quarta-feira, fevereiro 27, 2002

Um sonho espiralando dentro de uma fita-cassete desbotada...
Eu sou a escrava da Lua, sem ela sou nada.
1974, Cabul
Ele cantava para meninas de rostos roliços e luminosos desfalecendo.
Meninos carregam rádios portáteis para gravar cada concerto.
Então, para impressionar as meninas de olhos compridos e negros,
eles tocam suas fitas nos parques por perto.
Meus pais podem ter se conhecido assim.
A voz de Ahmad Azhir embrulhando dois corpos jovens com uma fita,
enquanto ao fundo minha mãe é repreendida pela mãe dela.
Mas isto é só um capricho dentro de uma canção...
A mãe também pode ter sido um cisne.
Olhos tão negros drenam a manhã de sua luz.
Ele primeiro sentia a beleza dela na medula dos ossos dele.
O pai nos conta isto enquanto ela se deixa levar para fora da sala
e o volume da saia faz com que redemoinhos de ar rocem nossa pele.
Ele muda o nome dela para o de uma flor com um rosto incandescente
e veias finas do verde mais pálido. Uma flor como a Lua.
O casamento da mãe e do pai foi arranjado pelas anciãs.
Mas houve um tempo antes disto: quando era uma menininha
com fitas brilhantes tremulando na ponta das tranças,
ela escalou muros para entregar cartas de amor às meninas
por quem ele tinha uma queda.
Anos mais tarde, eles estavam comprometidos e recitando poemas de amor
numa cidade que flutuava no perfume das laranjeiras.

(Trecho do livro “Drop by drop we make a river: a collection of Afghan writings from 1978-2001”, de Zohra Saed)