadinho bem definido, e criando também uma série de coisas que "não são".

Em Astrologia, quanto mais o verbo "ser" estiver abolido, tanto melhor. Nada "é", mas "tudo se vê", ou podemos usar o "como se".

Vejam a diferença:

PRISÃO AO VERBO "SER":
"Seu mapa, com Áries dominante, mostra que você É impulsivo. E É intempestivo, também".

DESCONSTRUINDO A REALIDADE DO MAPA:
"Com Áries dominante, você se percebe impulsivo, sente-se como se motivado a reagir de forma intempestiva."

A mudança na forma de expressão pode parecer apenas uma bobagem semântica. Só que "palavras" podem ser encaradas como um grande instrumento do mago. A forma de falar expressa a forma de ver. No primeiro texto, temos uma visão limitada que rotula, que caracteriza e aprisiona. No segundo, o astrólogo apresenta à pessoa a idéia de TUDO O QUE ELA VIVE DERIVA DA FORMA COMO ELA SE PERCEBE E PERCEBE O MUNDO.

A forma como pensamos e nos expressamos define a realidade em que vivemos. Quanto mais eu digo que "isso é", "aquilo é" ou "eu sou", acrescentando adjetivos e qualidades ou defeitos ao "isso" ou "aquilo", ou mesmo a "mim", mais difícil será romper com o Sonho da Dualidade, próprio do mundo material.

Releiam todo este texto e descubram que o termo "é" foi abolido dele, e foi proposital. Vocês encontrarão "sendo" (um "ser contínuo", que pressupõe um final, pois todo verbo no gerúndio encontra um momento final), "seria" (uma probabilidade), e, eventualmente, "será", que também é um equívoco semântico proposital, pois quando eu digo que "será", estou criando uma realidade.

O exercício que kaos magick propõe a vocês envolve muita auto-observação: Quantas vezes vocês usam o verbo "ser" por hora?
Quantas vezes vocês estreitam a realidade e limitam os campos de visão, afirmando categoricamente que algo "é" ou "não é"? E mais: quantas vezes vocês usam termos como "categoricamente", "indubitavelmente", "com certeza" ou "sem dúvida", ou mesmo coisas similares? Vocês estão certos de que o que disseram pode ser visto como "categórico" ou "indubitável"? Quanto mais certos estiverem, mais vocês estarão em perigo :-))

In Pandemonium,

Alexey Dodsworth
Consultoria Astrológica
Associação Cultural Labirinto
(71)9116-1404
**********************************

sábado, janeiro 26, 2002

Falei da Clarice anteontem, que havia encontrado um texto que fechava com o delírio de Pessoa e Manoel de Barros, então lá vai:
'Sou espontânea. Mas tenho uma espontaneidade controlada. Escrevo do modo que escrevo porque é a maneira como foi concebido e não saberia dizer de outro modo. Não sou uma pessoa que possa relatar uma idéia passada. Não sei pôr no papel uma coisa que não estou sentindo mais".

E é por aí mesmo. Estive lendo, hoje pela manhã, um comentário sobre as mulheres histéricas e confesso, deu vontade de escrever e dar meu pitaco. Então, ensaiei, ainda na casa do meu irmão, uma ídéia que surgiu. Vou colar abaixo, da maneira como foi saindo, sem revisão ortográfica, sem acentos, sem nada...

Ainda em ritmo emprestado fui ler emails e lá achei um novo blog, chama-se Clube da Comédia. Ou melhor, o moço me achou, achou meu endereço eletrônico. As coisas nos chegam e eu deixo que elas entrem, comecem a fazer parte. O novo acaba sendo primordial para a reciclagem, para a tal da troca que nos dê subsídios, que plante algo diferente e faça nascer sinapses infantes, que antes estavam em estado embrionário.
Estive no Udi e encontrei uma alegoria entre mulheres histéricas e verdades ditas. Na mesma hora tive vontade de retrucar e deixar lá um recado, mas achei melhor me manifestar aqui, na minha casa. Essa semana andei pensando sobre a função dos blogs...a função catártica, libertária, onde se diz o que quer e não se está preso a comentário seguinte algum, muito diferente de listas de discussão. Acho que por isso passei a gostar mais daqui...
Ana já havia me dito que esse 'bichinho' acaba viciando. Então, estou aqui, viciando-me. O problema é tentar evitar que do súbito encontro vire compulsão. Isto sinaliza para a vida dos grandes gênios da humanidade, todos com algum aspecto compulsivo. Algo que dê prazer, efeito orgástico, como chocolate. A inspiração pura, refrescante, de mostrar que estamos vivos, vivos de paixão, da paixão que nos leva a real compulsão.
Voltando a idéia das mulheres histéricas, sei não. Sou implicante para aturar histéricos, independente do sexo que tenham. E dizer a verdade, no auge da raiva ou da mágoa, ou de qualquer sentimento que nos tire dos limites da tolerância, acabam produzindo essa reação de pôr a boca no trombone, literalmente. Dessa forma, limitar a verdade a estados histéricos e dirigi-los a um aspecto feminino, a mim soou feio, muito feio. É a própria degradação da espécie. Melhor seria falar do estado histérico, o que leva as pessoas a isso, do que limitar esse efeito ao feminino. Ou ainda, expurgar seus demônios sem precisar da histeria. Uma coisa independe da outra, principalmente se for conivente com aquilo que sente. A verdade é dura, crua, melhor dita, do que engolida.
De sapos pra engolir a gente já tem muitos, não precisa de mais um. E muito menos arrumar desculpas para justificar a falta de coragem.

quinta-feira, janeiro 24, 2002

Uma trovoada, um raio, boom....e lá se foi meu modem....
Estou aqui no irmãozinho dando um alô pra vocês. Eu volto...
Achei coisas de Clarice Lispector que se propagaram feito bolhas, ondas, num lago estagnado e pacífico.
Lembrei dela, de seus olhos azuis.
Ganhei uma mandala, um sol, doze raios, um pentagrama no meio. Duas luas cercam a estrela.
Presente que foi posto na prosperidade seguindo os costumes chineses. Chegou pelo correio, de sopetão. Coisas que só os amigos fazem...afagos, carinhos, cuidados. Coisa boa ser querida pelos que queremos.
por hoje é só, to correndo contra o tempo.
beijos, vejo vocês logo...

terça-feira, janeiro 22, 2002

Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à
nossa própria imagem e semelhança e vestir-se com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores sem preconceito nem pudor.

Mário Quintana

domingo, janeiro 20, 2002

Engraçado como o poder de uma frase, palavra, pensamento pode fincar na cabeça da gente feito estaca em coração de vampiro. Eu explico de onde vem isso. Estava lendo sobre Hilda Hilst, poeta, ficcionista e dramaturga paulista, rotulada pelos críticos com rançosas definições: provocadora, pornográfica, esquizofrênica, obscena. Agora essa aura maldita é democratizada com a publicação de toda a sua obra pela Editora Globo.
Já tinha ouvido falar dela pelos dedos de Falabella às quintas. E, imediatamente ao me deparar com uma enorme entrevista em ping-pong, não pude resistir e sucumbi aos apelos dessa septuagenária com alma de menina. E a última frase que encerra a matéria fala de Deus. O que acaba sempre sendo um assunto a mim necessário, com as devidas interrogações em proporções geométricas que o assunto desperta. Ela diz:
‘Durante quase a totalidade do meu trabalho, mas principalmente em “Qadós”, eu procuro o nome de Deus: Tríplice Acrobata, Cara Cavada, O Isso, O Cego, Cão de Pedra, Porco-Menino, Sumidouro, Grande Corpo Rajado, Haydum e muitos outros. E citando-me a mim mesma, em “Com meus olhos de cão”: Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso’.
O que seria então esse deus invernal em superfície salivar? Um iceberg flutuante num mar de bocas gargalhantes, em dentes brancos, amarelos, dentuços, podres, faltando o vizinho? Que festival de gengivas, línguas e hálitos.
Essa mesma sensação encontrei em Pessoa, em um de seus heterônimos e que não sei qual é. Li e não registrei. Coisas que acabam passando batidas quando tenho que usar a referência. É aquilo de reter o que é importante, enquanto a fonte nem sempre o é. Ossos do ofício que absorve de tudo um pouco, mas na essência pouco se sabe com profundidade e propriedade esperadas. Nós enganamos bem e as pessoas sempre saem com a sensação de que sabemos tudo de tudo. Bazófia.
Então, ‘uma superfície de gelo ancorada no riso’, de Hilda, está para o ‘estala coração pintado de vidro’, de Pessoa. São visões que me mantém a deriva da sanidade e permitem que eu explore um pouco do devaneio púrpura que vêm do trígono em Netuno, aliás, o único aspecto de água no meu mapa. Nesse coração do poeta, vejo um imenso pedaço de vidro, transparente,azulado, e ao menor toque, ao peteleco do dedo médio, ele tini, ecoando por um enorme salão vazio e infindo. Não vejo saída e nem portas. Só o som propagando-se, um OM coronário lançado no ar formando milhões de ondas....
Não pude deixar de recolher mais uma percepção particular da vida, da experiência, do isolamento que acabou produzindo tantos frutos necessários na vida de Hilda. Muitas vezes me pergunto por que determinadas pessoas não têm critério, amam a todos da mesma maneira. Como pode ser isso?Acho que nunca vou entender esse ‘abraçar a todo mundo’ com naturalidade. Pinço almas que comungam comigo dentro de aspectos puros, descabidos de interesse. Por isso vibram no mesmo diapasão, na mesma sintonia. É o sorriso aparecer e subitamente um bem querer primitivo reacender, sem explicação física, sem lógica. São as tais molduras que só os afins possuem.
Outro dia estava lendo a moça de olhos azuis, em suas expressões letradas, e dizia que tem momentos que acordamos e as coisas que eram importantes deixam de ser. Também tenho dias assim, de total descaso. E aquilo que era imprescindível parece largado numa gaveta. E isso acaba sendo transferido também para as pessoas. Quantas lágrimas verti por alguém e hoje nem entendo o por quê do tamanho do sofrimento? O que é importante afinal? Em que etapa da vida algo se torna fundamental para nós?
Misturando aspectos catárticos, espirituais, quânticos em sua obra, Hilda ensina o ritual que a mim calou fundo e vou deixar aqui para vocês refletirem nessa madrugada escura de segunda, onde as nuvens disputam, em vantagem, o espaço entre as estrelas:
‘E os versos fazem parte da poesia onde eu falo de potlach, ou “o poder do perder”. É um ritual de algumas tribos que em certas datas especiais destroem seus objetos mais preciosos nas fronteiras de seu território. Ao demonstrar que não têm medo de perder o que têm de mais valioso, ostentam uma coragem que eles acreditam ser capaz de intimidar seus inimigos. E eu me sinto uma escritora bendita, graças a Deus. E meu charme maior foi sempre ter sido livre. Para viver e escrever’.

sábado, janeiro 19, 2002

Chegou do trabalho cansado, jogou os sapatos no canto do quarto, retirou a roupa suada por um dia de calor e deixou a água correr pelo corpo. Secou-se com a toalha e deu uma última olhada displicente para seu rosto abatido no espelho.
Quando se deitou, percebeu que sua esposa já respirava profundamente, indicando que já dormia a algum tempo. Pensou em ligar a TV, mas vendo como estava exausto, decidiu-se por dormir. Seus pensamentos começaram a correr entre os 1000 assuntos diários... pagar a conta de Luz, o colégio das crianças, chamar a atenção do funcionário que falhou...

