sábado, março 02, 2002

PRINCIPIA CAOTICA


Na Magia do Caos, crenças não são vistas como fins em si,
mas como ferramentas para criar os efeitos desejados. Entender
isto completamente é encarar uma terrível liberdade na qual nada
é verdadeiro e tudo é permitido, que é o mesmo que dizer que
tudo é possível, que não há certezas, e que as conseqüências
podem ser desastrosas. A gargalhada parece ser a única defesa
contra a compreensão de que não se possui sequer um Eu real.

O objetivo dos rituais do Caos é criar crenças agindo como se
elas fossem verdadeiras. Nos Rituais do Caos você finge até
sentir, para obter o poder que uma crença pode prover. Em
seguida, se fores sensato, você rirá delas e buscará as crenças
necessárias para qualquer coisa que queira fazer depois, à medida
em que é movido pelo Caos.

Assim, o Caoísmo proclama a morte e o renascimento dos
deuses. Nossa criatividade subconsciente e nossos poderes
parapsicológicos são mais que adequados para criar ou destruir
qualquer deus ou Eu ou demônio ou qualquer outra entidade
espiritual na qual possamos acreditar ou desacreditar, pelo menos,
para nós mesmos e, às vezes, também para os outros. Os
resultados freqüentemente aterradores alcançados pela criação de
deuses através do ato de comportar-se ritualisticamente como se
eles existissem não deverá conduzir o mago Caótico no abismo de
atribuir realidade definitiva a qualquer coisa. Este é o engano
transcendentalista, que leva a um estreitamento do espectro do
Eu. O verdadeiro terror reside no leque de coisas que podemos
descobrir que somos capazes de fazer, mesmo se tivermos que
temporariamente acreditar que os efeitos se devem a algo externo
para que possamos criá-los. Os deuses estão mortos. Longa vida
aos deuses.

A Magia apela aos que têm muito orgulho e uma imaginação
fértil, somadas a uma forte suspeita de que ambas, a realidade e
a condição humana, possuem as características de um tipo de
jogo. O jogo possui final aberto, e joga a si mesmo por diversão.
Os jogadores podem criar suas próprias regras até certo ponto, e,
se desejado, trapacear usando parapsicologia. O tipo de magia
apresentado aqui, consiste em uma série de técnicas que atuam
como extensões extremas das estratégias normais que são
possíveis dentro do jogo.

Um mago é alguém que vendeu sua alma pela chance de
participar mais inteiramente da realidade. Apenas quando nada é
verdadeiro e a idéia de um Eu verdadeiro é abandonada, tudo se
torna permitido. Existe alguma exatidão no mito de Fausto, mas
ele falhou ao levá-lo à sua conclusão lógica.

Precisa-se apenas da aceitação de uma simples crença para
que alguém se torne um mago. Esta é a metacrença de que a
crença é uma ferramenta para obter efeitos. Este efeito é
geralmente muito mais fácil de observar nos outros do que em nós
mesmos. É comumente muito fácil ver como outras pessoas e, até
mesmo outras culturas, são mais ou menos capazes, de acordo
com as crenças que possuem. Crenças tendem a levar a atividades
que tendem a reconfirmá-las, num círculo normalmente chamado
de virtuoso, ao invés de vicioso, mesmo quando os resultados não
são agradáveis. O primeiro estágio de ver através do jogo pode ser
uma iluminação chocante, que leva a um cinismo tedioso, ou ao
Budismo. O segundo estágio de real aplicação do insight em si
mesmo pode destruir a ilusão da alma e criar um mago. A
compreensão de que crença é uma ferramenta, ao invés de um fim
em si, tem imensas conseqüências se aceita por completo. Dentro
dos limites impostos pela possibilidades físicas, e estes limites
são muito mais vastos e maleáveis do que a maioria das pessoas
imagina, pode-se fazer reais quaisquer crenças escolhidas,
incluindo crenças contraditórias. O mago não é aquele que busca
por uma identidade particular e limitada, mas aquele que deseja a
meta-identidade que o torna capaz de ser qualquer coisa.

Assim, seja bem-vindo ao Kali Yuga do pandaemonaeon,
onde nada é verdadeiro e tudo é permissível. Nestes dias de
pós-absolutismo, é melhor construir sobre areia movediça que em
pedra, que lhe confundirá no dia em que vier a rachar. Os filósofos
têm se tornado não mais do que proprietários de sarcasmos úteis,
pois foi revelado o segredo de que não há segredo no universo.
Tudo é Caos, e a evolução não está indo a nenhum lugar em
particular. É o puro acaso que comanda o universo, e assim, e
apenas assim, a vida é boa. Nascemos acidentalmente em um
mundo aleatório, onde apenas causas aparentes levam a efeitos
aparentes, e muito pouco é pré-determinado, graças ao Caos.
Como tudo é arbitrário e acidental, talvez estas palavras sejam
muito simplórias e pejorativas; ao invés disso seria melhor dizer
que a vida, o universo e todo o resto são espontaneamente
criativos e mágicos.

Deleitando-se com a realidade estocástica, podemos nos
regalar exclusivamente com as definições mágicas da existência.
As estradas do excesso podem ainda levar ao palácio de sabedoria
e muitas coisas indeterminadas podem acontecer no caminho do
equilíbrio termodinâmico. É inútil buscar chão sólido onde pisar. A
solidez é uma ilusão, como o pé que a pisa, e o Eu que pensa
possuí-los é a mais transparente de todas as ilusões.

As pesadas embarcações da fé estão furadas e afundando
juntamente com todos os botes salva-vidas e suas jangadas
engenhosas. Então você vai fazer compras no supermercado de
crenças ou no supermercado de sensações e permite que suas
preferências de consumo definam seu eu verdadeiro? Ou você, em
um estilo corajoso e alegre, roubaria ambos apenas por diversão?
Pois a crença é uma ferramenta para obter qualquer coisa que se
considere importante ou prazerosa, e a sensação não tem nenhum
outro propósito além da sensação. Assim, ajude-se a obtê-las sem
pagar o preço. Sacrifique a verdade pela liberdade, em cada chance
que tiver. O maior divertimento, liberdade e realização estão em
não ser você mesmo. Há pouco mérito em simplesmente ser quem
quer que você seja por um obra congênita acidental e
circunstancial. Inferno é a condição de não ter alternativas.

Rejeite então as obscenidades da uniformidade planejada,
da ordem e do propósito. Vire-se e encare as ondas das marés do
Caos, das quais os filósofos têm fugido apavorados por milênios.
Pule para dentro e saia surfando em sua crista, exibindo-se em
meio à estranheza sem limites e o mistério em todas as coisas,
rejeitando falsas certezas. Graças ao Caos isso nunca terminará.

Crie, destrua, divirta-se, IO CAOS!

por Peter Carrol