sábado, novembro 30, 2002

"Eu sou Sagitário, meio homem, meio animal. Minha natureza jupiteriana não entende a sofisticação das mulheres de Touro. Nós gostamos das coisas simples, ao natural, carnes cruas, frutas. Somos no amor uns pobres intuitivos.Sempre temos dificuldades ao confrontar a aristocrática atitude das mulheres de Touro. Estas não gostam de ser forçadas a fazer as coisas, e reagem aos desafios com incrível vigor. Uma mulher desse signo não pode ser mudada. Sua personalidade é forte, ela sempre faz o que bem entende, sem sofrer influências de ninguém. Que loucura minha querer forçá-la a posar para mim!
Nós, de Sagitário, somos irresistivelmente atraídos pela voluptuosidade das mulheres de Touro. Nossa sensualidade instintiva é influenciada pela refinada passionalidade sexual das taurinas. Está acima de nossas forças. Ainda ontem, numa entrevista miraculosamente obtida por um amigo, estive com o misterioso professor Khaiub. Fui levado de olhos vendados. Prometi que nada diria sobre o professor. Apenas isso, a última frase dele: O Sagitário não desiste, ele quer ver. O Touro não cede, ele quer ter. "

Rubem Fonseca em O Casol Morel.


quinta-feira, novembro 28, 2002

CINTILAÇÕES

Um suspiro seguido de espasmo e ela se lembra das palavras dele na última carta:
Palavras dirigidas a mim! Foi assim que pediu.
Folheou o caderno, releu o passado, pensou no presente, ele andava ausente.
E ela também. Algo novo surgia e construía um forte alicerce.
Outros caminhos que se abriam lentamente dia-a-dia.
No entanto, não conseguia ver seriedade nas coisas que ia falando e escrevendo.
No íntimo continua uma menina rebelde e moleca, peralta.
Daquelas que espreitam atrás da porta para ver o circo pegar fogo.
Adorava ver os adultos histéricos discutindo quem era o culpado daquilo.
Ela nunca foi pega. Sempre deu seu jeito de escapar.
Agora, mulher, ainda não havia amadurecido o esperado.
O esperado pelos outros.
Contudo, continua adorando jogar, ver até quando o blefe continuará.
Espírito destemido, aventureiro e livre. Assim é ela.
Como o vento, impossível de ser capturada, presa, domada.

quarta-feira, novembro 27, 2002

DAS IMAGENS



Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras. Em parte concordo, mas jamais descartaria o poder da palavra, como alguém me disse um dia. Palavras constroem universos, imagens, sensações, dor, alegria e prazer.
Já tive retorno nesse sentido, normalmente não nos comments colocados abaixo dos textos. Os comentários mais profundos chegam por email, em desabafos, concordâncias, anuências, sentimentos na mais inacreditável extensão que as letras possam configurar.
E eu já contei aqui que existem imagens que me arrebatam: faz sentir saudades, faz ter vontade de reativar velhas idéias de páginas só de instantâneos guardados aqui na gaveta, das praias, pores de sol, sombras refletindo a hora do crepúsculo. Belezas capturadas num instante, num lapso, no exato segundo que a sensibilidade se junta à natureza e produz imagens indescritíveis, pois, as palavras parecem poucas ou sem força para dizer o que a imagem constrói e produz.
E pensando nisso, eu roubei da página dele esse arco-íris glorioso, registro singelo das suas muitas andanças por esse nosso imenso Brasil. É capaz de surrupiar a beleza no seu ápice, como essa imagem clicada no Centro-Oeste. Há outra moça, Adriana Paiva, em seu Foco Seletivo ou Périplus a armazenar a silhueta dos grandes mestres. Para eles esse post, para os incansáveis e sensíveis fotógrafos do cotidiano, da vida e da arte.