Dormiu. Um sono pesado e sem sonhos nas primeiras horas.

Subitamente abriu seus olhos. Não estava mais em seu quarto, nem deitado em sua cama. Estava defronte a um templo.
O templo se estendia até onde à vista podia alcançar para ambos os lados de uma grande porta de Ferro que, apesar de enferrujada, demonstrava a importância do que se escondia dentro do edifício. No meio da porta, uma fechadura e uma chave pendurada.

Por impulso estendeu a mão e tocou a chave. A figura de uma leoa alada surgiu diante de si e urrou:

Aquele que deseja adentrar o templo do conhecimento precisa desvendar seus mistérios! Leia a chave!

Ele olhou para chave em sua mão e leu:

SABER

Sentiu-se tranqüilo, afinal, tivera estudado toda a sua vida para ser um sábio. Sabia mistérios de vida e morte. Mistérios Naturais que escondiam-se a maioria das pessoas. Seria fácil comprovar isso.

A esfinge olhou e gargalhou dizendo:

Achas que sabes muito? Feliz é aquele que compreende que a sabedoria está em si próprio.

Foi então que ele parou. Descobriu o quanto de ilusão seu orgulho era capaz de impregna-lo. Lembrou-se da natureza sábia que ensina que aquele que se conhece é capaz de conhecer o TODO. Começou a definir o SABER para a esfinge:

O Saber é compreender-se por completo. É entender que temos várias facetas desse mesmo ser chamado EU. É compreender que somos muitos em um só. Somos como nos vemos no espelho (lembrou-se das experiências de auto-conhecimento defronte a esse instrumento), como nossos pais nos vêem, como nossas relações amorosas, nossos filhos, amigos, chefes e funcionários, enfim como somos vistos nos diversos meios que nos cercam. A partir desse conhecimento ou reconhecimento, temos de procurar nos adaptar da melhor forma possível a que todos esses reflexos sejam extremamente parecidos. Para isso, é necessário conhecermos nossas habilidades, fraquezas, paixões e mágoas. Como seria possível tentarmos conhecer o UNIVERSO que nos cerca, quando nem ao menos conhecemos a nós mesmos? O Saber é o primeiro conhecimento necessário, sem ele, jamais poderemos compreender os mistérios que cercam a nós e a nossos semelhantes.

A Esfinge sorriu, arreganhando os dentes de satisfação e deu passagem. Ele imediatamente abriu a fechadura da primeira porta, símbolo do ferro que nos prende dentro de uma imagem falsa de individualidade. Entrou num salão muito pouco iluminado.

Ao final do salão, viu uma Luz no final de um túnel. Dirigiu-se a ele. Deparou-se com uma porta feita de fogo. Grandes labaredas impediam que se vise o que havia do outro lado. No meio da porta, mais uma vez uma fechadura e mais uma vez uma chave pendia na parede ao seu lado direito.
Pegou a chave e quando se dirigia para abrir a porta, as chamas cresceram, quase engolindo sua mão. Ele recuou.... Foi quando ouviu a gargalhada:

Mais uma vez será necessário que decifres a chave que está em suas mãos!

Era mais uma esfinge. Só que dessa vez era vermelha, da cor do fogo que impedia sua passagem. Ele leu mais uma vez o que havia escrito na chave:

OUSAR

Lembrou-se do que era a intenção magicka. Que de nada valia seus feitiços e rituais se não acreditasse no sucesso dos mesmos. Lembrou-se do que tinha aprendido:

Nada é impossível!

Começou a pensar mais uma vez no auto-conhecimento. Nascemos todos fadados a Morrer. Devemos morrer várias mortes em vida, até que a derradeira morte leve-nos do corpo físico para nossa terra do verão. Se nascemos como com uma doença incurável e fadados a perecer, devemos viver intensamente cada segundo como se o fosse o instante fatal. Crer em nossas realizações e construções. Ousar sermos sempre maiores e melhores. Fortalecer nossa intenção mágicka, instrumento indispensável para que a Magia da vida se manifeste. Os medos são impeditivos do crescimento. São como grilhões que nos aprisionam a existências dogmáticas e pueris.

Estendeu a mão com firmeza e, quando as chamas a engoliram, ele OUSAVA. Não tinha mais medo das chamas. E elas não o queimaram.

Atravessou a segunda porta. O Fogo era o Símbolo que nos queima de remorsos em não OUSAR.
Do outro lado, um Jardim florido. Um caminho de pedras levava até uma clareira e, no meio dessa clareira, a terceira porta.
A porta era um entrelaçado de raízes e plantas trepadeiras. Por mais que tentasse enxergar adiante, as folhas se fechavam, não permitindo a visão mais uma vez. Pendendo de um galho, lá estava a chave e ao lado dela a terceira esfinge. Verde, com folhas no lugar da pelagem. Seus olhos eram como duas folhas verdes em plena primavera. Ela disse:

Já sabes que terás que decifrar a chave para passar. Pois mãos à obra.

Pegou a chave e leu:

QUERER

Querer era a própria intenção mágicka, fortalecida pelo OUSAR e possível graças ao SABER. Riu para si mesmo. Não importava o porque estava ali. Nem o que iria encontrar ao final da sua jornada. Apenas sabia que, se ali estava, era onde deveria.
Lembrou-se das épocas de aprendizagem onde tudo, absolutamente tudo era desconhecido e, por isso mesmo, impossível. De quando sua Intenção, ainda não fundamentada, de nada lhe servia. Começou a tentar descobrir quando tinha começado a QUERER.QUERER incondicionalmente. QUERER com todo seu espírito. QUERER mais do que tudo em sua vida.
Descobriu-se novamente diante da assembléia de bruxos e bruxas de sua tradição.Era mais uma vez sua iniciação. Vendado, semi-amarrado, ouvindo vozes e proclamas estranhos a ele que apenas tinha conhecimento intelectual dos rituais de iniciação. O tempo passava, juramentos eram feitos... mas o maior de todos os juramento foi feito quando a ele se deu a LUZ. Encarando a assembléia de bruxos, descobriu que realmente era o que queria. Que nada lhe seria impossível. Que a Natureza desejava ser compreendida. Desse dia em diante, nada mais lhe foi impossível. Ele abriu os olhos, olhou para a esfinge que o encarava com curiosidade... Jogou a chave fora, tão longe no meio do mato, que seria impossível encontra-la mesmo que assim se desejasse. Andou para a porta e ordenou:

Deixe-me passar, pois assim eu QUERO!

A porta se desfez, galhos e raízes se contorciam retornando ao seio da terra. O Símbolo dos impeditivos que não nos permitem florecer e crescer em intenção voltavam a mãe de todos.E a porta já não mais existia.

Além da porta, um quarto de vidro. O próprio som dos seus passos soava de forma estridente, amplificados pelo vidro do chão, das paredes, do teto. Em volta do Vidro nada se via, como se uma noite sem lua ou estrelas se fizesse do outro lado daquelas paredes.
Onde estaria a porta dessa vez? Concentrou-se em seus sentidos. Buscou a porta com olhos, ouvidos, com o tato... finalmente encontrou-a em um canto da sala. Pendendo próximo à fechadura, lá estava a quarta chave. Do outro lado da parede, uma esfinge branca, assim como a neve o observava. Sua bocarra movia-se como se falando, mas nada, nada se ouvia do lado de dentro da sala.
Como já conhecia a rotina, ele observou a escritura na Chave:

CALAR

Pensou no sentido do CALAR. Claro, manter a boca fechada sobre as práticas e costumes de sua doutrina!
Nesse momento, assim como um clarão dentro de sua cabeça surgiu à explicação que contrariava tudo o que achava que sabia sobre o CALAR. Os Deuses tinham dotado os Seres humanos de 2 olhos, 2 narinas, dois ouvidos, 2 mãos, vários dedos... e apenas 1 boca.
O CALAR já não significava o sigilo. Significava agora para ele que, o silêncio era necessário para que pudesse sim OUVIR, TATEAR, VER, compreender e sentir a magia. Isso só é possível CALANDO. Normalmente quando se fala, raramente se escuta o que está à volta. Dificilmente escuta-se inclusive a própria oratória. CALAR era fundamental para permitir aos demais sentidos a compreensão da magia. CALAR permitia o SABER, que fomentava o OUSAR, que só era possível através do QUERER.CALAR para aprender. CALAR para que algum dia pudesse ensinar. CALAR para permitir à NATUREZA que eram os próprios deuses se manifestassem. Não mais o CALAR egoísta de guardar a sete chaves seus conhecimentos, mas o de se permitir a reconhecer os que mereciam OUVIR. CALAR para aprender... CALAR para ensinar.

E ele se CALOU.

As batidas de seu coração foram crescendo de intensidade. A vibração de seu órgão, intensificada pela acústica do vidro começou a vibrar nas paredes. A porta começou a rachar-se. Quebrou-se em milhares de pedaços e uma luz brilhante surgiu.
Estavam estilhaçadas as barreiras surdas que impediam-no de OUVIR.

Atravessou a porta. Não havia mais portas. Apenas um objeto coberto com um pano negro no final da sala.
Ele se aproximou e levantou o pano. Por de trás do pano, um Espelho refletia sua imagem e tudo mais que fazia parte de seu UNIVERSO agora. No umbral desse espelho lia-se:

CONHECE A TI MESMO!

