Se eu fosse contar todas as estórias malucas que já me aconteceram na vida, daria um ótimo romance, um folhetim completamente nonsense. Talvez, por que tenho essa alma liberta, que vive o presente e não fica pensando no futuro. Acho que a leveza acaba me conduzindo a situações inusitadas, como a que ocorreu hoje. Enquanto esperava o metrô para ir pro centro, um homem moreno, alto, magro, olhos escuros, trajando calça social e blusa de mangas compridas dobradas, parou ao meu lado e perguntou:
- Por favor, você poderia me dar uma informação?
- Lógico, eu respondi.
- Você sabe me dizer se estou no lado certo para ir para a Carioca?
- Está sim, do outro lado você segue para Copacabana.
- Ah, que bom, é por que não sou daqui.
(nisso eu já tinha percebido pelo sotaque do sujeito. Mas, não sei porque cargas d’água achei que o gajo era argentino. Talvez, porque ele falasse algumas palavras em espanhol.)
- Eu, percebi, disse a ele.
- Você trabalha? Estuda? ele, perguntou.
- Sim, trabalho. respondi
Nisso o metrô chegou e entrei. Sentei na janela e ele sentou ao meu lado.
- Você trabalha em quê?
- Sou jornalista.
- E trabalha pra que jornal?
- Não trabalho em jornal, trabalho para uma agência de notícias.
- E você mora aqui no Rio?
- Não, moro em Petrópolis.
- E tem filhos?
- Não, não tenho filhos.
- É casada?
- Não, não sou casada. Mas, tenho namorado. Estou vindo da casa dele.
- Ah sim, eu sou divorciado. Moro no Leme, em Copacabana.
- Sei, sei onde é, eu respondi.
- Sou egípcio, ele disse.
- Eu sorri e disse: legal!
- Trabalho no Consulado do Egito, aqui em Botafogo, sou vice-cônsul.
(Nisso me deu uma vontade enorme de rir e pensei: era só o que me faltava. Vou dizer pra ele que sou a Rainha de Sabá)
Ele me ofereceu um drops de hortelã. Eu recusei. Ele insistiu e disse que tinha muitos. Daí eu resolvi aceitar, mas guardei na mochila.
(Pensei: sei lá o que tem nessas balas, melhor eu guardar. Vai ver que dentro do drops tem drogas ou um sonífero qualquer. Quando eu descer eu jogo fora a bala.)
- Meu nome é Latiff, ele se apresentou.
(Falei com meus botões: esse cara tá a fim de me zoar. O nome dele é quase igual ao da personagem da Letícia Sabatella no O Clone, Latiffa. Era só o que me faltava... Deu vontade de dizer pra ele: eu me chamo Jade, prazer!)
- O meu é Ana Lucia.
- Ana Lucia?
- É, Ana Lucia.
- Ana Lucia você quer ser minha amiga?
- Mas nós já não somos amigos, não estamos conversando aqui?
- Sim, somos. Mas, se eu te der meu telefone você liga pra mim?
- Mas, pra que? eu indaguei
- Pra gente sair, conversar.
- Mas, eu tenho namorado.
- Você não tem nenhuma amiga solteira assim como você?
- Tenho. Mas, eu não acredito que no Rio de Janeiro você esteja sozinho.
- É difícil encontrar alguém que combine, ele retrucou.
Ele puxou uma carteira com vários cartões e me entregou um.
- Se tiver uma amiga como você, me apresenta?
- Estou indo pra Petrópolis.
- E quando volta ao Rio?
- Na outra semana, provavelmente.
- Então me telefone, ok?
(próxima estação Cinelândia, a voz de Ana Flores pelo autofalante avisava)
- É a sua estação.
- É, mesmo. To indo, tchau.
Antes disso eu peguei o livro que estava no meu colo e mostrei a capa a ele: Semíramis, Rainha da Assíria, de Babilônia, da Súmer e Akad. A capa mostra a figura de uma mulher trajando vestes de rainha: coroa na cabeça; vestido carmim de um ombro só e com um rasgo no lado esquerdo; jóias adornando o pescoço, o braço e o pulso; além de uma sandália estilizada, lembrando aquelas antigas usadas pelos romanos, também cheia de pedrarias.
- Engraçado, neh? eu, sorri.
Ele sorriu de volta e despediu-se com um tchau, mirando a capa do livro.
Olhando o cartão dizia o nome todo do sujeito, embaixo escrito vice-cônsul, o endereço do consulado e o símbolo, o dragão.
Ainda assim, desconfiada, continuei pensando na situação: E se ele fosse um vendedor de escravas brancas? Já pensou eu sendo mais uma num harém?
Lembrei das brasileiras que vão para a Espanha com promessas mirabolantes de emprego e acabam sendo prostituídas. Os passaportes roubados e elas impossibilitadas de saírem do país. Um sofrimento, estórias horripilantes dessas garotas.
Também recordei da Marilia contando quando esteve no Egito aquele monte de homens gosmentos querendo tocá-la, encantados com a cor branca dela e os cabelos dourados. Queriam porque queriam trocá-la por camelos. Chegaram a fazer ofertas ao marido dela, como se estivesse à venda. Imagina, eu que estou com loiro avermelhado nos cabelos o que não provocaria nesses melequentos do Cairo. Desconjuro pé de pato mangalô três vezes! toc! toc! toc!Saravá!