sábado, janeiro 05, 2002

Hoje comecei o dia saudada pelas gracinhas da minha cachorra, linda, pretinha, um bicho que nos fixa, o olho no olho, parecendo mesmo entender nossas palavras, sentindo a vibração do nosso amor, dos nossos sentimentos.
Cheguei agora, e em frente à minha casa uma dúzia de gatos, de todas as cores, passeavam displicentemente pela rua. Ao todo são 72, vivem na minha vizinha, uma São Francisco de Assis de saias, uma pessoa rara. Ignoraram o barulho do carro e meus passos no silêncio da noite, como se o movimento externo fosse o grande intruso em seu território. E parece que hoje os animais resolveram mesmo dar o ar da graça e enfeitar o cotidiano nublado que cerca a cidade, com suas façanhas, gracinhas.
Visitei meu irmão, que possui dois bichões enormes: Chuck e a Hanna. Ele, um fila de três anos, rajado, parece uma fera, um tigre. Territorial, só deixa que as pessoas conhecidas entrem, os estranhos nem ousam chegar perto do muro. Como reconhecimento, dá aquela cafungada famigerada nas partes baixas de todos, inclusive em mim. Ela por sua vez é uma dog alemão maravilhosa, altiva, toda negra, olhos amarelos profundos. Meiga, dócil, impõe respeito pela majestade, mas é uma verdadeira criança com todo mundo. Se abre e se dá para todos, inclusive os desconhecidos. De braba é só o semblante..
Os animais e seu amor puro, sem pedir retribuição.
Certa vez quando trabalhava para um jornal local, o príncipe, dono do veículo de comunicação, contou-me que uma de suas cadelas favoritas havia fugido, já que alguém havia esquecido o portão aberto. Após oferecer recompensa e pôr um anúncio no matutino, obteve uma informação de que o animal encontrava-se num determinado ponto da cidade. Partiu para lá na mesma hora, carregando consigo um segurança e uma arma, um 38. Chegando no local, invadiu a casa, pulou o muro, abriu o portão e levou a cachorra, no peito e na raça. Ninguém viu ele entrar e nem sair. Voltou para casa satisfeito e vitorioso, dizendo a todos que havia recuperado o bichinho de estimação.
Entrei na sala dele ao fim do dia para passar um fax e ele virou pra mim e perguntou: Ana Lucia, você gosta de cachorros?
E eu, respondi: sim, adoro! Muitas vezes eles são melhores que os seres humanos.
Ele abriu um sorriso tal, que seus olhos azuis pequenos ganharam um brilho maior, e retrucou: sabia que eu gosto mais dos meus cachorros do que dos meus filhos?!
Meio atônita, argumentei: pois é, eu imagino que você deva ter os seus motivos.
Ele: é tenho mesmo. Meus cães me dão só alegria e não tem interesse em nada. Me amam pelo que eu sou. Meus filhos, querem exatamente o que eu tenho materialmente. Por isso, prefiro meus animais.
E ficamos assim, um olhando para o outro. Eu compreendia perfeitamente o que ele dizia. Um homem cheio de poder, sob o peso do nome, da história, mas que trocaria toda a glória mundana pela alegria da pureza do afeto de um animal.