sexta-feira, janeiro 18, 2002

Ele caminhava pelo início da estrada solitária de seu destino, uma estrada reta e sem maiores dificuldades até onde a vista podia alcançar. Num determinado momento, perdido em seus pensamentos ele avistou uma figura feminina, pequena mas de alguma forma sensual em sua totalidade.

A jovem trajava um manto azul celeste coberto das mais belas pedras preciosas que ele já tinha visto, nem em seus sonhos mais belos ele deparara-se com tamanha riqueza e beleza. No topo da cabeça, segurando um véu branco, uma tiara de prata com uma imagem brilhante da lua crescente.

Ele parou defronte a aparição e perguntou:

-Quem sois senhorita da mais pura beleza?

Ela lhe respondeu:

-Levanta meu véu e descubra!

E ele o fez, ao levantar o véu deparou-se com a verdade que não podia ser corrompida. Teve as visões do princípio de tudo. Acalmou-se com a pureza do início da tarde, quando o sol enfraquecido mal projeta nossa sombra no caminho. Sentiu a felicidade de conhecer a Noiva sagrada, o altar dos sacrifícios. Vislumbrou a pureza das matas inexploradas, das águas não navegadas, do infinito desconhecido do Universo. Quando se deu conta do êxtase que sentia, descobriu-se de olhos cerrados... Ao abri-los, buscando conhecer as feições da Donzela à sua frente... Ela já tinha desaparecido.

Repleto de amor por tudo o que o Universo tem de desconhecido, que para ele eram novas visões, ele continuou em seu caminho. Aproveitou para se lembrar de sua juventude. Como tudo era belo, sem responsabilidades, sem cobranças, mas também... sem os conhecimentos necessários.

Numa das subidas da estrada, um dos morros de seu caminho, bem lá no alto, ele deparou-se com a segunda visão. Seu coração disparou na promessa de rever sua agora amada misteriosa e ele começou a correr ao encontro da visão.

Já era noite então. Apenas o brilho da Lua Cheia e das estrelas brilhantes permitiam que ele distinguisse a imagem no alto de sua subida do morro. Ao se aproximar, ele começa a descobrir diferenças. O manto não mais era azul celeste, mas de um verde, da cor dos oceanos mais límpidos que já tivera o prazer de conhecer. Adornando o manto, estrelas marinhas, conchas, pequenos cavalos marinhos cor de prata que brilhavam à luz da Lua. No alto da cabeça, mais uma vez uma tiara mantinha um véu cor de estrelas, brilhante, e nessa tiara, incrustada a imagem da lua cheia, perfeita em sua plenitude.
Só o que conseguia vislumbrar por aquele véu eram os olhos. Olhos negros, da cor do negro mais negro das noites escuras.

Mais uma vez ele se aproximou e perguntou:

-Quem sois bela e distante senhora?

Mais uma vez ouviu o desafio:

-Levanta meu véu e descubra!

Foi o que fez.

Mais uma vez as visões começaram a inundá-lo. Viu a criação da vida nas antigas eras. Deparou-se com o primeiro animal saindo das águas e vindo à terra firma. Acompanhou a jornada de milhões de espermatozóides na frenética busca de um óvulo à fecundar, fecundou! Viu o embrião crescer, e sem a menor compreensão, se tornou esse feto sendo expulso do quente e confortável ventre materno. Ele também foi a semente, escondida no útero da terra que, começa a mutar, eclodir, crescer...

Sentiu saudades da mãe, das mães, e chorou!
Chorou copiosamente, na certeza de que ele também era parte da criação. Que tinha seu papel na teia que formava o TODO. Que também ele, por vir da mãe, era parte da mãe. Sentiu-se na noite escura, na qual, sobre a luz da lua cheia podia vislumbrar sua sombra, mesmo que ainda difusa, já que a luminosidade prateada desta lua trazia ainda um conforto materno do qual a muito tinha se esquecido.

Limpou suas lágrimas e ao desanuviar os olhos marejados na tentativa de ver a face da Senhora... Ela se tinha ido!

Sentou-se a beira do caminho para pensar. Depois das duas aparições repentinas que tinha tido contato, não sentia mais vontade de continuar sua jornada. Queria imortalizar aqueles momentos. Sentia todo amor que seu espírito podia sentir pelos criadores e suas criaturas. Pelas mães e filhos!

Mas seu caminho ainda era longo e ele sabia que não poderia parar até chegar ao final daquela estrada.
Levantou-se, respirou profundamente e continuou sua jornada.

Ao descer o morro, estranhou a repentina escuridão.. Uma tênue luz iluminava seu caminho, agora tortuoso. Olhou para o céu, buscando talvez a nuvem que poderia ter encoberto a luz da lua cheia. Deparou-se com um fino traço de Lua... uma minguante. Não conseguia entender o que se dava com a Lua naquela noite. Ao olhar para o chão, vislumbrou sua sombra, majestosa, estendendo-se bem maior que seu próprio corpo e acompanhou-a tentando visualizar seu fim. Foi quando, no final da sombra, se encontrava uma velha.

A velha estava vestida com uma túnica negra, toda decorada com pequenos ossos de prata. A veste era tão negra quanto sua própria sombra. Mais uma vez, no alto da cabeça coberta por um véu, que não permitia a menor visualização do brilho de possíveis olhos por detrás, uma tiara portava a imagem em prata do filete representativo da minguante.

A senhora, curvada pelo peso da idade, ou do conhecimento que cultivara com a mesma, agarrou seu braço com firmeza. Ele vislumbrou dedos carcomidos pela idade, quase ossos, mas a pressão sobre seu braço era insuportável, dolorosa.

-Que queres de mim anciã?

Ela respondeu com uma voz que parecia sair de todos os lados:

-Levanta meu véu e descubra!

E ele, sem entender o motivo do medo que se abatia sobre seu espírito, trêmulo obedeceu.

Pela terceira vez naquela noite, foi invadido de visões. E ele viu tudo o que lhe faltava. Viu sua sabedoria crescendo, seus amigos e entes queridos morrendo, viu a velhice. Transformou-se no elefante que, pela idade avançada procurava um bom local para morrer. Ele sabia tudo, conhecia todos, era repleto da sabedoria universal. Por último, encontrando o bom local para morrer, ele morreu.

Sobressaltado ele abriu os olhos.

O dia raiava, o Sol começava sua trajetória no azul celeste.

Ainda tonto pelas últimas visões que tivera, apurou a visão e vislumbrou o final da estrada. Sem pensar em mais nada, disparou numa frenética corrida ao final da mesma.

Chegando a seu destino, sentou-se. Mais uma vez vislumbrou em sua mente todas as 3 experiências que tivera naquela noite.
Levantou-se, virou-se para trás e no alto do morro vislumbrou as 3 mulheres de mãos dadas olhando em sua direção. De alguma forma ele sabia que as 3 eram 1 só. E também agora, tinha a certeza de que sua estrada não era tão solitária assim.

Limpou a poeira de suas calças, tomou uma respiração profunda e descobriu um novo caminho ao final do primeiro.

Sorriu e pôs-se a andar seguro de seus passos.

Fabiano Jacob