segunda-feira, janeiro 14, 2002

A imagem do horizonte ilimitado acaba provocando a sensação de pequenez. Vejo-me perambulando por um lugar repleto de dunas, onde os pés mergulham na infinidade de grãos e parecem impossibilitados de avançar com rapidez. A densidade arenosa cria o bloqueio, mas acaba sendo a visão perfeita de quão grande é esse corpo terrestre. Pegadas largadas, logo apagadas pelo vento, sinalizando nossa trajetória humana..
Certa vez num livro o autor descrevia a sensação diante do deserto. Estava em Mojave, à procura do espírito guardião. Caminhava a esmo esperando o 'chamado'. E quanto mais avançava, mais adensava naquele conglomerado feito de minerais que não excedem a dois milímetros. O sol estava a pino, indicando que o calor era mesmo insuportável, beirando aos famigerados quarenta graus. E à medida que seguia, ia sentindo uma vontade súbita de tirar a roupa, como num tradicional ritual wicca. Conforme ia avançando, um pedaço do vestuário ia sendo abandonado e quando se deu conta estava completamente nu. A vontade de deitar-se nas dunas foi irresistível e assim ele o fez. Perdeu a noção de tempo, de perigo, tamanha era a paz que o circundava. Se não tivesse sido um viajante, teria morrido naquela hora, naquele lugar, engolido pelo deserto.
A areia me leva a uma situação antiga. Quando menina, minha mãe nos pegava pelas mãos e nos levava à praia a alguns passos de nossa casa, em Ibicuí. Da varanda víamos aquela massa marítima, pertinho, e as ondas acabavam por embalar nosso sono. Era um passeio habitual em nossas férias, quando acompanhávamos os arrastões, a chegada de peixes que iam ser vendidos no dia seguinte. Ela cantava uma música que dizia assim:

'Um pequenino grão de areia,
que era um pobre sonhador.
Olhou pro céu viu uma estrela,
Imaginou coisas de amor.
Passaram anos, muitos anos,
Ela no céu, ele no mar.
Dizem que nunca o pobrezinho,
Pôde com ela se encontrar.
Se houve ou se não houve alguma coisa entre eles dois,
Ninguém sabe até hoje explicar.
Só se sabe que mais tarde, depois muito depois,
Apareceu a estrela do mar'.

Não sei de quem é a música e eu nunca perguntei a ela. Na escuridão da noite, nossos pés tocavam a água gelada, afundando na areia. Olhávamos para o céu - aquele de brigadeiro - e víamos estrelas cadentes, enquanto ela apontava para cima nos mostrando as Três Marias, O Cruzeiro do Sul. Outras vezes, ela caminhava até a grande ponte no final da praia. Lá também era reduto de pesca. Vários homens munidos de molinetes permaneciam horas a fio aguardando o momento de puxar o anzol. Alguém sempre dispunha de um radinho de pilha e uma canção ecoava baixinho sem competir com o som da marola que quebrava à beira-mar. Casais de namorados também faziam parada ali. Amigos discutiam o sentido da vida, do homem, a formação do planeta, das estrelas, da lua. Eu ouvia aquilo tudo e não me dava conta. O que importava naquela hora, naquele instante, era estar ali.
E desde que me entendo por gente vejo essa procura por respostas que aliviem o peso da existência. Contudo, como se diz por aí: o importante não são as respostas, o importante são as perguntas.