quinta-feira, janeiro 17, 2002

Se eu fosse contar todas as estórias malucas que já me aconteceram na vida, daria um ótimo romance, um folhetim completamente nonsense. Talvez, por que tenho essa alma liberta, que vive o presente e não fica pensando no futuro. Acho que a leveza acaba me conduzindo a situações inusitadas, como a que ocorreu hoje. Enquanto esperava o metrô para ir pro centro, um homem moreno, alto, magro, olhos escuros, trajando calça social e blusa de mangas compridas dobradas, parou ao meu lado e perguntou:
- Por favor, você poderia me dar uma informação?
- Lógico, eu respondi.
- Você sabe me dizer se estou no lado certo para ir para a Carioca?
- Está sim, do outro lado você segue para Copacabana.
- Ah, que bom, é por que não sou daqui.
(nisso eu já tinha percebido pelo sotaque do sujeito. Mas, não sei porque cargas d’água achei que o gajo era argentino. Talvez, porque ele falasse algumas palavras em espanhol.)
- Eu, percebi, disse a ele.
- Você trabalha? Estuda? ele, perguntou.
- Sim, trabalho. respondi
Nisso o metrô chegou e entrei. Sentei na janela e ele sentou ao meu lado.
- Você trabalha em quê?
- Sou jornalista.
- E trabalha pra que jornal?
- Não trabalho em jornal, trabalho para uma agência de notícias.
- E você mora aqui no Rio?
- Não, moro em Petrópolis.
- E tem filhos?
- Não, não tenho filhos.
- É casada?
- Não, não sou casada. Mas, tenho namorado. Estou vindo da casa dele.
- Ah sim, eu sou divorciado. Moro no Leme, em Copacabana.
- Sei, sei onde é, eu respondi.
- Sou egípcio, ele disse.
- Eu sorri e disse: legal!
- Trabalho no Consulado do Egito, aqui em Botafogo, sou vice-cônsul.
(Nisso me deu uma vontade enorme de rir e pensei: era só o que me faltava. Vou dizer pra ele que sou a Rainha de Sabá)
Ele me ofereceu um drops de hortelã. Eu recusei. Ele insistiu e disse que tinha muitos. Daí eu resolvi aceitar, mas guardei na mochila.
(Pensei: sei lá o que tem nessas balas, melhor eu guardar. Vai ver que dentro do drops tem drogas ou um sonífero qualquer. Quando eu descer eu jogo fora a bala.)
- Meu nome é Latiff, ele se apresentou.
(Falei com meus botões: esse cara tá a fim de me zoar. O nome dele é quase igual ao da personagem da Letícia Sabatella no O Clone, Latiffa. Era só o que me faltava... Deu vontade de dizer pra ele: eu me chamo Jade, prazer!)
- O meu é Ana Lucia.
- Ana Lucia?
- É, Ana Lucia.
- Ana Lucia você quer ser minha amiga?
- Mas nós já não somos amigos, não estamos conversando aqui?
- Sim, somos. Mas, se eu te der meu telefone você liga pra mim?
- Mas, pra que? eu indaguei
- Pra gente sair, conversar.
- Mas, eu tenho namorado.
- Você não tem nenhuma amiga solteira assim como você?
- Tenho. Mas, eu não acredito que no Rio de Janeiro você esteja sozinho.
- É difícil encontrar alguém que combine, ele retrucou.
Ele puxou uma carteira com vários cartões e me entregou um.
- Se tiver uma amiga como você, me apresenta?
- Estou indo pra Petrópolis.
- E quando volta ao Rio?
- Na outra semana, provavelmente.
- Então me telefone, ok?
(próxima estação Cinelândia, a voz de Ana Flores pelo autofalante avisava)
- É a sua estação.
- É, mesmo. To indo, tchau.
Antes disso eu peguei o livro que estava no meu colo e mostrei a capa a ele: Semíramis, Rainha da Assíria, de Babilônia, da Súmer e Akad. A capa mostra a figura de uma mulher trajando vestes de rainha: coroa na cabeça; vestido carmim de um ombro só e com um rasgo no lado esquerdo; jóias adornando o pescoço, o braço e o pulso; além de uma sandália estilizada, lembrando aquelas antigas usadas pelos romanos, também cheia de pedrarias.
- Engraçado, neh? eu, sorri.
Ele sorriu de volta e despediu-se com um tchau, mirando a capa do livro.


Olhando o cartão dizia o nome todo do sujeito, embaixo escrito vice-cônsul, o endereço do consulado e o símbolo, o dragão.
Ainda assim, desconfiada, continuei pensando na situação: E se ele fosse um vendedor de escravas brancas? Já pensou eu sendo mais uma num harém?
Lembrei das brasileiras que vão para a Espanha com promessas mirabolantes de emprego e acabam sendo prostituídas. Os passaportes roubados e elas impossibilitadas de saírem do país. Um sofrimento, estórias horripilantes dessas garotas.
Também recordei da Marilia contando quando esteve no Egito aquele monte de homens gosmentos querendo tocá-la, encantados com a cor branca dela e os cabelos dourados. Queriam porque queriam trocá-la por camelos. Chegaram a fazer ofertas ao marido dela, como se estivesse à venda. Imagina, eu que estou com loiro avermelhado nos cabelos o que não provocaria nesses melequentos do Cairo. Desconjuro pé de pato mangalô três vezes! toc! toc! toc!Saravá!