segunda-feira, fevereiro 25, 2002

Alguns acreditam que deriva do eslavo a palavra Odradek e querem explicar sua formação
mediante essa origem. Outros do alemão e admitem apenas uma
influência do eslavo. A incerteza de ambas as interpretações é a melhor prova de
que são falsas; além disso, nenhuma delas nos dá uma explicação da palavra.
Naturalmente ninguém perderia tempo em tais estudos se não existisse
realmente um ser chamado Odradek. Seu aspecto é o de um carretel de linha,
achatado e em forma de estrela, e a verdade é que se parece feito de linha, mas
de pedaços de linha, cortados, velhos, emaranhados e cheios de nós, de todos os
tipos e cores diferentes. Não é apenas um carretel; do centro da estrela sai uma
hastezinha e nesta se articula outra em ângulo reto. Com a ajuda desta última
de um lado e um dos raios da estrela do outro, o conjunto pode ficar em pé como
se tivesse duas pernas.
Seríamos tentados e crer que esta estrutura teve alguma vez uma forma
adequada e uma função, e que agora apenas está quebrada. Entretanto, esse não
parece ser o caso; não há pelo menos nenhum sinal disso; em parte alguma se
vêem remendos ou rupturas; o conjunto parece sem sentido, porém completo à
sua maneira. Nada mais podemos dizer, porque Odradek tem extraordinária
mobilidade e não se deixa capturar.
Tanto pode estar no forro, como no vão da escada, nos corredores, no saguão. Às
vezes passam-se meses sem que alguém o veja. Terá se aninhado nas casas
vizinhas,mas sempre volta à nossa. Muitas vezes, quando cruzamos a porta e o
vemos lá embaixo, encostado ao balaústre da escada, temos vontade de falar-lhe.
Naturalmente não se fazem a ele perguntas difíceis, mas sim o tratamos - seu
diminuto tamanho nos leva a isso - tal qual uma criança. "Como te
chamas?"perguntam-lhe. "Odradek",diz. "E onde moras?" "Domicilio Incerto",
responde , e ri, mas é um riso sem pulmões. Soa como um sussurro de folhas secas.
Geralmente o diálogo acaba aí. Nem sempre se conseguem essas respostas; por
vezes gerada um silêncio, como a madeira de que parece ser feito.
Inutilmente me pergunto o que acontecerá a ele. Pode morrer? Tudo que morre
teve antes um objetivo, uma espécie de atividade, e assim se gastou; isto não
acontece com Odradek. Descerá a escada arrastando fiapos frente aos pés de
meus filhos e dos filhos de meus filhos? Não faz mal a ninguém mas a idéia de que
possa sobreviver-me é quase dolorosa para mim.

Franz Kafka