terça-feira, novembro 26, 2002

CAMILLE CLAUDEL



Entrego-me a estética que arrebata pelas linhas e contornos.
Da arte, sinuosa e borbulhante, nascida de visionários que habitavam o início do século XX.
Perfeição na construção de formas, músculos, veias, tendões e ossos: o corpo humano retratado em sua minuciosa geografia. Estátuas de contornos irretocáveis, esculpidas em pedra bruta, suplantando o desenho, a pintura ou até mesmo a fotografia. Cores e tintas parecem artifícios ínfimos diante da suntuosidade, da majestade das esculturas.
Como Deus, Rodin e Camille Claudel, imortalizou as formas orgânicas, dando calor ao frio do gesso, mármore, barro e até ônix. Por meio de catarse produtiva ela construiu corpos em 3D, do âmago resgatou amor, extraiu prazer e colheu os infortúnios do fim do relacionamento com Rodin. O conjunto de sua obra reflete êxtase e dor.
O talento era tanto que suplantava em genialidade as formas criadas por ele. Rodin, um mestre; Camille, a figuração mortal do Olimpo. Só deuses poderiam criar como ela. Não pelas técnicas, mas pelo arrebatamento percebido em cada peça, pelo frenesi transposto para as esculturas construídas em relevo e sensibilidade.
Tão transbordante em energia que poderiam até falar, remetendo-me ao que Michelangelo fez ao terminar seu Moisés, cuja perfeição salta aos olhos. Ensandecido, diante de tal criação, teria pegado o talhe e o martelo e dado um golpe no joelho da estátua, gritando em seguida: parla!
Na enciclopédia encontrei apenas uma notinha referente a sua existência como discípula de Rodin. Entretanto, o filme Camille Claudel narra sua história, a paixão incentivadora do pai, o amor espiritual e incestuoso do irmão Paul, a vivência do amor tórrido ao lado de Rodin, às peças produzidas desse encontro de almas.
O seu fim foi trágico, como era naquele tempo quando as histórias de amor desafiavam os costumes da época. A degradação física e psicológica comprometeu sua sanidade levando-a a ser internada e morrer depois de trinta anos de tratamento num hospital psiquiátrico.


segunda-feira, novembro 25, 2002

Eu já observei os bonitos FanArtes que ela andou produzindo para os blogs que achou por prazer retratar. Sob o olhar atento fez do meu infinito sua luneta e criou essa imagem aí, embaixo, presenteando-me com delicadeza. Daqui miro o que não precisa de céu e espaço, pois como já dizia Aleister Crowley: 'Todo homem e toda mulher é uma estrela'.



sexta-feira, novembro 22, 2002

JOANA D'ARC

Ontem assistimos a uma das versões da história de Joana D’arc, numa pequena projeção lá no GCE, com comentários posteriores de Karroiz e da própria Joana. Confesso, diante de tal espírito, de brava e iluminada alma, me recolhi à minha insignificância, mas, por outro lado, pensei o quão forte somos e quão diminutos nos colocamos tantas vezes. Escrevendo agora lembrei de uma frase que me foi dita por um espírito, numa determinada fase da minha vida: “Tudo está em nós e depende de nós”. Muitas vezes nos esquecemos de nossas potencialidades, dos dons e habilidades que nos foram outorgados nesta vida. Entretanto, a imagem de Joana está aí a mostrar a todos que tudo é possível desde que sigamos com fé e coragem.
É admirável o que pôde fazer uma camponesa, analfabeta, imbuída de desígnios divinos, enfrentando tantas batalhas, inclusive as interiores, a relutância do próprio pai. Vencendo não só aos bourgões ou aos ingleses, mas vencendo a falta de fé do próprio povo e ao fim conseguindo seu intento: a unificação do país. E o mais importante, ensinando e exemplificando através de atos, o que o rei Carlos VI, deveria se tornar mais à frente como governante da França.
A espada encontrada na pequena igreja de Santa Catarina e com a qual comandou os exércitos franceses, pertenceu a Jean Marcel, um bravo guerreiro francês que morreu lutando e defendendo sua pátria. Joana havia sido instruída por Santa Catarina a buscar dentro daquela gruta a espada e foi assim que a encontrou. Karroiz contou que além de Santa Catarina, Santa Margarida auxiliou Joana espiritualmente. E sublinhou ainda o constante apoio de São Miguel, hoje conhecido na espiritualidade como Astarsheran, em toda a trajetória terrena da moça.
No filme há alusão a existência do profeta Merlim. Karroiz afirmou que o mago existiu e teve a visão da Virgem de Lorena que surgiria para libertar o povo francês do jugo inglês. Karroiz falou muito pouco sobre ele. Confesso que essa figura lendária, os celtas e druidas, é tema que já me fez debruçar horas lendo enciclopédias e livros a procura de mais informação.
A platéia ainda fez mais algumas perguntas a Joana. Ela garantiu que em momento algum derramou uma gota de sangue dos inimigos, não participando dos confrontos como guerreira da espada, mas demonstrando sua força através das palavras que proferia junto ao exército francês. Quanto às torturas, psicológica e física, empreendidas pelos bispos e padres da igreja, Joana afirmou que não foram mostradas em sua totalidade em nenhuma das películas até hoje feitas sobre sua história. Perguntei a ela quantos anos tinha na ocasião e ela respondeu ter dezesseis. Uma menina. Uma menina de alma guerreira. Explicou que como espírito hoje há uma consciência individual, entretanto a vivência como Joana é muito forte e presente dentro dela. Tanto assim o é que os videntes a viram, como normalmente a vêem, vestida com armadura e espada.
Joana D’arc é símbolo de coragem e fé. Pureza não só de corpo mas de alma, veracidade de sentimentos que a conduziu em sua luta por um ideal, através de missão orquestrada pela espiritualidade. É divisória histórica, sem dúvida mito e exemplo a todos os povos, não só aos franceses. Karroiz usou a seguinte frase para definir a trajetória de Joana: “A fé consubstanciou os atos de coragem”.

