sábado, dezembro 31, 2005

2006



Que o próximo ano seja fluido como o bater de asas,
num vôo solo pela atmosfera colorida,
transformando o estagnado e permitindo uma nova vida.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Ela se desfez dos últimos pertences.
Os deixou lentamente sobre a cômoda.
Despiu-se do leque, das luvas e da roupa dourada.
A lingerie também era do mesmo tom.
Gostava da meia sete oitavos ouro que acompanhava a cinta liga de mesma cor.
Permaneceu seminua em frente ao espelho.
Ninguém ali a conhecia e por isso mesmo havia se revelado por inteira.
Um tom escarlate ainda cobria seu rosto, tamanha a agitação da dança.
Lembrou do homem moreno de máscara, seu rosto forte, suas mãos determinadas.
Seus olhos miraram-se muitas vezes durante o encontro.
Neles havia cumplicidade, ainda que palavra alguma tenha sido dita.
Ela continuou sua peregrinação na memória e parou novamente em frente ao espelho.
Mirava-se, olhou-se de perfil, de costas, gostava dos ângulos perfeitos que a imagem refletia.
Sentia-se inteira naquele encontro pessoal e intransferível.
Faltava ainda um detalhe, o mais significativo, muito além da face que havia se retido por detrás do artefato.
Ali, diante da miragem refletida, era alguém incógnita, alguém sem rosto, sem alma e quiçá sem coração.
Completamente entregue a sensação, tirou de uma só vez, a pôs junto aos outros pertences:
A máscara dourada havia perdido seu propósito, voltado a ser um simples objeto de decoração e tal como os outros objetos voltaria para o fundo do baú e quem sabe um dia poderia retornar e com ela sua natureza selvagem e indomesticada.

terça-feira, novembro 22, 2005



Tateiam o desconhecido,
por entre curvas, sinuosos vales, tecidos macios.
Descobrem universos e recônditos,
na incursão pelo sensorial.
Deslizando, apalpando, apertando, tomando,
embriagando os sentidos, o tato.

quarta-feira, outubro 26, 2005

JANELA

A cortina rosa dava o tom do momento,
acariciada pelo vento, riscava no céu a lemniscata, o infinito.
Iansã soprava tempestade, a única que une
os amantes, os enamorados.
E você atrás de mim, tomava a paisagem, a vida, aquele instante.

sábado, outubro 15, 2005

REVOLUÇÃO SOLAR



Acompanho o rastro de perfume e a suavidade de borboletas. Devaneios, volitando em estado ainda letárgico, mas pronta para os próximos trezentos e sessenta e cinco dias do Ano Novo que hoje começa para mim. Revolução Solar dirigida pelos espíritos do vento, imortalizando a delicadeza e a vontade de seguir em frente, cheia de vida. Renasço em mais uma primavera.

domingo, outubro 09, 2005

LIBRIANAMENTE FALANDO

O sol escaldante e suor que escorre pela face.
Um calor abrasador, cercado de sensações.
Essas que só ele conhece.
Vulcão que mescla cores, sabores e delícias.
Lambidas, comidas, texturas, paladar.
Inferno que me deixa astral e sopra auspícios.
Ele me ama, me toma, me toca e me possui.
Mas, mal sabe ele, que eu amo.
Talvez de uma maneira despretensiosa e por isso mesmo, feliz.
Não digo, só os olhos transbordam, exprimem, o quanto me faz assim, inteira.
Outubro ergue os braços, encanta librianos, desafia meus leões.
Ainda falta uns dias, mas ainda assim, só quem mistura e conhece o mistério
de Tirésias entende o que vai numa alma masculina.
Ainda que eu seja yang...

sábado, setembro 03, 2005

"A cidade se agita num compasso inebriante, tanta loucura
um calor esquisito que invade meu corpo, talvez seja uma
uma onda que quebra no calor da tarde e sobe na espuma

Sou viciado em mar, em maresia
dia e noite, dia e noite, noite e dia

Quero te convidar pra um happy hour à beira mar
Eu quero te convidar... "

Simoninha

sexta-feira, agosto 19, 2005

PLENILÚNIO DE LEÃO



O mar se cobria de amarelo, aquecendo o restante do ambiente.
O fogo primaveril clareava suas madeiras rubras.
Sorriso embevecido pela temperatura do momento.
Arrepio que eriça pêlos, seios, a alma.

terça-feira, agosto 09, 2005

ZÍNGARA

Esmeralda era seu nome.
Os cabelos negros como a graúna.
Os olhos de um castanho tão profundo que hipnotizava.
Um ar de majestade e ao mesmo tempo mistério.
Ela nunca dizia o que ia acontecer.
Preferia sempre ler a mão dos outros e largar no ar as interrogações.
Talvez dessa forma, conseguisse deixar o destino correr livre.
Livre como ela sempre se sentiu. De lugar nenhum.
Alma desprovida de grilhões, certa de que o futuro estava em cada passada,
em cada lugar desconhecido que punha os pés.
Em situações cerimoniais colocava um lenço nos cabelos, como sinal de respeito.
Sempre foi invejada e ao mesmo tempo cobiçada.
Mas, acima de tudo, fazia somente o que o seu coração ditava.
Por isso mesmo, sentia-se plena e feliz.
Mas, diante de um cortejo, de violinos e pessoas de sua tribo,
colocava sua roupa coberta de vermelho.
O fogo e a saia se confundiam. Rubra também a face.
No enleio desenvolvido pela dança, espetáculo de rara beleza.
Nas ondulações de seus passos, a lemniscata.