Ele olhou para o espelho com um sorriso nos lábios.Depois de mais essa viagem, sem dúvidas que ele conhecia a si mesmo. Muito mais que no início da mesma.

Acordou. Levantou da cama, já era dia. Entrou no banheiro e se olhou no espelho.

Agora ele já podia se ver por completo.

Fabiano Jacob

Fiz o teste do Senhor dos Anéis, por que sou viciada neles. E deu Elfos, assim como minha amiga do Udigrudi.
Colo, abaixo, o resumo para quem não teve tempo de ler.
Elfos são imortais. Quer dizer, eles podem ser imortais. Eles nunca ficam doentes, nem envelhecem. Mas duas coisas podem causar a sua morte: assassinato e tristeza.
Mesmo sabendo que os inimigos podem lhes tirar a vida, são valentes, guerreiros. Os elfos não lutam se atracando com o inimigo. Preferem um ataque preciso no ponto frágil dele com suas espadas e flechas. São extremamente habilidosos em armas e lutas.
São vaidosos consigo mesmos e com suas terras. Se vestem com asseio, cuidam dos cabelos e constroem belos castelos, próximos a belas paisagens como vales, morros e cachoeiras.
A natureza, aliás, é aspecto muito importante para os elfos. Eles não são apenas seres próximos à natureza. Fazem parte dela e se integram perfeitamente a ela com seu canto.

sexta-feira, janeiro 18, 2002

Ele caminhava pelo início da estrada solitária de seu destino, uma estrada reta e sem maiores dificuldades até onde a vista podia alcançar. Num determinado momento, perdido em seus pensamentos ele avistou uma figura feminina, pequena mas de alguma forma sensual em sua totalidade.

A jovem trajava um manto azul celeste coberto das mais belas pedras preciosas que ele já tinha visto, nem em seus sonhos mais belos ele deparara-se com tamanha riqueza e beleza. No topo da cabeça, segurando um véu branco, uma tiara de prata com uma imagem brilhante da lua crescente.

Ele parou defronte a aparição e perguntou:

-Quem sois senhorita da mais pura beleza?

Ela lhe respondeu:

-Levanta meu véu e descubra!

E ele o fez, ao levantar o véu deparou-se com a verdade que não podia ser corrompida. Teve as visões do princípio de tudo. Acalmou-se com a pureza do início da tarde, quando o sol enfraquecido mal projeta nossa sombra no caminho. Sentiu a felicidade de conhecer a Noiva sagrada, o altar dos sacrifícios. Vislumbrou a pureza das matas inexploradas, das águas não navegadas, do infinito desconhecido do Universo. Quando se deu conta do êxtase que sentia, descobriu-se de olhos cerrados... Ao abri-los, buscando conhecer as feições da Donzela à sua frente... Ela já tinha desaparecido.

Repleto de amor por tudo o que o Universo tem de desconhecido, que para ele eram novas visões, ele continuou em seu caminho. Aproveitou para se lembrar de sua juventude. Como tudo era belo, sem responsabilidades, sem cobranças, mas também... sem os conhecimentos necessários.

Numa das subidas da estrada, um dos morros de seu caminho, bem lá no alto, ele deparou-se com a segunda visão. Seu coração disparou na promessa de rever sua agora amada misteriosa e ele começou a correr ao encontro da visão.

Já era noite então. Apenas o brilho da Lua Cheia e das estrelas brilhantes permitiam que ele distinguisse a imagem no alto de sua subida do morro. Ao se aproximar, ele começa a descobrir diferenças. O manto não mais era azul celeste, mas de um verde, da cor dos oceanos mais límpidos que já tivera o prazer de conhecer. Adornando o manto, estrelas marinhas, conchas, pequenos cavalos marinhos cor de prata que brilhavam à luz da Lua. No alto da cabeça, mais uma vez uma tiara mantinha um véu cor de estrelas, brilhante, e nessa tiara, incrustada a imagem da lua cheia, perfeita em sua plenitude.
Só o que conseguia vislumbrar por aquele véu eram os olhos. Olhos negros, da cor do negro mais negro das noites escuras.

Mais uma vez ele se aproximou e perguntou:

-Quem sois bela e distante senhora?

Mais uma vez ouviu o desafio:

-Levanta meu véu e descubra!

Foi o que fez.

Mais uma vez as visões começaram a inundá-lo. Viu a criação da vida nas antigas eras. Deparou-se com o primeiro animal saindo das águas e vindo à terra firma. Acompanhou a jornada de milhões de espermatozóides na frenética busca de um óvulo à fecundar, fecundou! Viu o embrião crescer, e sem a menor compreensão, se tornou esse feto sendo expulso do quente e confortável ventre materno. Ele também foi a semente, escondida no útero da terra que, começa a mutar, eclodir, crescer...

Sentiu saudades da mãe, das mães, e chorou!
Chorou copiosamente, na certeza de que ele também era parte da criação. Que tinha seu papel na teia que formava o TODO. Que também ele, por vir da mãe, era parte da mãe. Sentiu-se na noite escura, na qual, sobre a luz da lua cheia podia vislumbrar sua sombra, mesmo que ainda difusa, já que a luminosidade prateada desta lua trazia ainda um conforto materno do qual a muito tinha se esquecido.

Limpou suas lágrimas e ao desanuviar os olhos marejados na tentativa de ver a face da Senhora... Ela se tinha ido!

Sentou-se a beira do caminho para pensar. Depois das duas aparições repentinas que tinha tido contato, não sentia mais vontade de continuar sua jornada. Queria imortalizar aqueles momentos. Sentia todo amor que seu espírito podia sentir pelos criadores e suas criaturas. Pelas mães e filhos!

Mas seu caminho ainda era longo e ele sabia que não poderia parar até chegar ao final daquela estrada.
Levantou-se, respirou profundamente e continuou sua jornada.

Ao descer o morro, estranhou a repentina escuridão.. Uma tênue luz iluminava seu caminho, agora tortuoso. Olhou para o céu, buscando talvez a nuvem que poderia ter encoberto a luz da lua cheia. Deparou-se com um fino traço de Lua... uma minguante. Não conseguia entender o que se dava com a Lua naquela noite. Ao olhar para o chão, vislumbrou sua sombra, majestosa, estendendo-se bem maior que seu próprio corpo e acompanhou-a tentando visualizar seu fim. Foi quando, no final da sombra, se encontrava uma velha.

A velha estava vestida com uma túnica negra, toda decorada com pequenos ossos de prata. A veste era tão negra quanto sua própria sombra. Mais uma vez, no alto da cabeça coberta por um véu, que não permitia a menor visualização do brilho de possíveis olhos por detrás, uma tiara portava a imagem em prata do filete representativo da minguante.

A senhora, curvada pelo peso da idade, ou do conhecimento que cultivara com a mesma, agarrou seu braço com firmeza. Ele vislumbrou dedos carcomidos pela idade, quase ossos, mas a pressão sobre seu braço era insuportável, dolorosa.

-Que queres de mim anciã?

Ela respondeu com uma voz que parecia sair de todos os lados:

-Levanta meu véu e descubra!

E ele, sem entender o motivo do medo que se abatia sobre seu espírito, trêmulo obedeceu.

Pela terceira vez naquela noite, foi invadido de visões. E ele viu tudo o que lhe faltava. Viu sua sabedoria crescendo, seus amigos e entes queridos morrendo, viu a velhice. Transformou-se no elefante que, pela idade avançada procurava um bom local para morrer. Ele sabia tudo, conhecia todos, era repleto da sabedoria universal. Por último, encontrando o bom local para morrer, ele morreu.

Sobressaltado ele abriu os olhos.

O dia raiava, o Sol começava sua trajetória no azul celeste.

Ainda tonto pelas últimas visões que tivera, apurou a visão e vislumbrou o final da estrada. Sem pensar em mais nada, disparou numa frenética corrida ao final da mesma.

Chegando a seu destino, sentou-se. Mais uma vez vislumbrou em sua mente todas as 3 experiências que tivera naquela noite.
Levantou-se, virou-se para trás e no alto do morro vislumbrou as 3 mulheres de mãos dadas olhando em sua direção. De alguma forma ele sabia que as 3 eram 1 só. E também agora, tinha a certeza de que sua estrada não era tão solitária assim.

Limpou a poeira de suas calças, tomou uma respiração profunda e descobriu um novo caminho ao final do primeiro.

Sorriu e pôs-se a andar seguro de seus passos.

Fabiano Jacob
Só hoje li o comentário dela, um delírio de Manoel de Barros, então fica aqui o registro, dessa cumplicidade:

"No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia, que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio"