quinta-feira, novembro 21, 2002

Faça-me grande, dê poderes:
Destemida, Amazona, aprendiz de feiticeira.
Faça-me sua, seu amor:
Observe o tempo certo e adube com delicadeza.
Faça-me jóia, preciosa, única:
Use a ternura quando necessário,
Mas não esqueça do ar de paixão.
Faça-me uivar, sibilar, jorrar:
Fonte, água doce.
Contudo não me torture numa prisão,
Não me cobre o que não posso dar e,
Principalmente, não espere o que não vou ser.
Não macule, não espete, não faça sangrar novamente...

quarta-feira, novembro 20, 2002

PAIXÃO S.A.

É como desembrulhar um presente, a expectativa a cada segunda-feira para saber o que ele vai postar. E eu, religiosamente, leio os textos que ele publica no Perciperias. É quase um sacrilégio roubar um parágrafo, mas, como não resisto, colo aqui, hoje, esse pedaço de Paixão S.A, vale a pena, lógico, ler esse e todos os outros textos na íntegra:

"O restaurante, o filme, os livros, a cicatriz na testa. Até o gel. Tudo isso era pra você se apaixonar e você não percebeu. Se beijo fosse como aquele chocolate, o marketing pessoal de cada um seria cada vez mais competitivo e insuportável. Amor viria embrulhado em alumínio e celofane. Contrataríamos designers para criarem logotipos para as nossas intenções, outdoors das nossas paixões na marginal do Tietê. Pense no nosso sexo. Pense no estado em que deixamos o mundo. Pense no seu andar atrás das coisas que custam uma fortuna. É confusão ou identificação? Um dia esquizofrenia será uma febre. Aguarde, todos vão querer fugir. Será que numa ilha deserta o número atômico do ouro é 79? Chocolate pode ser a quarta causa do caos mundial. A revista Caras, a quinta. Pense em como é fácil pular do vigésimo, mas não pule. E não pare nunca de comer chocolate. Porque paixão também vicia e engorda".
Victor Carbone

terça-feira, novembro 19, 2002

A CASA 8

Muita gente entra aqui e pergunta o que vem a ser Lemniscata. Entre os diversos significados que já encontrei, hoje, lendo a Constelar, me deparei com o artigo sobre a Casa VIII na Astrologia e que fala um pouco do símbolo do infinito, a idéia primeira desse blog: a liberdade, o vento, o ir e vir. A casa VIII representa o signo Escorpião, a morte, a transmutação. Então, colo, abaixo, o excelente texto de Benedito José Paccanaro:

"Dentre os significados atribuídos à Casa 8 exploraremos os ritos e iniciações e suas conotações com a morte e transformação, enfoques determinantes desta casa. A Casa 8 é de certa forma uma casa de ligação, intimidade e principalmente do mais íntimo - o ato sexual. Veja que o próprio algarismo (8) representa um entrelaçamento, uma união que denota a vivência íntima dos desejos e apetites sexuais. Se colocarmos este algarismo na posição horizontal, teremos o símbolo do infinito, da eternidade. A Casa 8 aponta para este além, para outra perspectivas e visões de vida e da própria noção da existência.