sexta-feira, agosto 05, 2005

AGOSTO

Ela buscou no oráculo respostas.
Em vão a pitonisa se entregou ao ar que exalava,
mas nada modificava o estado de caos que imperava no lugar.
O reino havia se rendido a uma antiga maldição lançada,
que culminou com a falta de felicidade na região.
Ninguém conseguia desfazer o feitiço e, ela, como sacerdotisa,
acreditava ser capaz de transformar a sensação de vazio que tomava a todos.
Diante de um velho livro, leu uma receita, uma poção que talvez trouxesse a harmonia perdida.
Nas linhas da poção um artifício quase impossível de ser achado: um escorpião de ouro.
Recorreu ao mais bravo cavaleiro e pediu que fosse atrás do animal.
Ele se cercou das armas mais poderosas que possuía, mas ela deu-lhe uma especial: um átame.
Loth era seu nome e saiu em busca do escorpião. Cavalgou por outros reinos, brigou com os mais temíveis inimigos, ultrapassou as fronteiras da sanidade e nada...
Até que um belo dia, diante de uma verde colina, avistou uma cabana abandonada.
Seguiu firme até ela. Lá, diante de um céu azul ouviu um barulho, virou-se e diante de seus olhos surgiu um velho decrépito: imundo, com roupas rasgadas, uma profusão de rugas em seu rosto.
Ele indagou o que o cavaleiro buscava. E ele respondeu que estava atrás de um escorpião dourado.
O velho disse que sabia onde estava, mas para isso era preciso que ele entrasse numa caverna e saísse ileso de lá. Só assim, encontraria o que buscava.
O jovem entrou na caverna, deparou-se com uma sombra sem alma e sem rosto, na verdade a imagem assemelhava-se ao que ele sempre teve medo: sua essência negra.
Lutou com as armas que possuía, mas nada surtia efeito, a sombra o lançava para todos os lados, sem piedade. Quase desfalecido e exausto, olhou para sua cintura e viu o punhal.
Abriu um círculo, desenhou o pentagrama e chamou a sombra para a luta.
Quando o vulto entrou no círculo, se desfez.
Então, Loth saiu da caverna e encontrou o velho.
Ainda suado da batalha, questionou onde estava o objeto de sua procura.
O velho tocou seu coração com suas mãos encardidas e diante de seus olhos,
surgiu o objeto dourado.
Imediatamente ele voltou a galopar por todas as colinas, atravessando reinos até chegar a sua terra natal.
Entrou esbaforido no Oráculo, ajoelhou-se diante da Pitonisa e entregou o escorpião.
E, assim, como num passe de mágica, o reino de Escol voltou a ser feliz e ter paz.

segunda-feira, julho 25, 2005

CINEMA É A MAIOR DIVERSÃO II

Como falar em cinema e não lembrar dela, maravilhosa, Rita Hayworth. Então, pra dar continuidade à brincadeira iniciada pela amiga Li Stoducto, vamos as respostas:


1. Melhores filmes dos últimos anos:

The Hunger
Snatch
Magnólia
Vanilla Sky
Matrix (a trilogia)
Clube da Luta
Delikatessen
As Pontes de Madison
O Advogado do Diabo
Star Wars III

2. Filme da vida:

Matrix


3. Atores com "pujança"

Clint Eastwood

Robert de Niro

Jack Nicholson

Dustin Hoffman

Morgan Freeman

Anthony Hopkins

Denzel Washington


4. Atrizes de mão cheia

Meryl Streep

Susan Sarandon

Jodie Foster


5. O meu musical:

The Phantom of the Opera


6. Realizador(es) com r grande:

Stanley Kubrick
Pedro Almodóvar
Alfred Hitchcock
Woody Allen
Federico Fellini
Charle Chaplin

quinta-feira, julho 21, 2005



"A busca científica é uma entrega ao mistério maiúsculo, é essencialmente espiritual. Nessa procura, que você faz às cegas, apalpando o desconhecido, você está inventando o que significa ser você. Somos todos feitos de estrelas. Todo o carbono, o manganês, o cálcio que tem em seu corpo vieram de uma supernova que explodiu perto da nebulosa solar há 5 bilhões de anos. Quando você se coloca como um ser cósmico, a perda se transforma em algo mais aceitável porque é a lei do Universo. Quando você destrói alguma coisa, outra é criada".

Marcelo Gleiser

segunda-feira, julho 18, 2005

ESTÁTUA

Ele chegou e estancou: uma estátua de bronze, reluzente.
Os olhos pareciam vivos, cintilavam ao encontrar os seus.
Fixos, eles o seguiam onde quer que ia.
Andou por todo o salão e retornou a ela.
Imóvel, parecia ter vida.
Tinha a nítida sensação de que uma ação mais brusca lhe traria ar aos pulmões.
Aproximou seu corpo quente daquela massa metálica,
grudou seu sexo no dela, hipnotizado, abraçou-a.
Deixou que a temperatura se igualasse.
Colou seu rosto no dela, sentiu seu perfume ocre.
Encostou seus lábios no dela.
E no instante seguinte, envolto naquele ardor, embevecido pelas sensações,
ela cravou as unhas em suas costas, penetrou fundo suas entranhas.
Uma dor lancinante percorreu todo seu corpo, ele sem ar, atônito, olhos arregalados.
Ela, cheia de si, esfregou seu sangue na parede...

quinta-feira, julho 14, 2005

GRAMÁTICA

" Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se
encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto
plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o
artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas
com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco
átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios
de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos.

O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar
sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se
insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as
reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo,
pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns
sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando
o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e
pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão
verbal, e entrou com ela em seu aposto.

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo
uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe
dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando,
sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. Ela
foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e
rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que
iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele
sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão
minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam
nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula ele não
perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É
claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente
oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela
totalmente voz passiva, ele voz ativa.

Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi
avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele,
com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular, ela
era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o
pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício.

Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos
nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições,
locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa
acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu
seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma
metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou, e
mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não
era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando
dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do
sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto,
comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo
claramente uma mesóclise-a-trois.

Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo
nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um
complemento verbal no artigo feminino. O substantivo, vendo que
poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em
seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o
verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu
trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino
colocado em conjunção coordenativa conclusiva. "

terça-feira, julho 12, 2005

CINTILAÇÕES

Deitou-se e deixou que ele fizesse o que quisesse, sem imaginar o que viria.
Derramou por todo o seu sexo milhões de pedras, vítreas, faiscantes.
Cuidadosamente, as dispôs sobre seus pêlos, enfileirando-as até o umbigo.
Os diamantes cingiam a pele queimada, cintilações.
Gelo que despertava todas as sensações, principalmente o arrepio.
Assim, como uma estátua, ali ficou.
Deixou-se fotografar, como a retina que tudo retém e imortaliza.

segunda-feira, julho 11, 2005

LEMNISCATA

Com as pontas dos dedos
Me encontras...
Com a palma das mãos
Me seguras...
Com teu corpo inteiro
Me fazes reviver...
Mas somente com o coração
Podes me conhecer...
Do fim ao começo,
Equilíbrio...
De uma ponta à outra
Sem começo,
Sem intervalos,
Sem fim...

