quarta-feira, abril 17, 2002

Um Click

Palavras são só palavras quando preciso dizer o que move o toque – boom, boom – nas artérias do calor coronário. Quando foco o passado à vida e reproduzo sensações divertidas.
Instantes efêmeros e banais, como fonte a jorrar seu descompromisso. A criança entra à frente da grande roda.
Prezo esse retrato que a memória manteve intacto e o tempo não deixou amarelar. É um grande álbum de família, sem o peso da tradição. Dessa vez trata-se somente de amigos que sabiam extrair prazer dos segundos comuns.
Benjor canta Spyro Gyro e retumba feito peão, rodando, rodando. A cena é engraçada: cabelos cavalgam, num sobe e desce hípico; dentes brancos, arreganhados, prontos para a obturação; roupas esvoaçantes, que teimam em não ficar no lugar; as línguas são detectadas e aparecem nos seus mais diferentes padrões; o céu rosa é avistado em textura macia através do hálito ébrio; e um trenzinho se forma repentinamente.
A energia é intangível, só a vi algumas vezes. Tem-se a noção que não vai acabar jamais e permanecem todos embriagados pelas gargalhadas estrondosas, que descaradamente competem com Jorge. Ele faz-se de surdo e continua a repetir que mora num lugar abençoado por Deus e bonito por natureza.
E, assim, o som segue o ritmo, os acordes flutuando e eu aqui e lá, simultaneamente. Pertenço às duas realidades e a nenhuma delas. Sou capaz de vislumbrar aquele famigerado cabelo preto em olhos nômades: a cigana moleca, com sua saia de retalhos, a flor vermelha no cabelo e a profusão de pulseiras e anéis.
Sem saudosismo, um registro. É flash que sai da retina e revela as fotos da memória.Uma sinapse - click - o instantâneo.