Os ritos de iniciação comportam torturas físicas e psicológicas; provas de fogo que, em sua essência, são coroados por um ritual de morte e ressurreição simbólicas.

Nos povos primitivos a passagem ritualística era algo terrível, o neófito era suposto ser engolido por um monstro, enterrado vivo, perdido na floresta noturna que em essência representava a descida aos Infernos. Essa experiência aos olhos do neófito era indispensável ao nascimento de um homem novo, regenerado. Toda iniciação é uma morte e uma ressurreição ritualística, um acesso a um novo modo de ser e de ver a própria razão da existência humana.

As sociedades antigas valorizavam, e muito, as iniciações, principalmente a passagem para a idade da adolescência. Algumas tribos indígenas brasileiras submetem os jovens a rituais de muita coragem, como colocar o braço em uma formigueiro terrível. O próprio casamento pode ser considerado um rito de passagem quando os nubentes deixam seus pais e a vida de solteiro para iniciar a dois uma nova jornada.

Os rituais de iniciação envolvem mistérios, como na passagem de graus de certas ordens esotéricas, configurando atributos inerentes à Casa sobre a qual tecemos considerações.

A colocação dos ritos e rituais, principalmente de passagem, sob a égide da Casa 8 tem estreita e profunda ligação com o sentido de morrer e renascer, talvez purificados, ou para uma nova vida.

Morrer é morrer! Não se tem volta, assim o neófito, quer queira ou não, morre. Agora, o que fará com sua nova vida é outra coisa. O sacerdote investido no seu poder religioso nunca deixa de ser padre - será padre sempre, porém podendo ser limitado ou impedido de suas funções normais.

Cristo no seu ritual cosmológico sofre, é torturado, sob o peso da cruz e ressurreto no terceiro dia. O neófito torturado, atormentado, sofre as dores dessa morte, mas sabe que se elevará em nova vida, pronto para deixar o velho estilo de vida e ingressar noutro mundo, é um verdadeiro nascimento místico. A várias provas pode ser submetido, como jejum prolongado, reclusão etc.

Às vezes se atribuem aos neófitos outros nomes que serão novos nomes, já que é um renascido e regenerado. A iniciação se reveste de mistérios tais como a própria morte em si, mas fundamentada no nascimento espiritual, na regeneração de uma nova forma de vida. Os sofrimentos, tanto físicos como psicológicos, são comparados às torturas, que podem ser outro aspecto da própria iniciação: a doença, como uma grande provação.

A regeneração espiritual, tanto nas iniciações da puberdade como nas associações secretas, forma um círculo fechado no interior do clã ou da associação, como o número 8 representa. O mistério da regeneração espiritual comporta um processo arquetípico, que se realiza a níveis diferentes e em inúmeros contextos. Ocorre sempre que precisamos pôr de lado um modo de ser para adotar outro, de natureza superior, ou, em linguagem mais sutil, uma transmutação do espírito.

A morte iniciática vai além da condição profana e sim rumo aos mistérios, ao místico, à verdadeira cosmologia universal. Sob o mistério da iniciação descobrem-se as verdadeiras dimensões da própria existência física, introduzindo o novo ser a um encontro com o sagrado, o mistério inefável.
As provas iniciáticas nas sociedades secretas comportam o mesmo ritual simbólico da morte e renascimento para uma nova vida em comunhão com os demais irmãos ou integrantes. Também o cabelo raspado tem referência com o desprendimento do próprio ser que nao se prende à vaidade e amor-próprio unicamente.

A tortura, o sofrimento é também uma expressão da morte iniciática, a tradição cristã chama às vezes essa tortura de "tentação".

Em vários rituais o aspirante é separado da familia e colocado em isolamento, na floresta no caso de sociedades mais primitivas. A floresta é um símbolo de morte, de trevas. Em certas regiões na selva há uma cabana iniciática, que representa o ventre materno. A morte iniciática representa uma regressão ao estado embrionário não só em termos fisiológicos, mas em termos cosmológicos, um regresso ao modo virtual, ao passado distante e arquetípico.

