sexta-feira, outubro 18, 2002

VOYEUR

Das frestas, entre a sombra e as luz que vaza pelas treliças, seu olhar me acompanha, voyeur, perscrutador, curioso. Eu sinto, sua visão pousa em mim.
Vive incógnito, mas deixa no rastro imagens sobrepostas, cromos seqüenciais, enviados pelo correio. Inúmeros negativos a retratar o ambiente ao redor, estroboscópica atmosfera de retratos.
Em seu anonimato registra meus melhores ângulos em preto e branco, alheias poses: um semblante distante; rosto lavado; cabelo sendo escovado; camisola clara, delineando o perfil; sutiã começando a ser desabotoado nas costas; uma boca entreaberta, capturada pelo espelho do banheiro; meias finas lançadas pelo quarto; o caos e a ordem intercalados num aposento feminino. Revelados possivelmente sob a luz vermelha e fraca do laboratório particular, na penumbra. Explorador à procura de contornos através da íris, cristalino, visor, fotografia.
Por trás da lente esconde-se o homem, rendido e que cobiça com toda força que cabe no ser: arrepia-se, encobre-se, protege-se, mostra-se em homeopáticas doses. Fotografa-se aos pedaços e envia-se para mim, numa montagem surreal de quebra-cabeças. Ao lado de cada registro, uma palavra escrita em pequenos pedaços de papel. Charadas.
Reviro os alfarrábios, folhas soltas, páginas carcomidas, amareladas, surradas pelo tempo, e encontro rabiscado um início de roteiro, o final ainda está distante de ser concluído. Talvez me debruce em dar continuidade a ele, entretanto também há a possibilidade de não ultrapassar o limite da última linha escrita e, voltar mais uma vez, para o fundo do baú...