quinta-feira, janeiro 17, 2002

Se eu fosse contar todas as estórias malucas que já me aconteceram na vida, daria um ótimo romance, um folhetim completamente nonsense. Talvez, por que tenho essa alma liberta, que vive o presente e não fica pensando no futuro. Acho que a leveza acaba me conduzindo a situações inusitadas, como a que ocorreu hoje. Enquanto esperava o metrô para ir pro centro, um homem moreno, alto, magro, olhos escuros, trajando calça social e blusa de mangas compridas dobradas, parou ao meu lado e perguntou:
- Por favor, você poderia me dar uma informação?
- Lógico, eu respondi.
- Você sabe me dizer se estou no lado certo para ir para a Carioca?
- Está sim, do outro lado você segue para Copacabana.
- Ah, que bom, é por que não sou daqui.
(nisso eu já tinha percebido pelo sotaque do sujeito. Mas, não sei porque cargas d’água achei que o gajo era argentino. Talvez, porque ele falasse algumas palavras em espanhol.)
- Eu, percebi, disse a ele.
- Você trabalha? Estuda? ele, perguntou.
- Sim, trabalho. respondi
Nisso o metrô chegou e entrei. Sentei na janela e ele sentou ao meu lado.
- Você trabalha em quê?
- Sou jornalista.
- E trabalha pra que jornal?
- Não trabalho em jornal, trabalho para uma agência de notícias.
- E você mora aqui no Rio?
- Não, moro em Petrópolis.
- E tem filhos?
- Não, não tenho filhos.
- É casada?
- Não, não sou casada. Mas, tenho namorado. Estou vindo da casa dele.
- Ah sim, eu sou divorciado. Moro no Leme, em Copacabana.
- Sei, sei onde é, eu respondi.
- Sou egípcio, ele disse.
- Eu sorri e disse: legal!
- Trabalho no Consulado do Egito, aqui em Botafogo, sou vice-cônsul.
(Nisso me deu uma vontade enorme de rir e pensei: era só o que me faltava. Vou dizer pra ele que sou a Rainha de Sabá)
Ele me ofereceu um drops de hortelã. Eu recusei. Ele insistiu e disse que tinha muitos. Daí eu resolvi aceitar, mas guardei na mochila.
(Pensei: sei lá o que tem nessas balas, melhor eu guardar. Vai ver que dentro do drops tem drogas ou um sonífero qualquer. Quando eu descer eu jogo fora a bala.)
- Meu nome é Latiff, ele se apresentou.
(Falei com meus botões: esse cara tá a fim de me zoar. O nome dele é quase igual ao da personagem da Letícia Sabatella no O Clone, Latiffa. Era só o que me faltava... Deu vontade de dizer pra ele: eu me chamo Jade, prazer!)
- O meu é Ana Lucia.
- Ana Lucia?
- É, Ana Lucia.
- Ana Lucia você quer ser minha amiga?
- Mas nós já não somos amigos, não estamos conversando aqui?
- Sim, somos. Mas, se eu te der meu telefone você liga pra mim?
- Mas, pra que? eu indaguei
- Pra gente sair, conversar.
- Mas, eu tenho namorado.
- Você não tem nenhuma amiga solteira assim como você?
- Tenho. Mas, eu não acredito que no Rio de Janeiro você esteja sozinho.
- É difícil encontrar alguém que combine, ele retrucou.
Ele puxou uma carteira com vários cartões e me entregou um.
- Se tiver uma amiga como você, me apresenta?
- Estou indo pra Petrópolis.
- E quando volta ao Rio?
- Na outra semana, provavelmente.
- Então me telefone, ok?
(próxima estação Cinelândia, a voz de Ana Flores pelo autofalante avisava)
- É a sua estação.
- É, mesmo. To indo, tchau.
Antes disso eu peguei o livro que estava no meu colo e mostrei a capa a ele: Semíramis, Rainha da Assíria, de Babilônia, da Súmer e Akad. A capa mostra a figura de uma mulher trajando vestes de rainha: coroa na cabeça; vestido carmim de um ombro só e com um rasgo no lado esquerdo; jóias adornando o pescoço, o braço e o pulso; além de uma sandália estilizada, lembrando aquelas antigas usadas pelos romanos, também cheia de pedrarias.
- Engraçado, neh? eu, sorri.
Ele sorriu de volta e despediu-se com um tchau, mirando a capa do livro.


Olhando o cartão dizia o nome todo do sujeito, embaixo escrito vice-cônsul, o endereço do consulado e o símbolo, o dragão.
Ainda assim, desconfiada, continuei pensando na situação: E se ele fosse um vendedor de escravas brancas? Já pensou eu sendo mais uma num harém?
Lembrei das brasileiras que vão para a Espanha com promessas mirabolantes de emprego e acabam sendo prostituídas. Os passaportes roubados e elas impossibilitadas de saírem do país. Um sofrimento, estórias horripilantes dessas garotas.
Também recordei da Marilia contando quando esteve no Egito aquele monte de homens gosmentos querendo tocá-la, encantados com a cor branca dela e os cabelos dourados. Queriam porque queriam trocá-la por camelos. Chegaram a fazer ofertas ao marido dela, como se estivesse à venda. Imagina, eu que estou com loiro avermelhado nos cabelos o que não provocaria nesses melequentos do Cairo. Desconjuro pé de pato mangalô três vezes! toc! toc! toc!Saravá!


As áreas de experiência mais interessantes e importantes para nós são exatamente aquelas às quais estamos resistindo, as que estamos evitando, pois são elas que faltam à nossa consciência e nos impedem de sermos ‘saudáveis’. Só podem nos perturbar os princípios que forem capazes de nos atingir ‘de fora’, pela razão de não os termos podido integrar ‘dentro de nós’.
Neste ponto deve estar claro que, na realidade, não existe um meio ambiente que nos modela, nos influencia, nos faz ficar doentes: ao contrário, o mundo ‘exterior’ serve como um espelho em que tudo o que vemos somos nós mesmos, especialmente a nossa sombra, para a qual, não fosse isso, estaríamos interiormente cegos. Acontece com a nossa psique, para a qual somos parcialmente cegos, pois só podemos captar sua parte que nos é invisível (a sombra) através de sua projeção ou reflexo no ambiente denominado ‘mundo exterior’. O reconhecimento depende, em suma, da polaridade.
Nossa sombra nos infunde medo. Isso não deve causar surpresa, pois na verdade ela consiste em todos aqueles aspectos da realidade que afastamos o mais possível de nós, que menos desejamos viver ou até mesmo descobrir que existem em nosso íntimo. A sombra é tudo aquilo que estamos profundamente convencidos ser necessário expurgar do mundo para que este seja bom e íntegro. No entanto, acontece justamente o contrário: a sombra contém tudo aquilo que o mundo, o nosso mundo, mais precisa para sua salvação e cura. É a sombra que nos torna doentes, portanto, não saudáveis, porque ela é a única coisa que está faltando para nosso bem-estar.
O tema da lenda do Graal é exatamente este.
O rei Anfortas está doente – ele foi ferido pela espada do amigo negro Klingsor, ou, em outras versões, por um pagão ou até mesmo por um adversário invisível. Todos esses personagens são símbolos evidentes da sombra de Anfortas – seu oponente invisível aos próprios olhos. É sua sombra que o fere, e por si mesmo ele é incapaz de se curar, pois não ousa tentar descobrir a verdadeira causa de seu ferimento. A pergunta imprescindível seria ele questionar-se quanto à natureza de seu mal. Como não está preparado para travar essa luta, o seu ferimento não pode sarar. Ele espera um salvador que tenha a coragem de fazer a pergunta curativa. Parsifal tem a disposição para esta tarefa, pois como o seu nome diz, atravessa a polaridade bem/mal e, desta forma, conquista o direito legítimo de fazer a pergunta salvadora, a pergunta que cura: ‘O que lhe falta, meu tio?’ A resposta é sempre a mesma, tanto no caso de Anfortas como no de qualquer paciente: ‘A sombra!’. Também em nosso caso pessoal, a mera formulação da pergunta acerca do âmbito escuro do ser humano já tem um efeito curativo. Em seu caminho, Parsifal confrontou com coragem sua sombra e desceu às profundezas de sua alma, até maldizer Deus. Quem não temer esse caminho através das trevas finalmente se tornará um autêntico curador, um salvador. Todos os heróis míticos precisavam lutar com monstros, dragões e demônios, inclusive até com o próprio inferno, caso quisessem tornar-se sãos e curadores.
A sombra nos deixa doentes, o encontro com a sombra nos faz sarar!Essa é a chave para entendermos a doença e a cura. Todo sintoma é um aspecto da sombra que se precipitou para o corpo físico. É no sintoma que se manifesta aquilo que nos falta. É no sintoma que o homem vive aquilo de que não quis tomar consciência. O sintoma usa o corpo como um instrumento para fazer a pessoa tonar-se outra vez um todo. Trata-se do Princípio da Complementação que cuida para que, em última análise, não se perca a totalidade. Se uma pessoa se recusa a viver um princípio em sua consciência, esse princípio desce para o nível do corpo e aparece então como sintoma. Dessa maneira, a pessoa é obrigada a viver e, a despeito de tudo, a manifestar o próprio princípio que rejeitou. É assim que o sintoma providencia a totalidade do indivíduo, ele é o substituto físico do que falta à alma.
(autor desconhecido)

terça-feira, janeiro 15, 2002

Dia atípico e repleto de nostalgia. Um luau com Cássia, a presença de Nando, uma praia de águas verdes, um sol daqueles de verão. Alguém perguntou a ela sobre o que sentia com Cazuza e suas canções. Ela respondeu que desde o dia que o viu, que o ouviu, quis ser ele. E que música estava ligada ao prazer, ao prazer de uma melodia, uma harmonia, um trechinho, uma frase. Ao ouvir o que lhe tocava a alma, saía cantando, muitas vezes sem pedir licença, como cansou de fazer com Nando.
Saí de casa e fui assistir a uma apresentação de música ibérica, passando por vários séculos, dos cancioneiros portugueses e espanhóis até chegar à modinhas como Lua Branca, de Chiquinha Gonzaga. Uma soprano de nome Clarice, que também fazia o papel de percursionista, dava o toque medieval ao espetáculo. Ouvimos instrumentos raros como a guitarra barroca, o alaúde, a viola da gamba, guitarra renascentista e uma meia dúzia de flautas diferentes. Resumindo eram magníficos músicos, instrumentistas, contando-nos estórias de amor. Alguém que amou alguém, sofreu, e pensou que morreria de amor. Obras desconhecidas, versos de gente que se salvou de incêndio e sobrevive ainda hoje em bibliotecas lisboetas. Pesquisa minuciosa e elaborada, som que remete a algumas das nossas muitas vidas, lógico, pra quem acredita nelas, na imortalidade do espírito.
Não resisti e comprei o Cd. No escuro, tendo em vista que o disco foi feito para os 500 anos de descobrimento. Uma beleza que ficou lacrada até chegar em casa. Nesse exato momento um incenso almiscarado entra pelas narinas, juntamente com a brisa que vêm pela janela, balançando a renda cortinada branca, provocando um arrepio súbito. Não poderia ter feito melhor escolha ditada pelo impulso. Começamos pelo século XIII, com o cancioneiro português, Martin Codax; logo depois aportamos no século XVI, contrapondo Luis Milan e o espanhol Diego Ortiz; em seguida estacionamos nos séculos XVII e XVIII com obras portuguesas e da terra brasilis; e por último o século XIX com lundus e modinhas brasileiros.
Saímos da apresentação e fomos jantar. Dia de comemoração. Dia de brindar os cinco anos. Comida japa, iguarias, romance, beleza.
Boa noite, durmo feliz.



