sexta-feira, setembro 27, 2002

O VELHO, O MENINO E O ESCRITOR

O maldito instiga. O obscuro é aprisionado pela necessidade de luz.
O sinuoso que aos olhos é mais atraente do que a reta.
A oralidade que suspende e faz vício.
O velho brinca e diz: Freud explica.

O menino, por sua vez, viveu demais. Prostituiu-se. Não da maneira como imagina.
Não, não vendeu o corpo na esquina em troca de comida, drogas ou dinheiro.
Ainda não explicou essa parte em detalhes. Talvez não conte.
Revelou o negrume que têm. O vazio que o apoquenta. E a falta de sentido na existência.
Talvez só a chuva no rosto o traga à vida ou a epinefrina diante do suicídio consciente.
Da mesma forma que sobrepõe véus mostra-se límpido.
Sonha, escreve, idealiza, romanceia, aí sim se sente pleno.

A trajetória é editada em palavras.
Um escritor disse certa vez: nem sempre quem faz das palavras ofício é bom amante.
Não deixa de ser um alerta curioso, mesmo que o interesse não seja o sexo.
E sim, palavras. As que seduzem com a força atávica que insiste na alma.
Quando os ideais acabam sendo mais fortes que qualquer encontro físico.
Justamente porque nem sempre o apelo literário corresponde ao que a razão faz diante um do outro.
Na maioria das vezes é melhor não encontrar.
É preferível deixar que as letras agrupem-se em papéis, cartas, que nunca chegaram.
As que o HD salva. Aquelas que confidenciou e não deixou público. As guardadas no baú. As escritas à meia luz, embaixo de um letreiro neon. As digitadas sob o clarão da lua azul, seguindo seu reflexo noir.

É única a sensação de secreto. O fazer ‘arte’. Liberar cavalos selvagens. Tal criança peralta que apronta e se esconde - espreita atrás da porta para ver o circo pegar fogo.
O velho diria novamente: Freud explica.
Eu a vejo nos estados plutonianos, nos códigos e signos que permeiam os sentidos.
No que está nas profundezas e emerge.
Transmigrando os seres, da vida à morte.