Vinha

domingo, julho 10, 2005

ESPIRAL

Ele nunca disse que a amava.
Mas de uma forma inconsciente ela sempre soube disso.
Ao caminhar pelas verdes colinas, ao sentir o vento batendo no rosto, na gelitude da estação sempre o soube.
Ele sempre esteve ao lado dela,segurando sua mão, dizendo: prossiga.
E é esse enleio que lhe dá a certeza de que ele está sempre perto, ainda que a distância física exista.
Para os pensamentos, sentimentos, nada disso é relevante. Para esses só ondas e magnetismo, congruência de afinidades e belos sonhos.
Muitas vezes ela quer colo, sim. Feito criança, não como mulher.
Muitas vezes os sentimentos estão aquém da idade, assim como, o turbilhão que se avoluma em seu peito.
Nunca soube lidar com os avassaladores, esses sentimentos inesperados que tangenciam sua alma.
Como num eterno espiral, a tentar domar o ímpeto, o que pulsa e vibra na alma.
Estar em sua companhia, ainda que embalada e ninada por letras, metáforas, a deixa forte, ciente de que lá na frente um oceano, à beira mar, a perscruta, perscruta ele também, e os fazem invencíveis, imortais.

quinta-feira, junho 16, 2005

CRONOS



"Invocai-me sob minhas estrelas! Amor é a lei, amor sob vontade. Nem confundam os tolos o amor; pois existem o amor e o amor. Existe o pombo, e existe a serpente. Escolhei bem!"
(AL, 1:57)

quarta-feira, junho 15, 2005

Engraçado como o poder de uma frase, palavra, pensamento pode fincar na cabeça da gente feito estaca em coração de vampiro. Eu explico de onde vem isso. Estava lendo sobre Hilda Hilst, poeta, ficcionista e dramaturga paulista, rotulada pelos críticos com rançosas definições: provocadora, pornográfica, esquizofrênica, obscena. Agora essa aura maldita é democratizada com a publicação de toda a sua obra pela Editora Globo.
Já tinha ouvido falar dela pelos dedos de Falabella às quintas. E, imediatamente ao me deparar com uma enorme entrevista em ping-pong, não pude resistir e sucumbi aos apelos dessa septuagenária com alma de menina. E a última frase que encerra a matéria fala de Deus. O que acaba sempre sendo um assunto a mim necessário, com as devidas interrogações em proporções geométricas que o assunto desperta. Ela diz:
?Durante quase a totalidade do meu trabalho, mas principalmente em ?Qadós?, eu procuro o nome de Deus: Tríplice Acrobata, Cara Cavada, O Isso, O Cego, Cão de Pedra, Porco-Menino, Sumidouro, Grande Corpo Rajado, Haydum e muitos outros. E citando-me a mim mesma, em "Com meus olhos de cão": Deus? Uma superfície de gelo ancorada no riso.
O que seria então esse deus invernal em superfície salivar? Um iceberg flutuante num mar de bocas gargalhantes, em dentes brancos, amarelos, dentuços, podres, faltando o vizinho? Que festival de gengivas, línguas e hálitos!
Essa mesma sensação encontrei em Pessoa, em um de seus heterônimos e que não sei qual é. Li e não registrei. Coisas que acabam passando batidas quando tenho que usar a referência. É aquilo de reter o que é importante, enquanto a fonte nem sempre o é. Ossos do ofício que absorve de tudo um pouco, mas na essência pouco se sabe com profundidade e propriedade esperadas. Nós enganamos bem e as pessoas sempre saem com a sensação de que sabemos tudo de tudo. Bazófia.
Então, "uma superfície de gelo ancorada no riso", de Hilda, está para o "estala coração pintado de vidro" de Pessoa. São visões que me mantém a deriva da sanidade e permitem que eu explore um pouco do devaneio púrpura que vêm do trígono em Netuno, aliás, o único aspecto de água no meu mapa. Nesse coração do poeta, vejo um imenso pedaço de vidro, transparente,azulado, e ao menor toque, ao peteleco do dedo médio, ele tini, ecoando por um enorme salão vazio e infindo. Não vejo saída e nem portas. Só o som propagando-se, um OM coronário lançado no ar formando milhões de ondas....
Não pude deixar de recolher mais uma percepção particular da vida, da experiência, do isolamento que acabou produzindo tantos frutos necessários na vida de Hilda. Muitas vezes me pergunto por que determinadas pessoas não têm critério, amam a todos da mesma maneira. Como pode ser isso?Acho que nunca vou entender esse "abraçar a todo mundo" com naturalidade. Pinço almas que comungam comigo dentro de aspectos puros, descabidos de interesse. Por isso vibram no mesmo diapasão, na mesma sintonia. É o sorriso aparecer e subitamente um bem querer primitivo reacender, sem explicação física, sem lógica. São as tais molduras que só os afins possuem.
Outro dia estava lendo a moça de olhos azuis, em suas expressões letradas, e dizia que tem momentos que acordamos e as coisas que eram importantes deixam de ser. Também tenho dias assim, de total descaso. E aquilo que era imprescindível parece largado numa gaveta. E isso acaba sendo transferido também para as pessoas. Quantas lágrimas verti por alguém e hoje nem entendo o por quê do tamanho do sofrimento? O que é importante afinal? Em que etapa da vida algo se torna fundamental para nós?
Misturando aspectos catárticos, espirituais, quânticos em sua obra, Hilda ensina o ritual que a mim calou fundo e vou deixar aqui para vocês refletirem nessa madrugada escura de segunda, onde as nuvens disputam, em vantagem, o espaço entre as estrelas:
"E os versos fazem parte da poesia onde eu falo de potlach, ou ?o poder do perder?. É um ritual de algumas tribos que em certas datas especiais destroem seus objetos mais preciosos nas fronteiras de seu território. Ao demonstrar que não têm medo de perder o que têm de mais valioso, ostentam uma coragem que eles acreditam ser capaz de intimidar seus inimigos. E eu me sinto uma escritora bendita, graças a Deus. E meu charme maior foi sempre ter sido livre. Para viver e escrever".

terça-feira, junho 07, 2005

INTERLÚNIO

Há céus que se cobrem de negro e absolutamente nada corta essa ausência de luz.
Dizem que essa chapa celeste jamais acontece no deserto, aonde as constelações são mais cintilantes que qualquer outra parte do planeta. Em parceria, as areias são escaldantes durante o dia e gélidas quando a noite acorda, assim como se levanta o vento abrasador da manhã e o ar torna-se congelante de madrugada. E é nessa hora, quando a visão não alcança além de dois palmos adiante dos pés, que criaturas horripilantes saem da toca para caçar, saciar-se.

E ao contrário do deserto, no interlúnio a negritude parece cobrir toda a terra, quando estamos em perspectivas aquém das tempestades, principalmente as de areia. E nos atrelamos às construções duras e frias de pedra. A civilidade parece arrogante e distante do que é natural, energeticamente virgem. O mundo de concreto é tal qual móbile infantil, clone do projeto arquitetônico ao lado.

