domingo, janeiro 27, 2002

Já falei de Alexey por aqui, então hoje, vai um texto dele falando de coisas que ele entende melhor do que ninguém: Astrologia e Kaos. É uma boa pincelada nas duas matérias e que exemplifica perfeitamente o que eu havia falado de kaos magick. Então, com vocês, Alexey Dodsworth, ou pra quem gosta, Lasher:

"Então eu perguntei: Crer firmemente que uma coisa é algo, a faz ser algo ?
Ele respondeu: Todos os poetas acreditam que sim, & desde inimagináveis eras esta firme crença removeu montanhas; mas muitos não são capazes de crer firmemente em nada."

De 'O Casamento de Céu com o Inferno', William Blake (1794)

Se definir "astrologia" se revela já uma tarefa hercúlea, o que faremos tentando definir "magia"? No mínimo, um trabalho divertido, que só pelo exercício do pensar já nos conduz a algum efeito miraculoso.

Não tenho a dizer nada de complexo, ou fantástico, espero não decepcionar, mas vocês podem encarar magia como a arte de exercitar a vontade. A velha definição de "magia é o poder de exercer a vontade sobre a natureza" cai por terra quando falamos de kaos magick, pois no sistema kaoísta não há diferente entre "homem" e "natureza". Um pode ser encarado como o espelho do outro.

Dentre os vários sistemas de magia, a kaos magick se revela uma divertida e fascinante mixagem de magia, semântica e psicologia, projetada para devastar com as estruturas das "crenças consensuais".
Os sistemas de crenças e de magia, quase todos, elaboram "técnicas" para a magia, e a compreensão do assunto termina sendo quase linear, típica do hemisfério esquerdo do cérebro. Em kaos magick, somos apresentados a um novo vislumbre: a visão do hemisfério direito e sua integração com o esquerdo. O mundo visto não como uma "máquina lógica", mas como um organismo vivo.

Podemos dizer que kaos magick foi "inspirada" pelo artista e mago Austin Osman Spare no início deste século, mas terminou sendo "lapidada" por Peter Carroll, cujo trabalho 'Liber Null & Psychonaut' continua sendo uma obra imperdíavel para quem deseja instaurar o kaos em sua vida :-)
A palavra "kaos" inicialmente amedronta, pois em nossa sociedade ocidental assumiu o simplório significado de "bagunça, desordem, coisa má". O termo "kaos", entretanto, vem do grego e pode ser traduzido como "as possibilidades de todas as coisas".

O primeiro exercício que vocês têm a fazer, portanto, pode ser resumido em resgatar o significado original de "kaos". Se aceitamos enxergar o mundo de forma kaótica, estamos abertos às possibilidades do todo, e se entendemos que "tudo é possível", podemos escolher qual a realidade que naquele momento se mostra mais pertinente.

E o que tudo isso tem a ver com Astrologia? Praticamente, tudo a ver. No mito, Ouranos (o Céu, o Kaos Primordial, o hemisfério direito) manteve relações com Gaia (A Terra, a Ordem Estruturada, o hemisfério esquerdo), e deste casamento surgiram os Doze Titans. Qualquer semelhança com os doze signos do Zodíaco NÃO será uma mera coincidência.

Os "doze signos" são energias primordiais, presentes desde a criação e anteriores a todos os deuses criados. E todos eles - exatamente: TODOS eles - estão dentro de nós, e se manifestam através do anahata chakra (o centro cardíaco), que tem doze pétalas.

Quando nascemos sob a égide de um signo, ou o temos muito poderoso em nosso mapa astral, estamos simplesmente sendo o canal de um destes doze deuses primordiais, as primeiras criaturas da "realidade manifesta". Mas na medida em que vamos expandindo a nossa consciência, descobrimos que podemos, através do exercício da nossa verdadeira vontade, ativar os outros princípios zodiacais.

A partir do momento em que compreendo que me torno apenas o personagem de uma grande peça, descubro que posso fazer alterações no "script" e me tornar quem eu quiser, a depender das circunstâncias e conveniências.

Quando eu fazia teatro, lembro-me bem quando minha diretora comentou uma das grandes vantagens do ator: "personagens podem fazer coisas que a própria pessoa não teria coragem de fazer". A partir do momento em que o indivíduo se desprende, ou seja, se desidentifica do "ego" que ele JULGA ser real, ele descobre que pode tornar qualquer coisa real.

Inicialmente, a minha reação a estas percepções foi típica de um signo fixo, que detesta a idéia de se desprender da própria personalidade: "quer dizer que eu vou passar a minha vida representando?"

A resposta foi como uma ducha de água fria: "Meu querido, você representa desde que nasceu. Nada disso que você acha que "é" você realmente "o é". Você se fixa apenas na ponta do iceberg, mas o que há por debaixo é o Oceano. Você pode se tornar tudo o que você quiser, na hora que você quiser, a partir do momento em que se desapegar de si mesmo e de suas certezas absolutas".

E quem disse que diretoras de teatro não se fazem sábias como avatares? :-)

Podemos definir o objetivo de Kaos Magick + Astrologia da seguinte forma:

Se eu compreendo que existem doze poderes primordiais (eu poderia dizer que são 98328558, mas seria terrível para decorar), e que eu passei a minha vida acessando um ou dois, mas que posso acessar TODOS, na hora que eu quiser, então me torno senhor da minha realidade.

