segunda-feira, fevereiro 18, 2002

Éris é aquela que cria o portal para o mundo do Caos. Para penetrarmos no Caos, temos de nos
desagregar, a medida em que seguimos os rastros das serpentes primordiais.

Éris é uma deusa complexa, conhecida pelos romanos como a Discórdia.
Na tradição mais corrente, é uma das divindades primordiais, filha de
Nyx, ou Nox, ou Noite. Mãe de numerosos seres malfazejos como a
Cobiça, o Tormento, a Negligência. Em outras versões é mencionada como
filha ou irmã de Ares/Marte, deus da guerra. Acompanhava-o aos campos
de batalha, suscitando ódio entre os combatentes. Isso, fora o
episódio do pomo dourado (ou Pomo da Discórdia) em que provoca a
Guerra de Tróia.

Não temamos a Discórdia. Ela movimenta o mundo. Desfaz associações,
amizades, casamentos, promessas, vínculos, pactos, causa a guerra, o
terror, a destruição. Isso em nome de uma nova situação, de um novo
tempo, de novas associações. Éris destrói as máscaras da persona,
forçando a mostrar o que é verdadeiro. Assim, Éris é coadjuvante a
Maat, neter egipcio da Verdade e da Justiça. Pois mostra a verdade, o
que está por trás das tensões que se escondem e enganam.

Éris abre as cortinas do palco, para a peça que estava ensaiada, há
muito, muito tempo. Tudo o que a Discórdia provoca já estava quase que
tramada. Ela é como um estopim.

Para exemplificar, digamos que se a discordia aparece em uma
comunidade, ela acaba expondo tudo que existe lá, tudo que estava
retesado. Então uma pequena faísca coloca fogo em tudo. Mas tudo
estava já pronto para pegar fogo.

Sim, se falamos de Discórdia pura. Mas Éris está no limiar do Abismo,
onde os seres primordiais, as Serpentes que emergem do Abismo, como
Seth, o deus vermelho do deserto. Seth é a Serpente primordial, o
primeiro a emergir do Oceano do Caos.

Lá nesse Oceano moram os seres do Necronomicon. Éris forma o portal da
realidade com a não realidade, por ela temos de passar para chegar lá.
Mas antes enfrentamos seres ctônicos como Alécto, Tisifone e Megera,
as Erínias ou Fúrias, seres da punição. Seres infernais, identificadas
com Nêmesis, a Justiça e com o Destino, as Parcas e a deusa Aracne, a
que tece.

Nas profundesas da Hidra, vemos Éris a nos acompanhar. Para acessá-la,
temos de ter um bom acesso ao mais profundo da sombra. Ou, claro,
disfunções na personalidade que nos abrem uma fresta para encontrar
essa complexa deusa.

Éris é uma fiel companheira. Muitos magistas procuram sempre baní-la,
afastá-la. Mas como no caso do banquete em que envia o pomo de ouro,
afastá-la pode ser fatal. O medo da Discórdia é o medo da mudança, da
nova estrutura. Para tanto, aceitar a Discórdia é a forma de não ser
sua vítima. Isso não quer dizer que devamos provocar a Discórdia. A
Discórdia tem seus meios e é ciumenta... Digamos que só Éris tem esse
direito. Deixemos para ela, afinal...

Não posso me esquecer, claro, dos prediletos de Éris, seres onde
impera a Discórdia interior, ou seres que pairam ao Abismo. Esses
seres/pessoas são auxiliados por Éris que é o portal para o outro
lado. Ela os protege e os mima. É uma mãe carinhosa, que toma seus
diletos aos braços e age como grande conselheira. Sua sabedoria é
inimaginável. Assim como suas emanações amorosas.

Costuma se apresentar ao magista como uma mulher de pele extremamente
alva, cabelos vermelhos, dentes de serpente e um pomo dourado que nos
oferece, com seus olhos de gato, nos observando no fundo da alma.



Marcelo Brasil