Polarizando o movimento, não há fixidez nas caravanas que disputam um pedaço oasiano. E miragens confundem os viajantes sedentos e exaustos por dias consecutivos na corcunda de camelos. Tendas são armadas, construindo um pouco de sombra diante do astro-rei que não dá trégua. Tapetes espalhados sob os grãos ferventes, minimizando o que parece queimar qualquer um que ouse tocar esse mar calcário.

A Lua no minguante surge na grande tela, nas mil e uma noites de Sherazade. Aquela que enganou a morte com palavras, persuadindo e seduzindo seu maior inimigo. Plantou nele a semente insaciável da curiosidade.Ela segue adiante, sob o véu, deixando à mostra os olhos, pequenos, amendoados, rasgados como a cadente que só se vê em luares espetaculares, um pequeno traço a riscar as esquinas do espaço sideral. Delineador branco manchando a escuridão.

quarta-feira, junho 01, 2005

JUNHO

Rodopio,no auge o volteio,
na ponta um lago, um cisne, quem sabe...
Imagem que como pluma paseia pelo seu rosto,
provocando cócegas, sorrisos e satisfação.
Quem sabe um quê de valsa, de festa, noir.
Baila ao som de um clássico que conhece.
O que assopra aos seus ouvidos e o convida a largar-se,
em entregue suspiro.
Em média luz, em devaneio os sentidos: indefinido prazer.
Simultaneamente os pensamentos flutuam, seguem, sem repressão.
Interceptam galáxias e chegam até você.

terça-feira, maio 17, 2005

Pelos olhos o desejo extravasa, como gato e seu sorriso.
Ainda que Alice não conheça a profundidade escura,
nas linhas azuladas um oceano de sensações transborda.
Deságua em miragem castanha ao refletir sua essência.
O espírito fala através das janelas da alma, por meio da armadura prateada,
aquela que guarda milhões de fragmentos vividos e antepassados.
E ela vive com uma rosa vermelha nos cabelos,
a enfeitar os revoltos fios que teimam em não se alinhar.
O futuro, o destino, isso pouco importa agora.

quarta-feira, maio 11, 2005

HÁ UM DARTH VADER DENTRO DE VOCÊ?



Fábrica de Quadrinhos

Como o virtuoso jovem Anakin Skywalker se transformou no terrível Darth Vader, o vilão que assombrava aquela famosa galáxia muito, muito distante? A dúvida, que há 20 anos ronda as mentes dos aficcionados pela série "Guerra nas Estrelas", será respondida em "A Vinganca dos Sith", que estréia neste mês. Certamente as revelações sobre o passado da personagem só reforçarão seu carisma junto ao público. Afinal a história da sedução do espiritualizado Anakin pelo chamado "lado negro da força" em parte tira sua força de uma pergunta que todos já fizemos um dia: o que leva um ser humano a praticar atos violentos, destrutivos, cruéis, enfim, maus?

Tradicionalmente, o debate sobre o mal tem sido reservado a teólogos e filósofos. Nas últimas quatro décadas o tema despertou também o interesse de cientistas. Psiquiatras, psicólogos e estudiosos da biologia vêm desenvolvendo experimentos e teorias para desvendar a origem do comportamento destrutivo. As explicações que estão surgindo são variadas, mas apontam numa direção: a capacidade de fazer o mal, assim como a de fazer o bem, parece existir em todas as pessoas e sociedades.
A traumática experiência do Holocausto foi um estímulo poderoso para as pesquisas sobre o lado destrutivo do ser humano. Terminada a guerra, muitos dos carrascos nazistas se justificaram dizendo que estavam cumprindo ordens, e que se desobedecessem teriam sido mortos.

Nos anos 1960 o psicólogo americano Stanley Milgram se perguntou se cidadãos comuns, instigados por alguma forma de autoridade, também teriam a capacidade de infligir dor e sofrimento a pessoas que nunca lhes fizeram mal. Para avaliar a possibilidade, criou em 1961 um experimento onde uma cobaia recebia ordens para dar choques elétricos cada vez maiores numa falsa vítima, sendo que a intensidade do choque mais forte seria teoricamente capaz de matar (veja descrição na página anterior). Milgram pediu a 40 colegas psiquiatras que estimassem o porcentual de indivíduos que chegaria a aplicar choques potencialmente fatais. Os psiquiatras apostaram que menos de 1% seria capaz de agir de forma tão sádica. Mas os resultados iniciais mostraram que 65% das cobaias obedeciam até o fim.

Outro experimento famoso foi feito também nos Estados Unidos em 1971. O psicólogo Philip Zimbardo recriou o ambiente de uma prisão no seu laboratório de psicologia, e designou 24 jovens escolhidos aleatoriamente para conviverem lá por duas semanas como guardas e prisioneiros. O resultado foi uma explosão de opressão que levou o experimento, previsto para durar 15 dias, a ser interrompido no sexto.

O mal e Abu Graib
O que experimentos como esses nos ensinaram? Arthur Miller, psicólogo da Universidade Miami e organizador do livro "The Social Psychology of Good and Evil" (A Psicologia Social do Bem e do Mal) explica que a visão dominante na psicologia social leva em conta os contextos sociais. Existe uma minoria de indivíduos psicopatas, destrutivos no mais alto grau e cujo comportamento não revela empatia ou compaixão. Mas as pessoas chamadas normais podem causar (e causam) grandes danos, influenciadas por outras pessoas e por certas circunstâncias. "Um exemplo clássico é o da Alemanha antes do nazismo, que convivia com desemprego, pobreza e devastação. Mas há vários casos onde pessoas procuram sair de situações difíceis em suas vidas retaliando, mentindo, arranjando bodes expiatórios", compara.


por Pablo Nogueira

A matéria na íntegra está em: http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT954008-1706-3,00.html

terça-feira, maio 10, 2005

MAIO



Outono, folhas soltas,gelo noturno.
Sombras, palidez, ar rarefeito.
Intermeio de sorrisos e clarão solar.
Mescla de jasmim e rosas vermelhas.
Azul pelo teto, algodão a dispersar.

sábado, abril 30, 2005

DE ONTEM

Mais uma irmã se vai para a terra do Tio Sam.
Ficará lá por um ano e já parece uma eternidade.
Trocamos confidências, relembramos velhas histórias,
rimos ao sabor de Red Label e eu que não aguento o tranco
do whisky, misturei guaraná. Um pecado imperdoável para os amantes da bebida.
Falei com alguém que gosto no telefone, foi ruim.
Deu uma sensação estranha de que as coisas não estão boas.
E de uma forma inexplicável pareceu partir.
Será que a vida vai ser sempre dessa maneira,
onde os que mais são importantes e amados se vão?