segunda-feira, janeiro 14, 2002

A imagem do horizonte ilimitado acaba provocando a sensação de pequenez. Vejo-me perambulando por um lugar repleto de dunas, onde os pés mergulham na infinidade de grãos e parecem impossibilitados de avançar com rapidez. A densidade arenosa cria o bloqueio, mas acaba sendo a visão perfeita de quão grande é esse corpo terrestre. Pegadas largadas, logo apagadas pelo vento, sinalizando nossa trajetória humana..
Certa vez num livro o autor descrevia a sensação diante do deserto. Estava em Mojave, à procura do espírito guardião. Caminhava a esmo esperando o 'chamado'. E quanto mais avançava, mais adensava naquele conglomerado feito de minerais que não excedem a dois milímetros. O sol estava a pino, indicando que o calor era mesmo insuportável, beirando aos famigerados quarenta graus. E à medida que seguia, ia sentindo uma vontade súbita de tirar a roupa, como num tradicional ritual wicca. Conforme ia avançando, um pedaço do vestuário ia sendo abandonado e quando se deu conta estava completamente nu. A vontade de deitar-se nas dunas foi irresistível e assim ele o fez. Perdeu a noção de tempo, de perigo, tamanha era a paz que o circundava. Se não tivesse sido um viajante, teria morrido naquela hora, naquele lugar, engolido pelo deserto.
A areia me leva a uma situação antiga. Quando menina, minha mãe nos pegava pelas mãos e nos levava à praia a alguns passos de nossa casa, em Ibicuí. Da varanda víamos aquela massa marítima, pertinho, e as ondas acabavam por embalar nosso sono. Era um passeio habitual em nossas férias, quando acompanhávamos os arrastões, a chegada de peixes que iam ser vendidos no dia seguinte. Ela cantava uma música que dizia assim:

'Um pequenino grão de areia,
que era um pobre sonhador.
Olhou pro céu viu uma estrela,
Imaginou coisas de amor.
Passaram anos, muitos anos,
Ela no céu, ele no mar.
Dizem que nunca o pobrezinho,
Pôde com ela se encontrar.
Se houve ou se não houve alguma coisa entre eles dois,
Ninguém sabe até hoje explicar.
Só se sabe que mais tarde, depois muito depois,
Apareceu a estrela do mar'.

Não sei de quem é a música e eu nunca perguntei a ela. Na escuridão da noite, nossos pés tocavam a água gelada, afundando na areia. Olhávamos para o céu - aquele de brigadeiro - e víamos estrelas cadentes, enquanto ela apontava para cima nos mostrando as Três Marias, O Cruzeiro do Sul. Outras vezes, ela caminhava até a grande ponte no final da praia. Lá também era reduto de pesca. Vários homens munidos de molinetes permaneciam horas a fio aguardando o momento de puxar o anzol. Alguém sempre dispunha de um radinho de pilha e uma canção ecoava baixinho sem competir com o som da marola que quebrava à beira-mar. Casais de namorados também faziam parada ali. Amigos discutiam o sentido da vida, do homem, a formação do planeta, das estrelas, da lua. Eu ouvia aquilo tudo e não me dava conta. O que importava naquela hora, naquele instante, era estar ali.
E desde que me entendo por gente vejo essa procura por respostas que aliviem o peso da existência. Contudo, como se diz por aí: o importante não são as respostas, o importante são as perguntas.
‘Toda a Criação existe dentro de você, e tudo o que existe em você também existe na Criação. Não há fronteiras entre você e um objeto que esteja bem perto, assim como não há distância entre você e os objetos que estão muito longe. Todas as coisas, as menores e as maiores, as inferiores e as superiores, estão à sua disposição dentro de você, uma vez que são inatas. Um único átomo contém todos os elementos da Terra. Um único movimento do espírito contém todas as leis da vida. Numa única gota de água encontramos o segredo do oceano sem fim. Acima de tudo, uma única manifestação sua contém todas as formas de manifestação da própria vida’.

Kahlil Gibran

sábado, janeiro 12, 2002

pSil


AL-Chaer



ponto
fin
AL?


silvana guimarães



em ti
rogo
ação

? i ? n ? t ? e ? r ? r ? o ? g ? a ? ç ? ã ? o ?


ponho
te em
ação

.p.o.n.t.u.a.ç.ã.o.


és
cama
ação

! e ! x ! c ! l ! a ! m ! a ! ç ! ã ! o !


AL-Chaer



te
quero
em
pre
posição
te
espero
vir
gula
brasão

,,,

ai

.i.n.t.e.r.j.e.i.ç..ã.o.


silvana guimarães



quero
vir
gula
s
em
pre
posição
de
ter
jeitos

trejeitos

deter
juntos

conjunção

atos
e
jatos
exatos

s
eus

m
eus

m
ais

...

interjeição



AL-Chaer



meu
superlativo
(ai)

aumenta
ativo
(vai)

se
você
me
rela
ativo
(mais)

imperativo

ai
sim

a
s
sim

primitivo


silvana guimarães



te vi
me
rela
ativo

tive
aumenta
ativo

m
eu
superlativo


m
ais

imperativo

ás
sim

primitivo


AL-Chaer



provo
te

profana


prova
me

profeta



profana
me



provoca
me


provo
cante

mente

em

cantos



silvana guimarães



abre
Sil

a-bis-sal

síl
abas


AL-Chaer



abro
AL

bel
i
s
c
a
d
a


silvana guimarães



prova


afeto
te

me
afeta

teimo
te

profeta

tem me
teme
se

profana

antes
vão
se

provo
cantes

tensos
têm-se

se
têm
sós

sentem


AL-Chaer



sente
me

semente

sente
me

trem
e
n
d
o


tem
me

me
tendo

em
mente


silvana guimarães



ausente
me
sente

a
pressa
da
mente

me
pressente

presente

entro
vaga
rosa mente

me
quente

que
rendo
me
rente

atrás
e na
frente

pau
latino
a
mente


AL-Chaer



prende
me

pausa
da
mente

rendo
me

audaz

na
frente
e
atrás

aprendo
me

apreendo
te

ardente
mente

voraz


silvana guimarães



felino



vara

audaz

na frente



atrás

voraz

atroz


feroz


Al-Chaer



um
sheik
me
atiça


me
morde
od
AL
isca


silvana guimarães



me
pede
noite

sheik
das mil e uma
odes

me
pode
dia

me
morde
ord
em
od
AL
isca


AL-Chaer



sexta-feira, janeiro 11, 2002

Peguei o jornal logo que os olhos abriram um pouco mais e na primeira página estava escrito: Essa é a cor do universo – e abaixo um quadradinho verde água. Pulei correndo para a página 30, sem notar o restante das manchetes que dividiam espaço na diagramação. Sim, o universo é verde! A explicação científica pauta-se na combinação da luz de mais de 200 mil galáxias distantes. As luzes captadas, segundo a notícia, mostraram uma predominância de um tom claro de azul – proveniente do grande número de estrelas novas queimando hidrogênio – e de vermelho – procedente da queima de elementos mais pesados nas velhas estrelas vermelhas. O verde cósmico seria a cor detectada pelo olho humano se toda a luz do Cosmos fosse vista combinada de uma vez.
Os cientistas responsáveis pela descoberta ficaram surpresos com o fato da cor encontrada ter sido o verde, tendo em vista que não há estrelas dessa cor. Conforme declaração do astrônomo, Karl Glazebrook, da Universidade Johns Hopkins, a formação das estrelas ocorreu dois milhões de anos depois do Big Bang, quando o Universo era azul devido à grande presença de estrelas novas. Agora, está se tornando esverdeado e deve ficar cada vez mais vermelho, na medida em que as estrelas forem envelhecendo. Para se chegar à cor, os cientistas fizeram uma média dos tons encontrados.
Engraçado porque sempre vi azul. Sim, para mim o azul e sua mansidão espacial sempre estiveram presentes, tantos nos filmes de ficção, como nas fotos tiradas do espaço. Há uma frieza cortante nessa atmosfera azulada. Sempre imagino a galáxia como um grande cemitério de máquinas construídas pelos homens, pelos lixos que vagam à deriva, como algo intangível e frio, completamente diferente do calor que tanto gosto, que me aproxima do Sol. Não agüentaria ficar enclausurada num pedaço de fuselagem, vagando pelo universo, mesmo que o motivo ou a possível descoberta pudesse trazer algo de relevante à humanidade.
No meu papel de parede vê-se um cais. Um imenso lago, esfumaçado de anil. Tenho a nítida sensação que alguém ajudou a melhorar o visual ao dar uma pincelada de água que dissolvesse o padrão conhecido, colorindo o todo nesse matiz. E cortando a placidez, um barco, um único, ancorado. Encima uma chuva amarela, como se tivessem ligado um spot de intensa luz dourada sobre a paisagem pastel. É um dos postais que mais gosto e evoca a paz litorânea com possibilidade de movimento, contrariando a gélida dinâmica que reúne os ares esverdeados do corpo cósmico.