Alguns rituais trazem o simbolismo da morte iniciática - os candidatos, em certos povos, são enterrados ou deitados em túmulos cavados, ou são cobertos por ramos e ficam imóveis tal como um verdadeiro morto.

A própria menstruação era considerada uma iniciação, o início de uma nova vida para as meninas. Em certa regiões é na iniciação que se aprende a arte de fiar, as danças, canções e outras práticas.

Os ritos iniciáticos são uma via para abolir a duração temporal, a existência histórica e reintegrar a situaçao primeva que representa uma união ao estado germinal. Assim, a Casa 8 dos ritos e iniciações nao corresponde só e unicamente a morte física - e sim outras dimensões de morrer e renascer redivivo".

segunda-feira, novembro 18, 2002



Na mudez e na quietude minhas passadas ecoam.
Avançam em movimentos lentos, largos, sincopados,
Nada além dos ruídos externos que não atingem o ser.
Cá é espaço vazio para ressonâncias do pensamento.
Uma caixa, um cubo, paredes brancas, pálidas,
Não há entradas e nem mesmo saídas.
Não existe som na boca, os ouvidos foram cimentados:
Colaram as palmas para não desgrudarem,
Calaram o assovio, o estalar de língua e dedos.
Infinito cômodo onde se propagam divagações no silêncio.

sexta-feira, novembro 15, 2002

ENCONTRO DAS ÁGUAS

O velho rio encontra o mar.
Fusão doce e salgado, suavidade e força.
Dualidade, díspar, dois,
Agora um.

quinta-feira, novembro 14, 2002

Ia deixar só o Castelo de Areia, mas vasculhando o site meter, sempre ele, descobri que nossa amiga Ana Maria criou o Entrelivros. Já adicionei o link aos fractais e espero que ela retorne também ao Udigrudi, o primeiro filho que a levou a tantos outros. Grãos de areia construindo outros castelos...

CASTELO DE AREIA

"Um fio sutil
de sonho desperto,
ergue os grãos dispersos
por todos os lados quebrados
pois, sozinhos não suportam o tempo
se desfazem ao vento"

Guilherme Borges



quarta-feira, novembro 13, 2002

MISSIVA

O vi como as fases da Lua. Da cheia à minguante, promovendo variações aquáticas corporal e planetária. Dessa enchente que turbina nosso corpo quando cheia, nos leva ao ápice do movimento, da maré cheia e também do movimento orgânico; para a diluição completa quando minguante. Somos cíclicos, largamos a pele feito cobra para que outra nova ressurja; como muda de passarinho que depois cobre-se de tenra plumagem. Vivemos nos travestindo por meio das camuflagens sociais, interiores, artísticas, não importando quando elas são usadas. Entretanto, essa ação cansa. E nos perguntamos quem somos afinal. De que material consiste essa alma cheia de personagens e aspectos míticos. E o guerreiro chega em casa e despe-se da armadura, deixando-a um canto da sala. Ali ele passa a homem comum, mortal sem escudos, sem o peso de defender a honra, a vida, a sua tribo, o seu pedaço de chão. Nessa hora é como todo mundo, independente do espaço que ocupa na Terra.
E o tempo, esse que medimos com horas, é ilusão. Uma convenção que nos dita regras, estabelece códigos, modula padrões. Sinto-me atemporal, sem nenhum vínculo terreno. No máximo um envolvimento de alma com a mãe e irmão. E, ainda assim, sei que vou encontrá-los num outro lugar, muito melhor do que o aqui e o agora. Sempre me vi como um véu voando ao léu, como em Beleza Americana, quando o saco plástico desliza, se confunde, se atrita e se esfrega nas folhas secas, promovendo um balé lindamente fugaz...tal qual a vida.
Contudo, o amor, esse rompe dimensões, transcende à razão e a qualquer explicação que nossa mente ouse criar. Renascido, nato ou morto, sempre existirá e viverá nesse ou em outro padrão, transmutando seres, aliciando a consciência que vibra nesses milhões de focos espalhados por todo o universo físico e imaginário.


segunda-feira, novembro 11, 2002

CRAVO


Move-se e encontra cravo: flor, metal ou especiaria?
Investiga e descobre que é código usado para ludibriar desconhecidos.
Ruidosamente mastiga a maçã e familiariza-se com suas preferências.
Acompanha mergulhos e golfinhos tatuados. Água salgada, água de Câncer.
Gótico, lúgubre, o inconfessável que existe em cada coração, o oposto dele.
Empresta forma ao diálogo e constrói pores de sol digitais.
Movimenta a infância, lembra de tubarões e confessa o medo.