segunda-feira, abril 25, 2005

NOSTALGIA

A moça dos olhos d'água falou de amores.
Trouxe por email recordações do passado,
onde conjeturava se os caminhos fossem diferentes.
E me pus a pensar o mesmo.
E se o caminho tivesse sido diferente, eu seria essa de agora?
Traria outros contornos existenciais, viveria num outro país?
Teria confirmado expectativas? Ou o lúdico contiuaria a insistir?
Amar sempre vale a pena e por ele faria tudo outra vez.
E vamos assim reescrevendo nossa história.

quarta-feira, abril 13, 2005

Poemas de Saliva


Deslizo poemas de saliva
No rascunho da tua pele
Rimas profanas, estrofes abissais
O sentido profundo de um verso
Fala a língua dos teus gestos
Em convulsões gramaticais

Poemas recatados na tua pele sem pecado
Poemas de navalha no teu corpo sem perdão
A figura de linguagem do desejo
Fala a língua do meu beijo
Sem tradução.

Ricardo kelmer

sábado, abril 02, 2005

ABRIL

Depois de dias à beira mar,
sem pressa, sem ansiedade,
quando o ser se conecta ao mais ancestral e primitivo,
recordações ternas e pueris da infância,
volto renovada, pronta para a porta que se abre.
Abril despeja possibilidades, de concretizar o que só era projeto,
na grandeza de construir algo novo e estabelecer outras fronteiras.
Sair do conhecido, do habitual e se lançar num objetivo mentalizado.
Concretizar o que passa na mente, nas idéias que fervilham letras,
estudos, transmissão de informação e conhecimento, dá a dinâmica exata
do que me aguarda nos próximos dias.

segunda-feira, março 28, 2005

AZUL

Por entre pedregulhos, pedrinhas e cactus,
numa trilha aberta na marra, ao longe mar azul.
Um barco, caipirinha, coca-cola, gruta de Nossa Senhora,
Caverna Azul.
Um peixe enorme salta da água, o sal impregna o ar,
no sol que deixou a desejar, o mormaço aquecia.
Numa ilha de areia fina e branca, a menina e a moça,
cataram conchas. Várias, furadinhas.
Um pedaço de estrela do mar, pata de vaca, caramujo.
De repente o céu se abriu, do cinza pálido, um colar azul
tingiu o horizonte, despejando cor na ausência sentida.

quinta-feira, março 10, 2005

PROJETO PURUSHAN - O CASAMENTO DO CÉU COM A TERRA

"O homem é céu, o homem é terra, o homem é tudo o que há no universo" - esta frase de Paracelso, tão antiga, constitui a base do paradigma holográfico: somos, cada um de nós, partes de um todo maior. Pequenos deuses em potencial, mas esquecidos disso.

Comecemos pela matéria que nos compõe, esta mesma matéria que um dia fez parte do núcleo de uma estrela. Ela, a matéria, é expressão da alma, e não algo "à parte" dela. Corpo e alma perfazem um todo integrado indissociável - poderíamos dizer que o corpo é a parte mais densa da alma ou, também, que a alma é a parte mais sutil do corpo. Não há separatividade, exceto pela percepção ilusória da mente.

Impossível idealizar um projeto de desenvolvimento humano que não considerasse esta totalidade integral. Deste modo, o Projeto Purushan realiza um casamento do oriente com o ocidente: as milenares práticas yogues, com suas técnicas específicas, por um lado. E, do outro, a astrologia ocidental e seu notável poder de realizar diagnósticos precisos dos talentos que podem ser desenvolvidos em cada um e dos bloqueios que devem ser observados, conscientizados, vencidos.

Se por um lado a astrologia pura e simplesmente se revela um excelente instrumento de diagnóstico, por outro é inevitável considerar que apenas a teoria não basta. É preciso fazer alguma coisa com as informações que a carta astrológica pode nos fornecer

Para quem quiser saber mais desse projeto é só dar um click em:
http://www.purushan.blogspot.com/

sábado, março 05, 2005

O SIGNO DO BATMAN



"Se você pensou em Escorpião, guarde segredo. É isso mesmo.

Batman tem qualidades que associamos a Escorpião. Absurda perspicácia, poder de concentração, hábitos noturnos, tormentos, são algumas de suas características mais fortes. Batman já foi considerado o maior detetive do mundo. Morcego tem hábitos noturnos. E todo mundo sabe que Escorpião vive no submundo do mundo cultuando sua obsessão pela morte. Lembre-se que, nas melhores histórias, Bruce/Batman sempre tem pesadelos com a morte dos pais. Aliás, o lugar onde o casal Wayne morreu, conhecido como Beco do Crime, dizem os bêbados, é habitado por fantasmas de órfãos mirins, criminosos e muita raiva descontrolada. Os batmaníacos juram que, no aniversário de morte dos pais de Bruce, Batman faz plantão nesse beco, espancando e capturando criminosos.

Em outras palavras: Batman, assim como Escorpião, é um signo da noite, que vive no submundo, guardando um segredo. Neste caso, sua identidade e seu passado. Com um faro infalível, como o de um detetive de romance policial noir, Batman enxerga no escuro e o que acontece nas entrelinhas. É conhecida a capacidade de percepção do escorpiano para o que é tramado por baixo do pano. Aliás, é por isso que o associam à manipulação e à paranóia. A boca do povo diz que Escorpião é vingativo, muito por lidar em linha direta com a raiva que mata ou envenena, principalmente a si mesmo.

Se Escorpião tem tendência à paranóia, nem precisa dizer que a desconfiança é uma marca deste signo. E diga aí: Batman confia em alguém? Somente no Batmóvel e no virginiano Alfred, o mordomo que prepara sua comida e cobre sua retaguarda na Batcaverna quando o Homem-Morcego sai à caça.

Morte e renascimento até o juízo final

O renascimento também é uma marca de Escorpião. E é o que ocorre em vários enredos das histórias de Batman, que o conduzem até o fundo do poço, para depois fazê-lo renascer das cinzas. Nada mais Escorpião. Aliás, o escorpiano tem vocação para escavar histórias perdidas, carregadas de veneno letal.

