quinta-feira, abril 18, 2002



Eu poderia mandar um email falando da saudade, do quão importante alguns amigos são e permanecem na memória da gente. É o tal do instantâneo que falei ontem, que está aí embaixo. Mas, resolvi postar aqui. Aqui é a minha casa. A Lemniscata têm essa função catártica de dizer o que penso, é por onde deixo a escrita trazer meus pensamentos, materializando-os e ajudando-me a compreender as mil idéias, sentimentos e sensações que existem aqui dentro. Tenho dias de um cinza profundo e que a solidão também se faz companheira. Vontade de deixar as coisas para trás e sair novamente por aí, sem lenço e sem documento, sem perspectivas ou planos traçados. A alma livre para voar, voar alto, voar baixo, rasante, deixar-se comandar pelas rajadas de vento sem medo de cair ou ser surpreendido por um sopro violento.
Li o Falabella agora e lembrei do que encontrei ontem no Expressões Letradas. Minha cabeça ainda está fixa no que disse e vejo que a grande teia invisível está armada: os amigos e o desconhecidos dizendo da saudade dos amigos. A sincronicidade provando seu poder abrangente e ilimitado.
Em sua crônica semanal, Falabella fala dos amigos - os espalhados em outros portos - como você mesma disse. Abaixo alguns pedaços desse mosaico poético que ele escreveu:
“ Tenho alguns amigos espalhados pelo mundo. Amigos mesmo, daqueles de muitos anos, gente que dividiu comigo os primeiros sonhos. Pois alguns desses meus eleitos resolveram reescrever sua história, torcer seus destinos e lançar novas raízes em terras estrangeiras. Tenho saudade deles e, volta e meia, algum instantâneo volta e preenche o meu dia, alheio à minha vontade. E porque ficamos longas temporadas sem qualquer encontro, olhamos para os rostos de um e de outro e descobrimos neles o passar dos anos e a história dos sonhos de cada um, como um mapa que fôssemos desenhando nas faces.
[...]
Nessas horas de silêncio, aqueles que estão longe sempre vêm. As minhas lembranças fazem uma fila longa, esperando atendimento. Acho que com a maioria das pessoas é assim. Há, é claro, aqueles que acreditam que é possível um único olhar para frente. Abrem mão do prazer que é vasculhar o passado, como um sótão de cinema, em busca das próprias preciosidades. Mas todos nós sabemos que isso é tarefa impossível. O amanhã se tempera com o ontem. E é assim que deve ser.
A tarde se foi, e as lembranças vindas, de toda parte e de toda gente que anda distante. À noite, voltando para casa, parei para uma última cerveja e joguei conversa fora com uma moça que andava por ali, à espera de um último cliente. Ela acabou me contando um pouco de sua história, com um prazer envergonhado e palavras escolhidas.Morou na Europa, andou pela Suíça, mas tinha saudades de casa. Se tivesse conhecido algum homem que a desejasse, teria ficado, ainda que com o coração partido. Mas não teve sorte e acabou voltando.A coisa por aqui anda difícil, mas é melhor do que viver com saudade martelando por dentro. Ela era bonita, às vezes, quando tombava a cabeça e apanhava os cabelos com a mão espalmada por detrás do pescoço. Falava bem, gostava do sexo e sabia que, em seu ramo, a promessa do sexo é tão importante quanto o ato, por isso toda ela era uma sedução estudada.
- Quando é que a gente conta o tempo, você sabe? – ela perguntou e, em seguida, bebeu um gole de cerveja, sem tirar os olhos de mim.
- Quando é que a gente conta o tempo? – eu perguntei de volta, sem entender aonde ela queria chegar.
- Quando se ama. A gente conta o tempo quando ama.
E não disse mais nada. Ficou pensativa, assuntou o movimento da rua, engoliu o resto de cerveja do copo, limpou a espuma que ficou nos lábios e piscou um olho maquiado, antes de partir.
Voltei para casa com a imagem daquela mulher na cabeça, descendo a ladeira dos jardins, os saltos batendo na calçada escura. Ainda agora, sentado à frente do computador, a luz brilhante da tela enchendo o quarto, penso no que ela me disse. Nostalgia é sentir a passagem das horas e chorar o dia que passa. Seguindo esse raciocínio, se os nostálgicos contam o tempo, é porque amam. Chego feliz à conclusão.
Agora é hora de ir para cama. Antes, como um ritual, vou visitar alguns amigos que estão por aí, trilhando os caminhos desse vasto mundo. Vou atender algumas lembranças que estão esperando há tempos e, depois, mandar o resto embora. Há muito o que fazer por aqui, agora. Muito trabalho. Um olho aberto para o amanhã e um outro vasculhando o que se foi, Gosto disso. E é com saudade na alma que, no final das contas, a gente avança na estrada. Saudade na alma, um gosto de beijo na boca e alguma esperança no embornal. O resto, acreditem, é excesso de bagagem”.