quinta-feira, abril 04, 2002


Miguel Falabella voltou. E intimamente sorri ao me deparar com sua crônica semanal no matutino. Sorvi o córrego de letras que se figuravam à minha frente. E pensei por um instante: Como alguém, tão distante, com uma realidade singular consegue com suas idéias produzir uma tal energia capaz de fazer da leitura um ato compulsivo? Devorei o texto em segundos. O que afinal faz a gente pulsar com mais força, quando o recôndito do ser emerge tal qual uma onda gigante, assolando a mesmice das notícias do mundo que nos cerca?
Quando ele conta da viagem pelo nordeste, por um Brasil muitas vezes estranho e desconhecido- principalmente prá gente que vive no sudeste, num estado considerado um dos mais bonitos e urbanos - vejo o quanto preciso andar, desbravar os cantos ainda encobertos desse meu país. Explorar a geografia pobre de recursos mas rica em belezas naturais. Provar iguaria e o hábito regional, aquilo que passa despercebido e que por isso mesmo determina e marca sua história. Os detalhes que moldam o todo e constroem universos paralelos, principalmente aqui do outro lado desse território imenso.
Como ele diz: “Dias de sertão, dias de luar escancarado e de muita conversa jogada fora. Mas, também, dias de olhar para dentro, acalmando as perguntas não respondidas e as graças não alcançadas. Dias mágicos em Pernambuco, mexendo o corpo ao som do sanfoneiro, que esse xote é forte, mas esse xote é bom!Dias de banquetes, as mãos claras de Diva temperando o bode e arranjando as camadas do arrumadinho, a carne-de-sol fica embaixo,a farofa e o feijão no meio e os legumes cortados colorindo o topo, acho que é isso. Outras tentações nas sobremesas, nas ruas e no cheiro de manacá que às vezes faz uma visita”.
E nesse Diário de Bordo, ele volta ao Rio e as interrogações surgem a minar seus pensamentos por segundos, interrompendo por instantes, a previsível trajetória de retomar o lugar de origem. Assim ele faz: “No avião de volta, meu coração começou a se anuviar, pensando nas tantas coisas eu tenho que fazer, nos tantos problemas que ainda preciso resolver. O Rio era uma renda de luz embaixo e eu já estava cheio de saudade daquela felicidade roubada de Clarice, clandestina, suada e imensa.
E se eu não voltasse? Acho que todos nós temos esse tipo de fantasia, em alguns momentos da vida. Se pudéssemos recomeçar, depois de ter traçado o esboço. Se pudéssemos reescrever algumas passagens do livro de nossas vidas teríamos melhorado o estilo? O existencialismo de bolso me assaltou enquanto a pista do aeroporto apareceu, brilhando na noite, como o colar de uma das dançarinas do bacanal de Herodes. E se eu não voltasse?”
E se a gente não voltasse? E se reescrevesse de fato uma nova estória? Como ela seria?