Cabe salientar que o sistema kaoísta busca fundamentalmente A PRÁTICA. De nada adianta a teoria se o estudante não praticar.

A magia do kaos pode ser uma forma de magia cerimonial, uma disciplina espiritual tão ou mais antiga do que a religião, na qual o ritual pode ser usado para desenvolver estados de consciência suficientemente poderosos a ponto de poderem causar mudanças no interior da psique do mago ou no universo exterior (já que um é apenas espelho do outro). A magia cerimonial pressupõe uma intenção mágica, uma vontade por parte do mago de tornar um desejo realidade.

O mago se revela, quase sempre, um "histérico histórico". Quase todos tiveram um relacionamento difícil com os seguidores de religiões. Religiões geralmente tentam definir os desejos de seus membros dentro de uma estutura de adequação justificada pela sançãode leis morais. A magia tende a permitir que a descoberta da moralidade seja uma aventura pessoal.

A kaos magick rejeita firmemente qualquer tradicional discriminação da magia em branca, cinza e negra, uma vez que o que define que uma coisa seja "boa" e outra seja "má" é simplesmente o padrão moral vigente de uma época e/ou lugar. E como o kaoísmo considera que cada indivíduo vive numa realidade incopiável e eternamente mutante, fica difícil elaborar qualquer dogma moral que não seja o próprio criado pelo indivíduo.

E como o kaoísmo encara tudo como uma grande irrealidade, não estamos preocupados se "isso" ou "aquilo" "é bom" ou "não é". Em nosso mundo, o mundo de Samsara, por mais que tentemos SEMPRE haverá prazer & dor, paz & guerra, luz & sombra. Qualquer busca que almeje apenas luz, amor e passarinhos estará fadada à decepção, pois a outra polaridade da Natureza (esta senhora que não se importa com roupas) estará sempre abrindo caminho.

Encarem kaos magick como uma FORMA DE VER.
O kaoísmo "vê" o Universo como um grande plasma de possibilidades. Desta forma, tudo se percebe como um sonho, "nada é" verdadeiro. E se tudo pode ser encarado como um sonho, cada um de nós pode, enquanto praticantes, gerar sonhos dentro de sonhos, obtendo resultados práticos. A única prerrogativa pode ser encarada assim: só não se identifique demasiadamente com nada. Viva aquela nova realidade, mas saiba que ela terá um tempo, e que o importante neste tempo será o regozijo.

O primeiro exercício kaoísta, e consideravelmente um dos mais importantes e difíceis, pode ser chamado de ARTE DESCONSTRUTIVISTA:Consiste em diluir Samsara (a Roda que Eternamente Gira), ou falando numa linguagem terrestre, consiste em eliminar os cercadinhos limitados criados pela existência do verbo "ser".

Complicado de entender? Não, facílimo!

Se eu digo que algo "é", estou limitando este algo a um cercadinho bem definido, e criando também uma série de coisas que "não são".

Em Astrologia, quanto mais o verbo "ser" estiver abolido, tanto melhor. Nada "é", mas "tudo se vê", ou podemos usar o "como se".

Vejam a diferença:

PRISÃO AO VERBO "SER":
"Seu mapa, com Áries dominante, mostra que você É impulsivo. E É intempestivo, também".

DESCONSTRUINDO A REALIDADE DO MAPA:
"Com Áries dominante, você se percebe impulsivo, sente-se como se motivado a reagir de forma intempestiva."

A mudança na forma de expressão pode parecer apenas uma bobagem semântica. Só que "palavras" podem ser encaradas como um grande instrumento do mago. A forma de falar expressa a forma de ver. No primeiro texto, temos uma visão limitada que rotula, que caracteriza e aprisiona. No segundo, o astrólogo apresenta à pessoa a idéia de TUDO O QUE ELA VIVE DERIVA DA FORMA COMO ELA SE PERCEBE E PERCEBE O MUNDO.

A forma como pensamos e nos expressamos define a realidade em que vivemos. Quanto mais eu digo que "isso é", "aquilo é" ou "eu sou", acrescentando adjetivos e qualidades ou defeitos ao "isso" ou "aquilo", ou mesmo a "mim", mais difícil será romper com o Sonho da Dualidade, próprio do mundo material.

Releiam todo este texto e descubram que o termo "é" foi abolido dele, e foi proposital. Vocês encontrarão "sendo" (um "ser contínuo", que pressupõe um final, pois todo verbo no gerúndio encontra um momento final), "seria" (uma probabilidade), e, eventualmente, "será", que também é um equívoco semântico proposital, pois quando eu digo que "será", estou criando uma realidade.

O exercício que kaos magick propõe a vocês envolve muita auto-observação: Quantas vezes vocês usam o verbo "ser" por hora?
Quantas vezes vocês estreitam a realidade e limitam os campos de visão, afirmando categoricamente que algo "é" ou "não é"? E mais: quantas vezes vocês usam termos como "categoricamente", "indubitavelmente", "com certeza" ou "sem dúvida", ou mesmo coisas similares? Vocês estão certos de que o que disseram pode ser visto como "categórico" ou "indubitável"? Quanto mais certos estiverem, mais vocês estarão em perigo :-))

In Pandemonium,

Alexey Dodsworth
Consultoria Astrológica
Associação Cultural Labirinto
(71)9116-1404
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