quinta-feira, janeiro 10, 2002

O dia amanheceu claro, brisa fresca, sol convidativo...
As árvores balançam e chega pelas narinas o odor do sonho. Esse aroma é característico, talvez alguma rajada divina dando o ar da graça e transbordando inspiração nessa falta de pressa que me toma.
O sorriso aparece espontaneamente e deixo que ele me leve...enleve...transporte...
Em meio ao cálido deleite, começo novamente uma espécie de retrospectiva com afins. Sinto uma familiaridade incrível com Veneza, mesmo nunca tendo sentido a sua real vibração...contudo, um outro tipo de energia envolveu o diálogo ontem. Um misto de cumplicidade e devaneio, sensualidade e entrega, eximido de frescura e pudor.
Encontro alguém para dividir impressões. E em meio às minhas poucas referências, vejo o outro lado ressoando no mesmo diapasão. Diz que se for não volta mais. Diz que ama com fervor e não pode largar o que o prende em busca desse sonho.
O convido a ir comigo, entregar-se aos desejos da carne. Uso a persuasão e tento arrastá-lo para o Carnaval. Desperto sua libido quase de propósito, desafiando sua rigidez ideológica.
Tento deixá-lo com água na boca e vir dividir máscaras comigo, refugiando-se no anonimato, como num flash de Nin. Vejo-nos camuflados, incógnitas no meio de uma multidão travestida e iluminada por um tempo antigo...um tempo que não existe mais. Roupas cheias de babados, maquiagem pesada, silhuetas caricatas. Ao mesmo tempo a bruma cerca de mistério a paisagem...uma gôndola corta o foco para em seguida eu encontrar alguém que olha fixamente para mim. Será ele mais um desconhecido buscando o mesmo que eu? Será ele, ou talvez ela, alguém que se sentiu atraído por minha face transmutada pelo material que a protege?
Um cortejo de cordas interrompe minhas divagações e deixo a música cortar aquele elo formidável e estranho que havia se formado por instantes. Onde estávamos? Eu e minha alma companheira, divididos e unidos por ideais e sentimentos semelhantes. Ele sorri e me abraça forte, me dá um amasso gostoso, esmagando meu peito em seu corpo rijo e enxuto. Gargalhamos como se o barulho lá fora não fosse páreo para a sensação que partilhamos nesse instante. Será que temos jeito? Vamos viver a luxúria em toda a sua densidade, ir fundo nos insólitos prazeres que nos povoa o imaginário...vamos nos soltando...abrindo espaço para o inusitado...queremos provar o novo, essa vontade de matar o desejo que se espalha pelo ar. Será que conseguiremos nos saciar? Ou a mente ainda vai construir mais fantasias para serem vividas plenamente? Com ele ao meu lado esqueço a face religiosa e as noções sociais que me foram vendida como verdade. Estamos construindo a nossa realidade, a verdade que bate à porta da quimera nesse momento.
Sinto-me poderosa ao lado dele, mesmo que ele não me deseje. Diz que sou gostosa, fala de chupadas e diz que vai me ensinar truques e artimanhas. Quero aprender com ele. No fundo, no íntimo, é apenas à vontade de mudar o padrão que tanto me agrada, feito criança que deseja um brinquedo. Vejo, às vezes, essa ânsia predadora, pronta ao ataque, como a grande cabeça de aríete a romper os portões dos castelos.
Da mesma forma a doçura envolve meus sentidos, freando meu ímpeto marciano, alegando que devo preservar o que já possuo, tentando me convencer que isso só passa de delírio. Será? Delírio? Verdade?Prazer? Falo outra vez em dominação, em armas bélicas fantásticas.Surge os milhões de apetrechos e perversões. Ainda vou escrever só sobre isso um dia. Um dia...
Ele me puxa pelo braço e me traz novamente à cidade guardada pelo mar de Iemanjá. E sorri. Gera um movimento único ao seu redor, como um chamado, um banquete a ser descoberto...
Ele diz que nossos corpos não se uniriam, que ficaríamos a gargalhar sobre os lençóis de cetim branco, feito duas loucas a despejar todo tipo de delírio que nos sobrasse ainda na alma...se é que sobraria...
Ele vai, despede-se e fico ainda nos imaginando incógnitas perambulando por becos e ruelas, com um bom tinto e taças já usadas entre os dedos, unidos por essa energia ancestral, à magia que nos liga quando trocamos sensações. Às vezes, o acho tão parecido comigo...
Acordo, sentada na rampa do âmago, crio uma forma-pensamento...fomos e voltamos à Veneza e só agora nos demos conta.

quarta-feira, janeiro 09, 2002

Adoro curiosidades, descobertas científicas, explicações pautadas na ciência. Leio e procuro estar sempre ligada no que anda rolando pelo mundo, nos avanços da nossa civilização terrestre. Assino um boletim do fantástico e do extraordinário, de fatos e culturas que normalmente chocam pela discrepância, por valores tão distantes do nosso.
Hoje quero falar de duas formações que provocam nojo na maioria dos seres que conheço. Talvez, eu seja mesmo um caso a parte. Gosto de tudo que sai do meu corpo, tudo. As secreções, os líquidos, o sólido, absolutamente tudo. Quando minha avó ficou doente e perdia constantemente a noção de onde era o banheiro e onde começava a fralda, acompanhei de perto o que acontece com toda a nossa ‘superioridade’ diante da velhice, desse orgulho que as pessoas ostentam pelas ruas, com sua cabeça erguida, em pose de super herói. Tudo isso vai pra cucuia. Não sei se já’contei alguma vez sobre a vó Dinah. Era uma mulher à frente do seu tempo, mandava bem no volante, criou minha mãe sozinha tendo em vista que meu avô morreu quando ela apenas tinha 5 anos. Era secretária executiva da Nova América, uma fábrica reconhecidamente importante na época. Construiu umas cinco ou talvez seis casas, todas as plantas boladas e elaboradas por ela, com acompanhamento de perto de toda a confecção, desde a fundação até a colocação das telhas. Ela era incrível, com sua mente perspicaz, demonstrava uma aparente frieza mas conseguia mostrar o tamanho do seu amor quando fazia algo pela gente, pelos netos. Uma mulher admirável, sem dúvida. Morreu do jeito que contei, sem controlar fezes e urina, meio esclerosada, acreditando que minha mãe era enfermeira e que eu sempre que podia ia visitá-la no hospital(no quarto que ela ficava aqui em casa).
Voltando ao que eu me propus a colar aqui pra vocês, vou pôr a formação da meleca e da remela conforme explicação médica, publicada no Globinho:

Como se faz a meleca no nariz?
A meleca surge depois que o muco, uma secreção produzida no interior do nariz, seca, explica Onivaldo Cervantes, otorrinolaringologista da Universidade Federal de São Paulo. Dentro do nariz existem dezenas de glândulas que produzem diariamente cerca de 400 ml de muco. Normalmente, ele é engolido. Mas, se sua produção está acima do normal(quando se tem gripe, por exemplo), a secreção pode acumular no interior das narinas. Nesse caso, o ar que respiramos, ao entrar pelo nariz, provoca o ressecamento do muco nasal.

Como surge a remela dos olhos?
A remela, que aparece nos olhos assim que acordamos, é formada durante a noite, enquanto dormimos. “Ela é resultado do ressecamento da parte líquida que compõe as lágrimas”, diz Elcio Sato, oftalmologista da Unifesp. A lágrima é formada por duas partes: uma de gordura e outra de substância que ajuda a manter a córnea úmida e lubrificada. Nossos olhos produzem lágrimas constantemente. De dia, quando piscamos, as pálpebras as espalham pela vista. Mas, à noite, as lágrimas se acumulam nos cantos dos olhos. Com o tempo, a parte líquida da lágrima se evapora, enquanto as outras duas se fundem, formando a remela.

terça-feira, janeiro 08, 2002

Tenho que falar no ‘Só as mães são felizes’ escrito por Lucinha Araújo. Eu sei que isso faz tempo, mas sinto que muitas vezes nunca existe essa percepção cronológica quando o assunto é Cazuza. Revivi seus poemas musicados, os secretamente feitos como na despedida da avó, a descoberta da doença, a compulsão que não se calou frente ao HIV. Nem gosto de pôr a sigla em maiúsculas, como fiz aí na outra frase, mas fazer o quê? Diante do imponderável acabamos sendo bonecos, joguetes, mesmo que tentemos constantemente controlar a vida, os batimentos cardíacos. Maktub acaba sendo o que dita nossos próximos passos, as pegadas que deixaremos impressas na areia da existência.
E novamente a morte de Cássia foi lembrada. Falei da minha vibração com a Malandragem descrita e sonorizada por Frejat e Cazuza. Contei a estória dessa música. Foi feita e dada a Ângela Ro Ro que acabou deixando-a engavetada em alguma urna velha. Frejat, lembrando-se que nunca havia sido gravada, pediu a Ângela se podia dar a música para outra cantora gravar. Ro Ro sacudiu os ombros e liberou. De repente a música estourou, chegou sacudindo as ondas do rádio, mexendo com nossa essência, com o nosso pileque transgressor cotidiano, e virou sucesso absoluto na voz dela, de Cássia. Frejat voltou a se encontrar com Ângela que acabou fazendo um comentário melodramático por ele ter consentido que outra gravasse a música dada a ela em primeira mão. Uma bobagem afinal. Como disse Frejat numa entrevista, parecia que a música sempre esteve esperando por Cássia. Era ela quem devia gravar o som, pôr aquele vozeirão, aquele sorriso sacana, dar força e vida ao poema. Ela era malandragem.
Gosto desses que têm esse brilho nos olhos. Que nos deixam sempre uma reticência a ser descoberta. Aquilo que nunca se vê de imediato. É a clara sensação de que há muito mais a ser descoberto, aos poucos, sem agressão. É como uma foto em preto e branco, propositadamente em sombras, às vezes penumbra, onde a silhueta descreve a trajetória sem mostrar nada, ou quase nada. Os poros, os pelos, as ondas, a textura, essa fica para depois, no clarão do dia ou impresso pelo holofote lunar.
E certamente acabo sendo atraída por esses de vida singular e que fogem da normose coletiva. Aquele estado que acaba levando a todos a famigerada ‘zona de conforto’. Que de tão previsível acaba ficando bolorada, cheia de fungos e coisas velhas do tempo. Vejo esses mestres da poesia moderna como os grandes desafiadores da dicotomia, como diz Baudrillard, aqueles que perderam a capacidade de crer e sonhar. Dos que se apegam ao que já está aí e nada tentam de novo. Acomodam-se em suas cadeiras giratórias e seguem, como robôs, a rotina que os espera às sete da manhã seguinte.
E eles nem sabem, se realmente haverá um amanhã.
.
"A música rock veio mudar as tradicionais músicas dos homens de negócios para uma música mais livre e sem preconceitos. A música rock reflete um comportamento erótico, para alguns destrutivo, mas na minha opinião é apenas um meio de desabar as estruturas. A música americana popular até mais ou menos 1960 estava prêsa aos empresários, homens de negócios que comandavam toda a publicidade da TV, que mandavam e desmandavam nos artistas, e isso não dava liberdade artística para os compositores. A música rock trouxe uma nova concepção de som e música."
( Redação de português - Cazuza, aos 13 anos )


Você nunca varou
A Duvivier às 5
Nem levou um susto Saindo do Val Improviso
Era quase meio-dia
No lado escuro da vida
Nunca viu Lou Reed
"Walking on the wild side"
Nem Melodia transvirado
Rezando pelo Estácio
Nunca viu Allen Ginsberg
Pagando michê na Alaska
Nem Rimbaud pelas tantas
Negociando escravas brancas
Você nunca ouviu falar em maldição
Nunca viu um milagre
Nunca chorou sozinha num banheiro sujo
Nem nunca quis ver a face de Deus
Já frequentei grandes festas
Nos endereços mais quentes
Tomei champanhe e cicuta
Com comentários inteligentes
Mais tristes que os de uma puta
No Barbarella às 15 pras 7
Reparou como os velhos
Vão perdendo a esperança
Com seus bichinhos de estimação e plantas?
Já viveram tudo
E sabem que a vida é bela
Reparou na inocência
Cruel das criancinhas
Com seus comentários desconcertantes?
Adivinham tudo
E sabem que a vida é bela
Você nunca sonhou
Ser currada por animais
Nem transou com cadáveres?
Nunca traiu teu melhor amigo
Nem quis comer a tua mãe?
Só as mães são felizes...

