sexta-feira, janeiro 31, 2003

FEVEREIRO



Na clareira, em círculo, mira o azul pintado.
E, subitamente, a cadente talha o céu.
Guache branco nas trevas a dividir estrelas.

quarta-feira, janeiro 29, 2003

IMPERMANÊNCIA



Quantas vezes criamos riachos, trechos límpidos, e a chuva vem e destrói o córrego?
Quantas vezes largamos a pele diante da dor que arrebenta a alma?
Quantas vezes morremos nas despedidas?
Quantas vezes queremos reter a areia e ela escoa por entre os dedos?


segunda-feira, janeiro 27, 2003

PAIXA

Vê a silhueta recortada a esgueira-se pelos cantos.
Rápida como a flecha, perfaz o trajeto contrário à vontade dele.
Purpurina negra, seus cabelos caem na derme alva,
enquanto os olhos cintilam na penumbra.
Acende seus sentidos e sopra brasa, manchando
de tinta vermelha as paredes claras.
Tira o lacre que o separa da ardência, liberando o que possui de
mais natural e verdadeiro. O homem é salvo.
Hoje, eles se encontraram realmente.
Ela circulou pela casa e aproveitou o silêncio do crepúsculo.
Seduziu-o com os movimentos lânguidos de seu dorso nu,
correndo os dedos esguios pela pele macia, enquanto o mirava com olhos de fome.
Ainda assim ele retirou-se, deixando-a num sótão vazio:
Fechou as páginas e abandonou o livro na cabeceira.



domingo, janeiro 26, 2003

DAS CONSTRUÇÕES



Semi deuses descalços
ante a pureza
da lemniscata
arabescos da folha
sob flautas do vento
em minuetos de abril...

Sarita Barros

sexta-feira, janeiro 24, 2003

ZÍNGARA

Indiscretas partes, pós-adolescente, rara flor.
Camaleoa, andarilha do ar, assim noir.
Zíngara, força motriz a espalhar seus rodopios.
Incoerente na maneira como produz roupagens.
Instantânea curiosidade que se traduz pelas letras,
Numa série de perguntas ininterruptas.
Quer ler artigos, textos, diz das maravilhas,
Enquanto pousa os olhos amarelos e selvagens sobre ela.
Recusa, tangente, faz a volta e muda o paradeiro.
Incerta como a maré e suas cheias.
Abóboda clara em noite de lua.



quarta-feira, janeiro 22, 2003

RETRATO

O seu sorriso é como o pôr de sol
refletido nas águas serenas do mar,
é como o leve vôo da gaivota,
é como uma nuvem clara e límpida.

No seu sorriso transparecem seus anseios,
seus desejos e suas vontades,
seus olhos brilham...
E brilham como a luz refletida no mar.

Você sente, mas não o quer sentir,
Você é fraca e sensível, mas não deixa transparecer,
Você se arrepia,mas está encoberta.
Você quer ser dura como a pedra,
mas somente consegue demonstrar o lado frágil de
uma gaivota colhendo o fruto.
Você é uma árvore que não quebra com o vento,
mas também é o pôr de sol que encanta meus pensamentos.
Você é a lua em forma de gente, a poesia viva, a alegria contida
num breve pôr de sol, escondida atrás de uma armadura brilhante,
dura e sensível.

José Carlos Almeida Filho


segunda-feira, janeiro 20, 2003

ACRÓSTICO

Mira o desalinho felino e vê a alma transparente.
Imagina um ser diferente do que é: erro cronológico.
Rima livro, personagens e dragões.
Arma o salto, tal o macaco chinês.
Guarda um fragmento com vistas ao mosaico.
Especial elemento a promover contenção, metal imolador.
Margeando o risco, aposta no perigo e segue em frente.


sábado, janeiro 18, 2003

CONTA GOTAS



Em cada gota que escorre uma onda se forma.
Nas milhões de voltas e círculos, uma nova mensagem.
Expansão do que está circunscrito ao universo das águas.
Um oceano gravitacional em espiral.


