domingo, janeiro 06, 2002

Do vento fresco que entra pela janela sem pedir licença chega o cheiro do mar. Um cheiro especial porque traz sempre uma sensação gostosa de verão, da minha infância e adolescência. Também traz aquela percepção de corpos queimados, ardentes, rostos iluminados, sorrisos fáceis na noite.
A noite e seus cheiros.
Os cheiros que impregnam a alma da gente e nos remetem a tantas lembranças gostosas. Estou saudosista, embalada por essa sintonia prazerosa do passado.
Ontem quando caminhava até o jornaleiro, de short, tênis keds e camiseta de alcinha, lembrei-me das minhas tardes de verão. Quando depois de muito sol no corpo eu ia passear pela areia da praia, com o vento balançando os cabelos, num gingado sem pressa, num gingado melemolente, aquilo que não sabe do relógio e desconhece limites quanto ao tempo. O tempo nunca importa de verdade, temos um mundo a ser explorado. Ainda guardo muito dessa garota em mim. Acho mesmo que ela muitas vezes bate o pé e faz pirraça, caprichos, desafiando a mulher, as normas, a previsibilidade adulta.
Eu caminhava, caminhava, caminhava, depois voltava e sentava no cais, num lugar onde atracava um barco que trazia as conchas para serem moídas e transformadas em pó para o comércio. Essa memória fez-me escrever um dia sobre os catadores de concha, a Dé deve lembrar bem dessa passagem.
Eu caminhava até o cais, onde ficava ancorado o barco, me sentava lá. Os carros passavam na rodovia pra lá e pra cá, numa velocidade amena e eu ia percebendo os faróis acendendo conforme a noite ia chegando. Enquanto isso, obcecada mirando o mar,perdia-me cantando músicas, músicas de todos os tipos, para todos os gostos, coisas que me faziam aumentar o padrão vibracional e comungar firmemente com meus credos, força, com o que há de mais puro em mim e na natureza.
O Sol ia se pondo...tantas cores rasgavam o horizonte...detonavam o azul, cobrindo-o com uma mancha vermelha-alaranjada misturada a um fogo dourado que cintilava sobre as águas. Nenhum pôr de sol foi igual, nenhum. Nenhum dos muitos que testemunhei em anos e anos cumprindo o mesmo ritual.
Sinto no ar o cheiro único do oceano, o aroma impregnado da maresia....um convite, um brinde a vida, a felicidade e ao amor.