Escorpião lida sempre com sentimentos e situações-limite. Ou, se você preferir, com aquilo que se chama crise. O lado destrutivo da vida. Signo que passa a vida toda lutando, tentando fazer do veneno que empedra seu coração algo construtivo. Em linguagem astrológica, partindo do instinto destrutivo de Escorpião para a busca de estabilidade representada pelo seu signo oposto, Touro.

Batman é assim: vive com o que há de mais negro e louco em Gotham City. Volta e meia ele leva o ariano Coringa, ou o Gêmeos-Libra Duas-Caras, ou o gelado aquariano Homem-Gelo para o Asilo Arkham, o hospital psiquiátrico de Gotham. Apesar da genuína compaixão, o Cavaleiro das Trevas, no íntimo, não acredita muito na recuperação de seus inimigos. Como ele se conhece e é um Escorpião convicto, sabe que a destrutividade pulsa dentro de cada ser. O taurino Freud, com Ascendente Escorpião, desenvolveu o conceito de pulsão de morte, criado pela psiquiatra russa Sabina Spielrein [4], para essa realidade.

Outra característica hiper hiper escorpiana é a possibilidade de concentração nas horas mais difíceis. Escorpião concentra toda sua alma quando se sente encurralado. Como Batman se sente sempre nessa situação, acaba sendo silencioso como a morte, preferindo antes observar do que falar.

Se você ainda tem dúvidas quanto à ênfase no signo de Escorpião, veja só as primeiras palavras de Batman em Batman vs. Aliens, de Ron Marz e Bernie Wrightson, lançado em 98 no Brasil pela Mythos Editora:

- As noites de minha vida são gastas lutando com psicóticos. Criminosos, cujas mentes são tão deformadas quanto suas experiências externas... Eu acreditava ter visto a face do horror. Hoje eu descobri que não. (...) Os eventos se repetem em minha mente... Todos eles. O início...

Ou, em Um Conto de Batman: Gangues, de Steven Grant e Shawn McManus, lançado pela editora Abril Jovem, em ano impreciso:

-Gotham à noite fervilha com violência. Eu sinto a infecção se espalhar, dos becos mais imundos do centro até o mais tranqüilo quarto nos bairros elegantes. Ela é transmitida pelo orgulho, pela ganância, pelas razões mais insensatas, até irromper como uma chaga purulenta.

Eu quero parar a epidemia, curar minha cidade. Mas também estou infectado. Eu luto contra minha própria violência, contra o ódio que me impulsiona. Eu controlo a fúria, soltando-a quando é preciso e só na dose necessária.

...................................................................................

[4] Quem ler o livro Um Método Muito Perigoso, de Jonh Kerr, Editora Imago, poderá acompanhar os primeiros anos da psicanálise, a relação de Sabina Spielrein com Jung e Freud e o quanto essa relação influenciou as obras dos dois gênios."

O texto é de João Acuio e publicado na íntegra na page da Constelar em http://www.constelar.com.br/revista/edicao81/batman1.php

quinta-feira, março 03, 2005

DAS CORES QUE SÓ EXISTEM LÁ...

Estar na cidade que é sempre maravilhosa traz só coisas boas.
O fim da tarde lilás, a orla ainda brilhante de azul, um mar escuro anil.
Camarão, queijo na brasa, picolé, água de coco, biscoito globo.
Ondas calmas, como piscina, boiar, adentrar sobre braçadas o ninho de Iemanjá.
Cobertura na Atlântica, pedestres ao longe, banhistas em conformidade com o sol.
Rever velhos amigos, estar com uma criança que é sobrinho quase-gringo, fala inglês e entende português, fizeram dos dias algo especial.
Comemorar oitenta anos de uma avó postiça, numa festa regada a champanhe e whisky, trouxeram nova vida à vida que nos chama todo o tempo, o da existência.
O Pão de Açúcar, o velho Giotto na praia de Botafogo, as guloseimas do Chaika, o ar que enche as narinas de sal, o vento embalado por Iansã a trazer breve chuva, no calor escaldante das areias cariocas, vivi esse tempo longe das conexões tecnológicas e dos emails que enchem a caixa postal.
Voltando pra casa, a chuva, o frio e o cinza pincelam a cidade de Pedro.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

O QUE A MENTE APRISIONOU NOS ÚLTIMOS DIAS...



"Pra que preciso de pés se posso voar?"
(Frida Kahlo)



"As obsessões dispensam preliminares".
(Cole Porter)

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

NO PRINCÍPIO, ERAM AS DEUSAS

Em Çatal Huyuk, na Turquia, a estatueta de uma mulher sentada num trono e
ladeada por duas panteras, em cujas cabeças ela coloca as mãos, sugere ao
mesmo tempo a imagem da mãe e da senhora da natureza. Suas formas generosas
- quadris largos e seios grandes- reforçam ainda mais essa idéia. O nome da
figura feminina é Pótnia, a deusa de Çatal Huyuk, a mais antiga cidade que
se conhece do período Neolítico, cerca de 10 mil anos atrás. De Pótnia
nasceram outras divindades femininas também adoradas pelos homens pré-
históricos. Sua estatueta, esculpida por volta de 6500 a.C., foi uma das
muitas encontradas na Europa e no Oriente Médio, algumas mais antigas, do
Paleolítico Superior (de 50 mil a 10 mil anos atrás).

Essas descobertas levaram historiadores e arqueólogos a sugerir que, bem
antes de venerar deuses masculinos, os antepassados do homem teriam adorado
as deusas, cujo reinado chegou até a Idade do Bronze, há cerca de 5 mil anos


Não se sabe a rigor o exato significado daquelas estatuetas, até porque
pouco ou quase nada se conhece dos costumes dos homens pré-históricos. Mas
não resta dúvida de que por um bom tempo as deusas reinaram sozinhas,
deixando os poderes masculinos à sombra. Em seu livro Um é o outro, a
filósofa e professora francesa Elisabeth Badinter tenta explicar a
supremacia feminina a partir do que se supõe teriam sido as relações entre
homens e mulheres naquelas épocas distantes.

A idéia é que o homem do Neolítico-ao contrário dos seus antecessores do
Paleolítico, que eram caçadores, e dos seus descendentes da Idade do Bronze,
guerreiros-dedicava-se à criação de rebanhos e à agricultura. Ou seja, já
não era necessário arriscar a vida para sobreviver. Nesses tempos
relativamente pacíficos, em que a força bruta não contava tanto como fator
de prestígio e as diferenças sociais entre os sexos se estreitavam, é bem
possível que deusas-e não deuses-tivessem encarnado as principais virtudes
da cultura neolítica.

