quinta-feira, janeiro 17, 2002

As áreas de experiência mais interessantes e importantes para nós são exatamente aquelas às quais estamos resistindo, as que estamos evitando, pois são elas que faltam à nossa consciência e nos impedem de sermos ‘saudáveis’. Só podem nos perturbar os princípios que forem capazes de nos atingir ‘de fora’, pela razão de não os termos podido integrar ‘dentro de nós’.
Neste ponto deve estar claro que, na realidade, não existe um meio ambiente que nos modela, nos influencia, nos faz ficar doentes: ao contrário, o mundo ‘exterior’ serve como um espelho em que tudo o que vemos somos nós mesmos, especialmente a nossa sombra, para a qual, não fosse isso, estaríamos interiormente cegos. Acontece com a nossa psique, para a qual somos parcialmente cegos, pois só podemos captar sua parte que nos é invisível (a sombra) através de sua projeção ou reflexo no ambiente denominado ‘mundo exterior’. O reconhecimento depende, em suma, da polaridade.
Nossa sombra nos infunde medo. Isso não deve causar surpresa, pois na verdade ela consiste em todos aqueles aspectos da realidade que afastamos o mais possível de nós, que menos desejamos viver ou até mesmo descobrir que existem em nosso íntimo. A sombra é tudo aquilo que estamos profundamente convencidos ser necessário expurgar do mundo para que este seja bom e íntegro. No entanto, acontece justamente o contrário: a sombra contém tudo aquilo que o mundo, o nosso mundo, mais precisa para sua salvação e cura. É a sombra que nos torna doentes, portanto, não saudáveis, porque ela é a única coisa que está faltando para nosso bem-estar.
O tema da lenda do Graal é exatamente este.
O rei Anfortas está doente – ele foi ferido pela espada do amigo negro Klingsor, ou, em outras versões, por um pagão ou até mesmo por um adversário invisível. Todos esses personagens são símbolos evidentes da sombra de Anfortas – seu oponente invisível aos próprios olhos. É sua sombra que o fere, e por si mesmo ele é incapaz de se curar, pois não ousa tentar descobrir a verdadeira causa de seu ferimento. A pergunta imprescindível seria ele questionar-se quanto à natureza de seu mal. Como não está preparado para travar essa luta, o seu ferimento não pode sarar. Ele espera um salvador que tenha a coragem de fazer a pergunta curativa. Parsifal tem a disposição para esta tarefa, pois como o seu nome diz, atravessa a polaridade bem/mal e, desta forma, conquista o direito legítimo de fazer a pergunta salvadora, a pergunta que cura: ‘O que lhe falta, meu tio?’ A resposta é sempre a mesma, tanto no caso de Anfortas como no de qualquer paciente: ‘A sombra!’. Também em nosso caso pessoal, a mera formulação da pergunta acerca do âmbito escuro do ser humano já tem um efeito curativo. Em seu caminho, Parsifal confrontou com coragem sua sombra e desceu às profundezas de sua alma, até maldizer Deus. Quem não temer esse caminho através das trevas finalmente se tornará um autêntico curador, um salvador. Todos os heróis míticos precisavam lutar com monstros, dragões e demônios, inclusive até com o próprio inferno, caso quisessem tornar-se sãos e curadores.
A sombra nos deixa doentes, o encontro com a sombra nos faz sarar!Essa é a chave para entendermos a doença e a cura. Todo sintoma é um aspecto da sombra que se precipitou para o corpo físico. É no sintoma que se manifesta aquilo que nos falta. É no sintoma que o homem vive aquilo de que não quis tomar consciência. O sintoma usa o corpo como um instrumento para fazer a pessoa tonar-se outra vez um todo. Trata-se do Princípio da Complementação que cuida para que, em última análise, não se perca a totalidade. Se uma pessoa se recusa a viver um princípio em sua consciência, esse princípio desce para o nível do corpo e aparece então como sintoma. Dessa maneira, a pessoa é obrigada a viver e, a despeito de tudo, a manifestar o próprio princípio que rejeitou. É assim que o sintoma providencia a totalidade do indivíduo, ele é o substituto físico do que falta à alma.
(autor desconhecido)