segunda-feira, janeiro 07, 2002

Acabei de ler uma matéria no Prosa & Verso, onde o jornalista Marcus Penchel faz análise do romance Aldous Huxley, ‘Sem olhos em Gaza’, escrito em 1938 e reeditado agora pela Editora Globo.
Fiquei pensando nas palavras de Marcus e me vieram à cabeça os meus muitos erros. No ímpeto, no auge da minha ação, eu comumente esqueço crases, escrevo palavras erradamente e quando vejo: ta lá um corpo estendido no chão. Já foi, já era. Hoje mesmo escrevi um recado num blog querido e lá se foi meu ‘hein’ grafado ‘em’. Quando dei por mim o fato já estava consumado, o dedo já tinha apertado o send. Respirei fundo e disse agora babau. E, assim, vou cometendo meus deslizes. Com franqueza? Não tenho que provar xonga monga pra ninguém. Como eu já disse a Jomara uma vez: gosto de você porque você é! Não precisa fazer apologia do que é, porque é! É isso. ‘Quem sabe faz a hora não espera acontecer’.
O resto é o resto.
Tenho um amigo astrólogo, Alexey, o Lasher para os que vivem nas madrugadas insones do IRC. Foi uma das primeiras pessoas que conheci em 96, quando a internet e os programas de bate-papo ainda eram uma possibilidade utópica para o restante da população. Era um dialeto falado pelos que já estavam plugados no cyberspace.
Lasher é um ser gostosamente liberto, talvez eu me aproxime mais dele na virtualidade do que pessoalmente. Admiro-o não só pelas tiradas inteligentes e sua capacidade sedutora de agregar pessoas, gente diferente, criaturas de meios completamente opostos e distantes. Em suas palestras, ele ri dele mesmo. Conta os mais nonsenses casos e leva o público ao delírio, a gargalhadas estrondosas, justamente pela sua falta de pudor. Quem sabe um dia ainda vou rir muito de mim e debochar? O problema aí é despir-se do ego, para estar acima do julgamento alheio, sem a preocupação com o outro, com o que o cerca. Um ponto único no meio do caos. Quando eu pegar o endereço da page dele, que se não me engano fala exatamente do Kaos, vou pôr aí ao lado pra vocês conhecerem um pouco das idéias dessa pessoa sadicamente adorável.
Deixa eu voltar aos mecanismos de blog. Débora está sendo paciente, como sempre, com minha total falta de intimidade com o agatemelês. É ela que tem me ajudado a dar uma cara pra esse monte de letras espalhadas e que tento por sentido. Será que algum dia conseguirei fazer as coisas belas que ela faz? Tomara! Aliás, isso da estética por aqui é algo muito interessante. A pessoa conhece os mecanismos, usa os procedimentos certos, mas no final a coisa acaba ficando pastel demais. Ou ainda, usa os recursos que domina e não harmoniza o belo. Esse é um dom que essa moça tem de sobra, produzir cores, gestos e palavras com beleza. Um recurso para poucos. E eu tenho o prazer de contar com alguém que possui esse dom para pinçar a estética. Sorte minha!
Queria terminar deixando um pouco das idéias de Huxley comentadas por Marcus, aí vai:
[...]
No moinho, com escravos, em Gaza, como situa a citação de Milton que faz epígrafe e dá titulo ao livro, é fácil ficar cego. Esposas e maridos, guias e massas, poderosos vigias de plantão e supostas vítimas, fêmeas e machos, inexpugnáveis torres gêmeas, todos com olhos para ver e preferindo saborear a desgraça alheia. Que tal dar ao (des)afeto as mesmas condições de luta? Por que isso aborrece? Medo das palavras? Dinheiro? Fome? Por que uma opinião importa? O que atrapalha? Algo rói?
Esta é a realidade intelectual do Ocidente cristão: quem tem bens não os saboreia nem saboreia o fato de tê-los, mas apenas o fato de que outros não os têm.Isso não apenas explica, como justifica a desigualdade de distribuição, tornando o capitalismo essencial não só ao Ocidente como ao cristão. É a falta que não ama, não flagrada por Drummond.
Escrito há mais de seis décadas, o livro de Huxley parece ter muito a ver com o momento global, isto é, local. Será que o admirável mundo novo, afinal, entrou na sua cabeça? Olhos esgazeados no brilho dessa manhã tão clara que o milionário saudita virtual e sacramental expôs como um espelho, contemplam as feridas na sala refrigerada à morfina, insensibilidade de cúmplice com o gelo. Tintim!
O mundo caminha a passos de canguru rumo à primavera da dor e se sente leviano, exuberantemente pós-moderno. Triste sociedade de avidez, sovinice, mesquinharia, vaidade e imensa pobreza. Os egos se fartam de poder, como abelhas sangrentas. Zuuum! Há 500 anos chorando a perda da fantasiosa virgindade, dona Índia Ocidental quer demolir alguém e se encalacra na própria teia. Ah, bem...Huxley atualiza esse rancor que é o sistema, antes mesmo de o sistema se sentir sistêmico e até antes de perceber que a melancolia antisistêmica que criou é apenas o discreto charme dessa civilização. Rancor, rancor é o teu nome, ó mãe de toda miséria e perfumaria. Ave!

O zen, a mescalina e a união com o inimigo
Não sei se tal resenha é publicável. O que talvez a proteja é que não contraria as leis do mercado: recomenda explicitamente o livro. Isso basta? Uma tese da personagem central (do autor?) é que “foi tolo Satã ao querer tentar um Messias(...) com a fama, o domínio, a ambição – coisas cujos frutos inevitáveis são a violência e a coerção!”Não foi exatamente o que aconteceu? A sede de domínio levou “um Messias”precisamente à experiência do martírio expiatório e seus frutos seguidores à experiência transmedieval da martirização vingativa. “Comparado com a sede de glória, o puro sensualismo é quase inofensivo. Se Freud tivesse razão e o sexo imperasse, nossa vida seria quase edênica”. Curioso como Jesus, maior exemplo e símbolo do egoísmo e de seus frutos, tenha se tornado exatamente o maior exemplo e símbolo do altruísmo. Santa dicotomia.
Huxley se ergue contra esse dualismo. Unidade! Unidade é o seu lema. União com o maior inimigo: adesão interior a sua potencial grandeza, ainda que invisível. Veículos: talvez o zen, talvez a mescalina e outras drogas. “As portas da percepção” fez o maior sucesso na década de 60( o romancista morreu em 63). De lá para cá a intoxicação perdeu o brilho e todas as viagens baixaram. Não eram drogas que abriam a percepção, era esta ampliada que se consolava na droga ante a barreira desse sistema que agora aflora tão evidente, face e verso flagrantes, em Cabul e Manhattam, irmãs religiosas globalmente religadas como talismãs.
Huxley indaga-se da possibilidade da paz, da bondade, do amor. Em suma, da solidariedade humana. A mais básica constatação é que isso tem que começar de dentro, em cada indivíduo: ‘Estados e nações não existem como tais. O que há são apenas pessoas”. Se as pessoas mudam, Estados podem mudar, como resultado cumulativo das mudanças individuais. Mas não basta saber isso – segundo o romancista, “saber, todos nós sabemos”; o negócio é fazer: “a propaganda de paz deve consistir numa série de instruções para a arte de modificar o caráter”. O inferno diz ele, “é a incapacidade de sermos diferentes da criatura segundo a qual ordinariamente nos comportamos”.
A mudança essencial, seria o fim da indiferença, que é “uma forma de preguiça; e a preguiça é, por sua vez, uma dos sintomas da falta de amor(...). Aquilo que amamos, que nos interessa não dá preguiça”. Bem, o amor é a chave. Mas “como ser simultaneamente desapaixonado e não indiferente, sereno como um velho e ativo como um jovem?”. Cientes de que o mundo está “cheio de ambiciosos e avaros semeadores de discórdia”, a única atitude construtiva é a da unidade: amar o potencial de beleza mesmo e sobretudo onde só há degradação. “Unidade da espécie humana, unidade de toda a vida, de tudo que vive”, o que sem dúvida incluiria o fim do consumo de qualquer espécie de carne. É uma “afeição corajosa”, que “restitui o louco à sanidade mental, transforma o selvagem hostil em um amigo, domestica o animal feroz”. [...]


domingo, janeiro 06, 2002

Do vento fresco que entra pela janela sem pedir licença chega o cheiro do mar. Um cheiro especial porque traz sempre uma sensação gostosa de verão, da minha infância e adolescência. Também traz aquela percepção de corpos queimados, ardentes, rostos iluminados, sorrisos fáceis na noite.
A noite e seus cheiros.
Os cheiros que impregnam a alma da gente e nos remetem a tantas lembranças gostosas. Estou saudosista, embalada por essa sintonia prazerosa do passado.
Ontem quando caminhava até o jornaleiro, de short, tênis keds e camiseta de alcinha, lembrei-me das minhas tardes de verão. Quando depois de muito sol no corpo eu ia passear pela areia da praia, com o vento balançando os cabelos, num gingado sem pressa, num gingado melemolente, aquilo que não sabe do relógio e desconhece limites quanto ao tempo. O tempo nunca importa de verdade, temos um mundo a ser explorado. Ainda guardo muito dessa garota em mim. Acho mesmo que ela muitas vezes bate o pé e faz pirraça, caprichos, desafiando a mulher, as normas, a previsibilidade adulta.
Eu caminhava, caminhava, caminhava, depois voltava e sentava no cais, num lugar onde atracava um barco que trazia as conchas para serem moídas e transformadas em pó para o comércio. Essa memória fez-me escrever um dia sobre os catadores de concha, a Dé deve lembrar bem dessa passagem.
Eu caminhava até o cais, onde ficava ancorado o barco, me sentava lá. Os carros passavam na rodovia pra lá e pra cá, numa velocidade amena e eu ia percebendo os faróis acendendo conforme a noite ia chegando. Enquanto isso, obcecada mirando o mar,perdia-me cantando músicas, músicas de todos os tipos, para todos os gostos, coisas que me faziam aumentar o padrão vibracional e comungar firmemente com meus credos, força, com o que há de mais puro em mim e na natureza.
O Sol ia se pondo...tantas cores rasgavam o horizonte...detonavam o azul, cobrindo-o com uma mancha vermelha-alaranjada misturada a um fogo dourado que cintilava sobre as águas. Nenhum pôr de sol foi igual, nenhum. Nenhum dos muitos que testemunhei em anos e anos cumprindo o mesmo ritual.
Sinto no ar o cheiro único do oceano, o aroma impregnado da maresia....um convite, um brinde a vida, a felicidade e ao amor.