Descreve a falta de perigo. Propõe cidades e acampamentos, convida.
Ele é geólogo, quer publicar um livro. Ela ensina o caminho das pedras.

Infinidade de números convergem ao contato, aproximação.
Risadas diante do que diz não ser miragem.
Cancela a conexão, fecha as janelas, aperta o botão.


sábado, novembro 09, 2002

"Morrer, dormir,
dormir, talvez sonhar, desejou Hamlet...
O sonho move o homem.
Idealizar o paraíso, criar uma ficção tão real
que nos proponha subverter a vida e,
mesmo depois de mortos,
realizarmos os sonhos que foram sonhados
enquanto estávamos vivos".

Dylza Freitas

sexta-feira, novembro 08, 2002

ESCORPIÃO

Terminei, enfim, Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, depois de algumas semanas de parada forçada consegui chegar a última folha. E entre as muitas fugas do personagem principal, nesse romance policial, Rubem Fonseca explora a faceta de um dos animais peçonhentos que mais causa pavor nos seres. E, confesso, a analogia entre o signo e o bicho, acabou por produzir reflexões:

O escorpião é um solitário, o mais misantrópico dos animais, só se aproxima do seu semelhante para foder ou para lutar até a morte.
[...]
Eu já vira vários acasalamentos daqueles meus perigosos amigos. O macho, que é mais esbelto e tem uma cauda mais longa, fazia naquele instante sua corte, segurando duas das garras da fêmea e esfregando sua cauda ereta na dela. Então começaram a copular. Eu sabia o que ia acontecer, tão logo a fornicação acabasse. A fêmea mataria o macho, caso ele não conseguisse fugir, o que era muito raro, e depois iria devorá-lo, ou melhor, sugá-lo. Os escorpiões matam sua presa, ferindo-a e inoculando-lhe uma neurotoxina que causa um envenenamento parecido com a estricnina. Em seguida injetam nos ferimentos que causaram umas enzimas digestivas, que fluidificam o tecido interno da presa. Após o que, sugam-na até deixá-la apenas um invólucro seco.
[..]
Os escorpiões podem ter até doze – doze! – olhos, e quem tem tantos olhos assim tem que ser muito perspicaz.”.


Vale dizer que o escorpião é um animal de palpo desenvolvido em forma de pinças, de pós-abdômen afilado numa cauda capaz de curvar-se sobre o dorso e terminada por um ferrão venenoso. Respira unicamente por pulmões. Vive em regiões quentes e áridas, ao abrigo da luz. Alimenta-se de pequenas presas caçadas durante a noite.
Na Astrologia, o signo gráfico de Escorpião lembra o de Virgem: é um M cujas duas primeiras hastes representam as garras do animal, e a terceira, voltada para cima, a cauda. Assim como o M de Virgem está tradicionalmente relacionado à palavra ‘mãe’, o de Escorpião está ligado à letra rúnica Mannaz, que simboliza o arquétipo do homem. Nesse sentido, o significado profundo do signo é o Homem, visto na sua condição de ser mortal e representante do gênero masculino. Em Escorpião, completa-se o caminho da vida, iniciado em Áries, e os signos seguintes correspondem às etapas que todo ser humano ainda tem de percorrer depois da morte, antes de chegar à paz definitiva, em Peixes.







quinta-feira, novembro 07, 2002

FANTOCHE

Na noite onde tudo se transforma, alguém aparentemente adormecido, acorda. Mostra a faceta escura, sombria e se diverte.
Encontra eco no outro: domina, subjuga.
E quanto mais pede, mais tem. Quanto mais dói mais deseja. E parece interminável o estado de controle e êxtase.
Sob a festa pagã ele entregou-se, sucumbiu, abandonou os sentidos. E ela com as longas madeixas negras, a vestimenta reluzente, articulou uma alegoria, fantoche, boneco virtuoso.