Entre as centenas de estatuetas encontradas, algumas têm em comum os seios
fartos e os quadris volumosos como Pótnia. Talvez a mais famosa seja a Vênus
de Willendorf, encontrada às margens do rio Danúbio, na Europa Central. Nela
os seios, as nádegas e o ventre formam uma massa compacta, de onde emergem
a cabeça e as pernas - na verdade, pequenos tocos. Igualmente reveladora é a
Vênus de Lespugne, descoberta na França: embora mais estilizada, guarda as
mesmas características de sua irmã de Willendorf.

Mas, das esculturas pré- históricas encontradas até hoje, são raras as que
apresentam os traços femininos tão exagerados - o que dá margem a um debate
sobre o que significava afinal a figura feminina (devidamente divinizada)
nos primórdios das sociedades humanas. Os historiadores tendem a achar que
os primeiros homens a viver em grupos organizados davam mais importância à
sexualidade feminina do que à fertilidade, embora não seja nada fácil
separar uma coisa da outra. No entanto. a imagem à qual acabaram associadas
foi a da maternidade. Há quem não concorde. "Traduzir o culto dos ancestrais
às deusas como simples exaltação à fertilidade é simplificar demais",
comenta a historiadora e antropóloga Norma Telles, da PUC de São Paulo, que
estuda mitologia praticamente desde criança. "Na realidade, a deusa não é
aquela que só gera. Ela é também guerreira, doadora das artes da civilização
criadora do céu, do tecido e da cerâmica, entre muitas outras coisas."

De fato, em muitos mitos, a deusa aparece como quem dá o grão aos homens, e
não apenas no sentido literal de nutrição. Assim, por exemplo, Deméter,
venerada pelos gregos como a deusa da colheita, ajudava a cultivar a terra -
arar, semear, colher e transformar os grãos em farinha e depois em pão.
Deméter ensinava ainda os homens a atrelar as animais e a se organizar. Os
gregos explicaram a origem do mundo com outro mito feminino: o da deusa Gaia
Doadora da sabedoria aos homens, ela limitou o Caos-o espaço infinito-e
criou um ser igual a ela própria: Urano, o céu estrelado.

Pouco depois, Eros, símbolo do amor universal, fez com que Gaia e Urano se
unissem. Desse casamento nasceram muitos filhos e, assim, a Terra foi
povoada. A crença de que o Universo foi criado por uma divindade feminina
está presente em quase toda parte.

Ísis, a mais antiga deusa do Egito, tinha dado a luz ao Sol. Na Índia, Aditi
era a deusa-mãe de tudo que existe no céu. Na Mesopotâmia, Astarte, uma das
mais cultuadas deusas do Oriente Médio, era a verdadeira soberana do mundo,
que eliminava o velho e gerava o novo. Essa idéia aparece com clareza nas
efígies datadas de 2 300 a.C., que mostram Astarte sentada sobre um cadáver.
Também para os chineses foi uma deusa-Nu Gua - quem criou a humanidade. Seu
culto apareceu durante o período da dinastia Han (202 a.C.-220 d.C.).
Representada com cabeça de mulher e corpo de serpente, a venerável Nu Gua
encarnava a ordem e a tranqüilidade.

Os chineses dizem que, cavando barro do chão, ela moldou uma figura que,
para sua surpresa, ganhou vida e movimento próprio. Entusiasmada, a deusa
continuou a moldar figuras, mas a natureza mortal de suas criaturas a
obrigava a repetir eternamente o trabalho. Por isso, Nu Gua decidiu que os
seres deviam se acasalar para se perpetuarem-daí também ela ser considerada
pelos antigos chineses a deusa do casamento. Do outro lado do mundo, na
América pré - colombiana, os astecas tinham em Tlauteutli sua deusa da
criação. Para eles, o Universo fora feito de seu corpo. Os maias tinham
igualmente sua deusa-mãe. Era Ix Chel. De sua união com o deus Itzamná
nasceram os outros deuses e os homens.

Com o passar do tempo, deuses e homens passaram a dividir com as deusas o
espaço no Panteão, o lugar reservado às divindades. Para Elisabeth Badinter,
isso acontece quando a noção de casal vai deitando raízes nas sociedades.
Pouco a pouco, da Europa Ocidental ao Oriente, "reconhece-se que é preciso
ser dois para procriar e produzir", escreve ela. Mas o culto à deusa - mãe
ainda não é substituído pelo do deus - pai. O casal divino passa a ser
venerado em conjunto. As deusas só serão destronadas com o advento das
religiões monoteístas, que admitem um só deus, masculino. Com a difusão do
cristianismo, as antigas deusas são banidas do imaginário popular.

No Ocidente, algumas acabaram associadas à Virgem Maria, mãe do Deus dos
cristãos, outras se transformaram em santas. Mas outras ou foram excluídas
da história ou acusadas pelos padres de demônios e prostitutas. As deusas
das culturas indo-européias tinham em comum o poder de criar, preservar e
destruir-davam a vida e recebiam de volta o que se desfazia. Esse aspecto
destrutivo das divindades femininas foi o mais atacado pelos inimigos do
politeísmo. A suméria Astarte, por exemplo, não escaparia à ira nem dos
profetas bíblicos nem dos primeiros cristãos: para uns e outros, ela era a
encarnação do diabo.

No império babilônico, Astarte foi venerada sob o nome de Ishtar, que quer
dizer estrela. Nos escritos babilônicos, ela é a luz do mundo, a que abre o
ventre, faz justiça, dá a força e perdoa. A Bíblia, porém, a descreveria
como uma acabada prostituta. A importância dada ao lado violento, destrutivo
talvez explique por que a deusa hindu Kali Ma aparece no filme de Steven
Spielberg, O templo da perdição, como a encarnação da violência. Ela é a
sanguinária figura em nome da qual se matam e torturam adultos e se
escravizam crianças.

No entanto, para os hindus, mais especialmente para os tantras - adeptos de
uma derivação do hinduísmo -, Kali é a deusa da transformação e nesse
sentido mais filosófico é que ela é destruidora, da mesma forma como a
passagem do tempo destrói. Representada como uma mulher negra com quatro
braços e uma serpente na cintura, pode aparecer também com um colar de
crânios no colo e uma cabeça em cada mão.