sábado, janeiro 05, 2002

Hoje comecei o dia saudada pelas gracinhas da minha cachorra, linda, pretinha, um bicho que nos fixa, o olho no olho, parecendo mesmo entender nossas palavras, sentindo a vibração do nosso amor, dos nossos sentimentos.
Cheguei agora, e em frente à minha casa uma dúzia de gatos, de todas as cores, passeavam displicentemente pela rua. Ao todo são 72, vivem na minha vizinha, uma São Francisco de Assis de saias, uma pessoa rara. Ignoraram o barulho do carro e meus passos no silêncio da noite, como se o movimento externo fosse o grande intruso em seu território. E parece que hoje os animais resolveram mesmo dar o ar da graça e enfeitar o cotidiano nublado que cerca a cidade, com suas façanhas, gracinhas.
Visitei meu irmão, que possui dois bichões enormes: Chuck e a Hanna. Ele, um fila de três anos, rajado, parece uma fera, um tigre. Territorial, só deixa que as pessoas conhecidas entrem, os estranhos nem ousam chegar perto do muro. Como reconhecimento, dá aquela cafungada famigerada nas partes baixas de todos, inclusive em mim. Ela por sua vez é uma dog alemão maravilhosa, altiva, toda negra, olhos amarelos profundos. Meiga, dócil, impõe respeito pela majestade, mas é uma verdadeira criança com todo mundo. Se abre e se dá para todos, inclusive os desconhecidos. De braba é só o semblante..
Os animais e seu amor puro, sem pedir retribuição.
Certa vez quando trabalhava para um jornal local, o príncipe, dono do veículo de comunicação, contou-me que uma de suas cadelas favoritas havia fugido, já que alguém havia esquecido o portão aberto. Após oferecer recompensa e pôr um anúncio no matutino, obteve uma informação de que o animal encontrava-se num determinado ponto da cidade. Partiu para lá na mesma hora, carregando consigo um segurança e uma arma, um 38. Chegando no local, invadiu a casa, pulou o muro, abriu o portão e levou a cachorra, no peito e na raça. Ninguém viu ele entrar e nem sair. Voltou para casa satisfeito e vitorioso, dizendo a todos que havia recuperado o bichinho de estimação.
Entrei na sala dele ao fim do dia para passar um fax e ele virou pra mim e perguntou: Ana Lucia, você gosta de cachorros?
E eu, respondi: sim, adoro! Muitas vezes eles são melhores que os seres humanos.
Ele abriu um sorriso tal, que seus olhos azuis pequenos ganharam um brilho maior, e retrucou: sabia que eu gosto mais dos meus cachorros do que dos meus filhos?!
Meio atônita, argumentei: pois é, eu imagino que você deva ter os seus motivos.
Ele: é tenho mesmo. Meus cães me dão só alegria e não tem interesse em nada. Me amam pelo que eu sou. Meus filhos, querem exatamente o que eu tenho materialmente. Por isso, prefiro meus animais.
E ficamos assim, um olhando para o outro. Eu compreendia perfeitamente o que ele dizia. Um homem cheio de poder, sob o peso do nome, da história, mas que trocaria toda a glória mundana pela alegria da pureza do afeto de um animal.

sexta-feira, janeiro 04, 2002

Agora o blog começa a ter cara de blog e se aproximar do que chamo de estética. Nada como as mãos amigas dela pra pôr mais azul nessa minha despretenciosa escrita.
Pensei no que contar hoje e ainda estou aérea, talvez ainda meditando nos lábios carnudos da Angelina Jolie. Musa, gostosa, atrevida, pervertida, louca, safada, o que essa mulher de lábios poderosos é capaz de provocar na mente masculina. E talvez em muitas mulheres também, porque não? A boca que suga, beija, sorve, retém, engole, mastiga, consome, devora. Tal qual o Djavan em sua letra, em alusão à declaração do poeta baiano: eu devoraria o Leonardo di Caprio! Um desperdício, diga-se de passagem, Caetano devorando o di Cáprio, que tristeza! Que devorasse alguém menos imberbe e mais sensual, um Brad Pit, um Robert De Niro ou Al Pacino.... Mas, como dizem que gosto é igual a furico, então cada um com seu cada um e não se discute as preferências e as pessoas a serem degustadas. E falando em devorada, outra coisa que me povoa o imaginário é quanto à fixação masculina em rosquinhas, em comer o fiofó da mulher. Será que isso advém dos tempos de escravos onde as bundas grandes e as cadeiras generosas das negras atraíam os senhores para o sexo? Será que é desse primitivismo ancestral tanto desejo em roscas? E enquanto umas lutam para resistir a investida masculina, outras declaram abertamente sua adoração por sexo anal, inclusive dizendo que o gozo é fantástico. Outro dia travei um diálogo pitoresco e o homem soltou logo de cara que havia um ritual para comer roscas, dias de preparo até a caça estar pronta para o abate. Óleo mineral, investidas com dedos, dias de massagem e provocação. Dizia ele que elas não resistiam por mais de uma semana, chegando ao final do período implorando para serem comidas. E para ele a vitória era completa quando elas pediam um espelho bem gigante para ver a cena: serem enrabadas por ele! O que um sujeito não é capaz para devorar um c+ú.
Voltemos a Angelina, o que faz daquela boca enorme, do comportamento lascivo e que adora chocar com suas declarações bombásticas, alvo de tanto desejo masculino? É a boca que imita uma vagina?E as de vagina magrinha, como é que ficam diante da boca em coração da Angelina? Dizem que as bocas femininas reproduzem com certa exatidão o formato de seu sexo, será? Ou seja, uma bocuda feito a Angelina teria uma vagina tão carnuda quanto. Será que essa é a projeção? Ou um simples delírio masculino, em ser sugado até o gozo por uma boca descomunal. É engraçado porque quando vejo a Angelina, vejo literalmente ela engatada num blow up daqueles. Uma cena bonita na minha cabeça. Esse é o ponto, vejo as coisas que penso, feito filme, com detalhes, imagens.
Transposições mentais ou formas pensamentos.
É a materialização da imagem através do pensamento.
Que seja, amanhã tem mais.



quinta-feira, janeiro 03, 2002

Meu fascínio por cobras data desde que me entendo por gente e alguém me falou que era um bicho peçonhento. Lembro perfeitamente que indaguei: o que é peçonhento?! E a pessoa respondeu: um bicho venenoso! E mesmo diante da explicação, o encantamento pelo animal não desapareceu, acho que foi se intensificando ao longo dos anos, se tornando uma parte minha, independente do sentido fálico tão decantado em prosa e verso.
Se fosse falar das cobras levaria muito tempo e a idéia aqui nem é essa. Guardo para outro dia a sedução de Medusa, a górgona derrotada por Perseu. Quero também deixar algumas sensações e impressões sobre ela, a mulher com cobras nos cabelos. Adoraria ter serpentes penduradas na cabeça.
Vamos voltar ao assunto que quero postar aqui, hoje. Estou lendo um romance, um livro que me foi dado de presente por um amigo querido. Alguém que me vê além do carnal e enxerga minhas existências, as anteriores, a presente. E ele me viu cercada de cobras um dia, dominando-as perfeitamente. Disse que o encontro era perfeito, as cobras e eu. Explicou que representava sabedoria. Quem sabe vem daí meu arrebatamento pelas víboras. Who knows?
Bem, estou aprendendo a história de Semíramis pelas mãos de Camilo Chaves, que após uma árdua pesquisa, projetou no presente a trajetória da sacerdotisa de Ísis. Uma mulher preparada sob os códigos secretos da Esfinge e que veio transformar-se na rainha da Assíria, da Babilônia, de Sumer a Akad. Entre seus pensamentos e reflexões, hoje estanquei num pedaço que diz:
'- Eu penso que, quando se nos depara o nosso grande amor, não há vestígios nem grandezas que consigam apagar os vestígios dessa afeição. O amor não está sujeito ao dinheiro ou ao poder: ele existe por si mesmo, a despeito dos infortúnios e de tudo. Eu creio na dualidade do ser humano, sintetizado no simbolismo de Ísis e Osíris, como princípios feminino e masculino, que se completam. Quando encontramos o nosso duplo, não há forças, nem obstáculos ou preconceitos que obstem a reunião. Há uniões erradas, é bem certo, mas há uma atração inelutável entre os seres, que, desde as origens se pertencem e, quando se aproximam, desaparecem inconveniências e perigos, para a fusão final na unidade'.
Por hoje é só, amanhã tem mais.

quarta-feira, janeiro 02, 2002

Eu devia ter começado como todo ser previsível, justamente para me fazer clara, mas como não consigo seguir métodos, inclusive na escrita, solto minhas idéias sem lenço, sem documento, sem compromisso. Já ia me esquecendo, só um é realmente verdadeiro nessa vida: o prazer!
Comecei o ano embalada por você, lemniscata. Uma palavra que surgiu depois de refletir sobre o tudo e o nada, procurar um blog que não se fixasse num único ponto, adendo, idéia. Que fosse solto, livre, sem amarras determinadas pela expressão letrada. Ainda engatinho nesse espaço de blogs e nem sei se terei condições físicas de chegar perto do que considero estético no cyberspace.
Me lanço num vôo sem asas, seco, mudo, escondido e divertido. Feito criança arteira que faz a travessura e esconde a carinha atrás da porta, justamente para vislumbrar a reação dos adultos. Uma peralta sem ideologia, ninada pelos desejos, caprichos e todas as vontades reais e utópicas.
E parei mais uma vez elocubrando e me perdi do infinito. Sim, a figura da cobra mordendo o próprio rabo, a roda de sansara,o horizonte que corta o fim do mar, sim, é dessa imagem que me faço presente. Louca, sem sentido, num sopro, insight, visão do além, um espírito escondido num corpo de mulher.