quarta-feira, novembro 06, 2002

PORTA-JÓIA

Eu a conheço já alguns anos e nosso contato nem sempre foi amistoso e amigo. Com o tempo, através dessa amiga em comum, conheci uma outra que estava escondida, uma outra que eu não via.Talvez porque eu não tivesse ‘olhos para ver’, apenas mirava socialmente o que se apresentava à minha frente. A sensibilidade não ultrapassava os limites das palavras proferidas no calor dos encontros fortuitos e sem profundidade.
Acontece que a vida é sempre cheia de surpresas. E, ela sempre faz os seus caprichos, nos levando ao encontro daquilo que deve acontecer, verdadeiramente. A minha vida sempre faz das suas. Não é que nos encontramos, não socialmente, mas na casa dela, me levou até seu quarto, me mostrou várias fotos de Paris, bebemos um champanhe também da Cidade Luz, vi fotos, cartões, bilhetes, compartilhei de sua intimidade. Pedi desculpas pelas vezes que eu poderia ter sido mais doce, mais amiga e mais sem armaduras e proteções. Ela aceitou, com seu enorme sorriso e coração. Me acolheu e eu a acolhi também.
Passaram-se anos, eu acho, vi quando ela conheceu seu amor. Ela se interessou, ele se manteve na retaguarda. Mas, a vida sempre costurando finais felizes os uniu mais à frente. Hoje, depois de anos vivendo juntos, casados, ela escreveu sobre o estado ‘porta-jóia’. Imagino, cá com meus botões, que ela será perfeita como mãe, mesmo que o manual não venha junto com o bebê.
E o meu desejo é que esse neném seja como eles: como ela e como o pai, pessoas formidáveis, especiais e muito queridas.
O Estado de Graça dela está aqui.

segunda-feira, novembro 04, 2002


NÃO ME DEIXES

Devemos esquecer
Tudo que pode ser esquecido
Que já tenha passado
Esquecer os tempos
Dos mal-entendidos
E os tempos perdidos
Tentando saber como
Esquecer as horas
Que às vezes mataram
Com sopros de porque
O coração de felicidade
Não me deixes

Eu vou te oferecer
Pérolas de chuva
Que vêm dos países
Onde não chove
Eu vou cavar a terra
Até a minha morte
Para cobrir teu corpo
De ouro e luzes
Eu farei uma terra
Onde o amor será rei
Onde o amor será lei
Onde tu serás rainha
Não me deixes

Não me deixes
Eu inventarei
Palavras sem sentido
Que tu compreenderás
Eu te falarei
Sobre os amantes
Que viram duplamente
Seus corações incendiarem-se
Eu te contarei
A história deste rei
Morto por não poder
Te reencontrar
Não me deixes

Nós freqüentemente vemos
Renascer o fogo
Do vulcão antigo
Que pensamos estar velho demais
Nos é mostrado
Em terras que foram queimadas
Nascendo mais trigo
Do que no melhor abril
E quando vem a noite
Com um céu flamejante
O vermelho e o negro
Não se casam
Não me deixes

Eu não vou mais chorar
Eu não vou mais falar
Eu me esconderei lá
Para te contemplar
A dançar e sorrir
E para te ouvir
Cantar e então rir
Deixa que eu me torne
A sombra da tua sombra
A sombra da tua mão
A sombra do teu cachorro
Não me deixes

Ne Me Quitte Pas
(Não me deixes)
Jacques Brel / Maysa




domingo, novembro 03, 2002

NOVEMBRO


Outubro despede-se e reluz Novembro.
Em breve, verão.
Sinônimo de leveza, transparências, pés de fora, corpos morenos tomados pelo astro rei. Momento de reflexo dourado no azul e nada de nuvens no horizonte.
Matizes do crepúsculo: magenta, ouro e rubro.
Encontro das águas: bebemos mais, banhamos mais.
Intercalamos calor e gelo, mistura, saliva quente e sorvete derretendo.
Consagração ao sol.