Em seus templos, espalhados por toda a Índia, realizavam-se sacrifícios de
búfalos e cabras. "Para os orientais, Kali é a desintegração contida na vida
visão essa que nós ocidentais não temos", interpreta a antropóloga Norma
Telles. Se Kali foi vista como deusa sanguinária, outras divindades
compensavam tanta violência. Sarasvati, a deusa dos rios, era para os hindus
a inventora de todas as artes da civilização, como o calendário, a
Matemática, o alfabeto original e até os Vedas, o texto sagrado do hinduísmo


Também na América pré-colombiana, sobretudo entre os astecas, o culto às
deusas e deuses incluía muitas vezes sacrifícios humanos. A deusa Tlauteutli
é um bom exemplo. Um dia, os deuses descobriram que ela ficaria estéril, a
menos que fosse alimentada de corações humanos. Na verdade, os astecas
tinham uma visão apocalíptica do mundo: se não alimentassem a deusa, a Terra
se acabaria.

Mas, à medida que começava a crescer o culto à deusa da maternidade,
Tonantzin, diminuía o interesse dos astecas pelos deuses aos quais se faziam
sacrifícios sangrentos. Mais tarde, com a chegada dos conquistadores
espanhóis, Tonantzin foi identificada com a Virgem Maria. Isso acabaria
acontecendo também com a deusa Ísis. Cultuada no Egito e no mundo greco -
romano, ela representava a energia transformadora. Casada com o deus Osíris,
morto pelo próprio irmão, Ísis não sossegou enquanto não lhe restituiu a
vida. A lenda conta que as enchentes do Nilo eram causadas pelas lágrimas da
deusa que pranteava a morte do amado. Por isso, as festas em sua homenagem
coincidiam sempre com a época das cheias. É evidente que, ao festejá-la, os
egípcios comemoravam a generosa fertilidade do rio Nilo. Nos primeiros
séculos cristãos, Ísis passou a ser identificada com Maria.

Já a deusa Brighid, cultuada pelos celtas, ancestrais dos irlandeses, foi
transformada pelo cristianismo em Santa Brigida. A veneração daquele povo
por Brighid era tanta que ela era chamada simplesmente "a deusa". Dona das
palavras e da poesia, era também a padroeira da cura, do artesanato e do
conhecimento. As festas em sua homenagem se davam no dia 1º de fevereiro,
antecipando a chegada da primavera. Na história cristã, a santa nasceu no
pôr-do-sol, nem dentro nem fora de uma casa, e foi alimentada por uma vaca
branca com manchas vermelhas. Na tradição irlandesa, a vaca era considerada
sobrenatural.

Antes mesmo da chegada das religiões monoteístas, os mitos dizem que o
convívio entre deuses e deusas começou a se tornar difícil e a igualdade dos
poderes divinos começava a ficar abalada. Assim, por exemplo, Amaterazu, a
deusa japonesa do Sol, de quem descendiam os imperadores, não se dava muito
bem com o deus da tempestade. Conta a lenda que certo dia ele foi visitar os
domínios da deusa e acabou por destruir seus campos de arroz. Furiosa,
Amaterazu resolveu vingar-se trancando-se numa caverna - o que deixou o
mundo às escuras. Depois de um tempo, como ela não saísse da caverna, uma
multidão de deuses e deuses menores decidiu armar uma estratégia para
convencê-la a mudar de idéia.

Assim, colocaram diante da caverna um espelho que refletia a imagem do deus
da tempestade, como se ele estivesse enforcado numa árvore, e começaram a
dançar.

Atraída pela música, a deusa decidiu sair para ver o que acontecia. Ao
deparar com a imagem no espelho ficou feliz e voltou ao mundo. Com isso,
tudo se normalizou e os dias continuaram a suceder às noites. Outro exemplo
dos conflitos entre as divindades é o caso da deusa grega Deméter e seu
marido Hades, o deus do mundo dos mortos. Eles começaram a brigar pela
guarda da filha Perséfone e a questão só foi resolvida com a mediação de
Zeus, o deus supremo do Olimpo.

Salomonicamente, ele determinou que a menina ficasse com cada um seis meses
por ano. Das deusas veneradas no mundo antigo, não houve tantas nem tão
famosas como as da mitologia greco - romana. Afrodite (Vênus, em Roma)
talvez fosse a mais popular de todas, por encarnar o amor e as formas belas
da natureza.

Já Ártemis (Diana) era a caçadora solitária, senhora dos bosques e dos
animais. Seus lugares preferidos eram sempre aqueles onde o homem ainda não
tinha chegado. Atena (Minerva) protegia a cidade, as casas e as famílias. O
predomínio que as divindades femininas exerceram ao longo do tempo levou
alguns pesquisadores do século XIX a supor que na pré-história as mulheres
detiveram alguma forma de autoridade política. Não há registros
arqueológicos que confirmem isso - hoje os especialistas não admitem que
tenha existido alguma sociedade cujo controle estivesse com as mulheres. Mas
também é certo que nos tempos pré-históricos, quando era outra a divisão
social do trabalho, as mulheres tinham um papel preponderante na luta pela
sobrevivência do grupo. É impossível saber com exatidão quando e por que
deixou de ser assim. De uma coisa, porém, não se duvida: foram os homens
quem primeiro traçaram a mitologia das deusas.

Por Edward Burne-Jones




domingo, janeiro 30, 2005

RASTRO

A água translúcida refletia a lua no crescente.
O céu límpido de constelação nua
Arrepio com pressão, umidade atmosférica.
Ela parou no centro do lago, as roupas finas, claras.
Os cabelos negros caíam na fronte.
As unhas negras enormes seguravam o átame.
Desenhou o pentagrama e se protegeu.
Ainda que estivesse só, sabia do que a acompanhava.
Logo uma serpente se aproximou, enroscou-se e lá ficou imóvel.
Só os olhos brilhavam, refletiam a ancestralidade.
Uma maçã mergulhada em líquido tinto esperava por ela.
Uma mordida, degustação, anseio e vida.
Longe das criaturas noturnas e humanas, ela resplandecia.
Uma coruja clara pousou perto e lá ficou.
O fogo ardia pelas chamas da fogueira.
Alguns ciganos começaram a aparecer.
O som dos violinos tomou o ambiente.
E ela sabia o motivo. Conhecia aquela tribo, aquela gente.
Desfez o círculo. Pôs a saia longa, pegou as castanholas.
Dançou com ele, ganhou vida.
Deixou fluir o que sabia mais do que os outros.
Viva, ela estava assim.
Bebericou o vinho, engoliu com sofreguidão.
Lambeu a boca, deixou escaparar o sorriso.
Os olhos matreiros, brilhavam.
Queimavam como a fogueira.
A madrugada avançada, já não tinha mais certeza de quem era.
O que fazia e o que esperava.
Pegou o chale verde, pôs nos ombros.
Foi embora, levando a serpente e a coruja.
Ao som dos guizos sumiu pela floresta.