quarta-feira, janeiro 15, 2003

SEIXOS

Já falei de tempestades e o que elas significam. Contei da afinação com Iansã e o aspecto brejeiro que conduz raios e trovões, desafiando o medo em alguns e produzindo uma energia além da convencional.
Vendaval e tempestade. Recebi dois emails falando em vendaval, sincronicamente em situações distintas: um dizendo de um forte vento que chegou e varreu o amor; e o outro me perguntando como está minha cidade após o vendaval. A cidade está aos poucos se recompondo, mas ainda há muita lama, muito paralelepípedo a ser posto no lugar, pontes a serem restauradas e o lixo varrido de uma das entradas de Petrópolis. A magnitude da água que desceu dos céus deve ter sido compatível ao dilúvio bíblico. Diante de tal força da natureza nos sentimos diminutos e estranhamente à mercê de algo além daquilo que olhos e razão captam. Se o ‘imponderável’ quisesse levaria todos à morte, sem dó, sem trégua. Uma hora a mais seria fatal, creio eu.
Iniciei um curso de espanhol turístico. E para minha surpresa um ‘recordar é viver’ estético sobrevoou todo o discurso e diálogo travado ao primeiro contato. Consuelo é o nome da professora, cujo retrato acertei na mosca, depois confirmado com ela: dançarina de flamenco, faz teatro, leonina e com ascendente em Capricórnio.
O inconsciente coletivo do grupo retratou aspectos arquetípicos espanhóis, tais como: touradas, flamenco, homens de boné e jaqueta, vinho, gastronomia, além da famigerada cesta. Uma figuração Andaluzia.
Consuelo entende tudo de hotelaria, turismo e domina perfeitamente o espanhol. Morou dez anos na Espanha. Explicou um pouco de geografia e a disposição das línguas faladas: o basco, o gallego, o catalão e o espanhol . Minha mente parou na Catalunha, talvez porque essa região sacode e remete a Dali. Sim, As Paixões Segundo Dali. Um livro esgotado que emprestei e dancei. Lá ele fala dessa paixão por sua terra, por Gala, e a crença Midas, de tudo que viesse a pintar viraria ouro. Confesso que Picasso e Velásquez ainda surgiram em imagens diluídas e sem continuidade, mas estavam inseridos no contexto.
Minha vizinha ao lado, em completo delírio, confessou a vontade de fazer o Caminho de Santiago, mas partindo da parte francesa, segundo ela a rota mais bonita e interessante. Sem dúvida, começar pela França é um start privilegiado. Eu não sinto essa vontade de peregrinar por lá e nem trocar meias, bolhas e contatos como fez o mago e quer essa minha nova amiga. O meu roteiro pela Espanha seria outro, com certeza, muito distante de albergues, cajados e encontros mágicos.
Amanhã damos prosseguimento ao encontro com as origens espanholas.




segunda-feira, janeiro 13, 2003

DOS LABIRINTOS

O fog sufoca azaléas e o ar rarefeito, cinzento.
Na essência um ranço de saudade nascido de pesadelos em sucessão.
Gotas salpicam ciprestes e lágrimas encharcam o ser.
É noite aqui e lá fora.

sexta-feira, janeiro 10, 2003



Tirou o que encobria a rósea tez.
Olhou-se lentamente, sem pressa: admira-se, gosta
do que vê refletido. Vira para cá e para lá.
Iluminada e clara, desenho secreto, pares fechados, ora abertos.
Sangra, cura, vive os ciclos. Poder.

Só quem traz a marca na alma conhece o sentido dos dias
de dança e entrega perpétua.
Sabe como lidar com o vermelho, com o que escoa sem
retenção, cachoeira em fluxo avassalador.
Vício empapuçado, salvaguardado, rara cobiça,
inóspita sensação buscada por poucos, por quem não teme
seguir em frente e deixar os instintos incorporarem,
lambuzando-se e integrando-se à energia primordial.

Sim, nessas horas a Lua no crescente, abre a cortina à primeira
estrela a surgir no quadrante ao lado, estampando um antigo par cultuado
por povos obcecados em manter sua origem: lua e estrela.
Como a tatoo que marca o pé da dama de cabelos ruivos,
longos, em cachos, desalinho dos contornos de sua figura
indomesticada.

Esparramada na alvura transforma a monotonia branca em mandala de mil fios, sob o olhar de cima para baixo, amarelo, felina íris, feito a flor de mesmo nome que é mural de algumas frases de uma música de Vercilo. Um pps sobrepondo os cromos de uma estória de amor.
Livre, reflete nua Cibele, garantindo o espargir de energias durante o sono e a promessa de que Gaia acolha seu pedido.




quarta-feira, janeiro 08, 2003

A TRAVESSIA

Deixou de estar ao alcance da mão. Bateu asas, partiu, voou, para algum lugar que desconheço e não sei o endereço. Pode ser que um dia retorne embrulhado nas asas de Eros, o marido-amante-apaixonado-misterioso, num rosto escondido por um capuz e só se deixe ver quando a forma tomar corpo e largar de ser só uma condensação energética.
Enquanto isso, rabisco outros projetos, contrários aos já vividos. Outra porta se abre me chamando, dizendo da urgência de realizar, ensinar e distribuir. Um pouco de generosidade diante daquilo que a vida já me ofertou ao longo dessa peregrinação. E alegro-me por mais um desafio, não canso de gostar da aventura, de não saber se no horizonte à frente existirá uma ponte invisível a me levar a outra metade da montanha. Se o passo seguinte pode jogar-me no precipício ou ao mais incrível encantamento, através de uma passarela faiscante a promover o encontro entre metades, suspensa pela coragem, materializada pela vontade e impulsionada pelo desejo de transpor.

terça-feira, janeiro 07, 2003

DIANDRA & SELENE

Lá onde moro, na Terra de Muitas Palmeiras, corre um vento noturno que, por motivos vários, batizei de Diandra e como a tal andava sumido.
Esta madrugada acordei sobresaltado. A casa tremia, portas e janelas eram forçadas com fúria e um rugido enchia o ar.
Era "Diandra". Com uma força e uma ânsia que eu jamais vira.
Levantei-me apressado e semi-nú sai para o quintal. "Diandra" envolveu-me, sua energia invadiu-me de tal forma que me sentia carregado por suas asas. Mas havia algo mais. Uma outra energia. Abri os olhos e contemplei os campos e montes brilhando sob uma luz branca, etérea. Algo agitou-se dentro de mim. Algo antigo, primitivo, selvagem. Algo que queria libertar-se e correr, caçar sob aquela luz. Um predador.
Voltei-me para o céu e lá estava ela, como uma amante em seu leito. Lânguida, sedutora, soberana, com um brilho tão intenso que as próprias estrelas se retiraram, deixando a noite só para ela. Sua força, poderosa como a do Astro-Rei, meu regente, mas diferente. Suave , terna. O animal acalmou-se. Algo mais elevado principiou a surgir em seu lugar.
Adormeci com o toque de Selene na pele e os sussurros de Diandra nos ouvidos.
Sonhei com ambas.

Daniel Agar Andros


segunda-feira, janeiro 06, 2003

GASPAR, BALTAZAR E MELQUIOR

Dia de Reis é marco, sinaliza o desmanche, hora de todos os objetos que ornaram a casa retornar às caixas de papelão, voltam ao seu lugar de origem: os armários.
Há uma simpatia sugestiva, justamente por ser uma crendice popular e usar o nome de Jesus para trazer todo o ouro do mundo para cada um que chupa os caroços de romã. Seis, o dobro, o trio duplicado. Gosto de sete, faria com sete coroços ao invés de meia dúzia. Aqui todos tem o hábito de fazer esse ritual, despejando na terra os caroços secos velhos da carteira, enquanto os chupados e inteiros entram num novo embrulho, num canto secreto da bolsa de notas.
Retornei de uma viagem com o aconchego de malas saudosas, tomada de carinho e a cumplicidade que marca o encontro com amigos verdadeiros. E comecei hoje um novo empreendimento, ousado eu diria, mas que promete alastrar o que precisa ser passado adiante, um desafio, do jeito que eu gosto, desmoronando a previsibilidade e deixando o caminho aberto para o inesperado...
E vamos em frente pedindo: ouro, incenso e mirra aos reis.





quinta-feira, janeiro 02, 2003

1 ANO



Completamos ontem um ano de vida. Gostaria de estar num daqueles momentos inspirados e contar um pouco desse percurso. O que posso dizer é que senti vontade de escrever, de expor meus sentimentos e percepções sem ter compromisso com coerência e nem com ninguém, justamente porque aqui só retornaria quem coadunasse com minhas sandices, diferente de listas de discussão. E então descobri que aqui eu poderia postar, discorrer sobre o que bem entendesse sem ferir a suscetibilidade alheia e por aí vai...
Parti para um mundo solitário, aonde em minha ilha só chegaria até esta margem quem se sentisse em casa, nessa enseada revolta, estranha e às vezes apaixonada. Só os que compartilhassem cavalos selvagens, primitivos e ardentes, conjugariam afinidade com o que vai por essas águas...
E por meio dela esse espaço ganhou layout, o colorido que reflete a mescla solar. Aos poucos as Anas foram mostrando a sua cara através dessas linhas que vou dia-a-dia rascunhando. Imperfeitas, despidas de sentido para muita gente e transbordante para outras...refletindo a luz e as sombras que existem cá dentro.
A você que me lê agora: tim-tim, um brinde a 2003!