quinta-feira, fevereiro 21, 2002


SHOW
...e ela sentada num banco alto, com os cotovelo apoiados no balcão olhava o refrigerante à sua frente, ninguém mais ali, apenas barman entediado, silêncio, calor sufocantes, a cidadezinha dormia.
– Por que não liga essa droga de ventilador?
– Nem pensar – falou o barman – teus trocados não compensam.
Ela acompanhou com os olhos as moscas zoando em torno de um pedaço de torta, a barata perto do liquidificador.
– Não dedetiza essa espelunca?
– Saco cheio? não venha pra cima de moi, ta ?
...estava cheia da vida que levava, solitária num casamento insuportável, levantara da cama vazia depois do pesadelo, ele não estava, nunca estava, vagou pela casa sem vida, sem alma, parecia que ninguém a habitava, ela era ninguém, sentiu – se culpada, uma culpa inocente, o encanto nascido morto, a vida invisível, onde agarrar – se? lembrou – se de um momento da infância, passeando com uma amiga, em cada uma sensação de infinitas possibilidades, a amigo de repente dirigiu – se para ela: “daqui um ano algo extraordinário nos acontecerá” nada aconteceu, nem nos muitos anos seguintes...que seja agora, que seja agora...o futuro insondável, o mistério do que ainda virá...vestiu – se apressada, apanhou as chaves do carro...salto para o desconhecido....
– Por que me persegue? – escutou a voz do homem sentando ao lado dela, ele entrara silencioso, dirigiu – se ao barman – manda uma coca!
Não respondeu, não precisava, o vira há dias no posto ao colocar gasolina no carro, o jeito calmo, o andar felino, os jeans apertados...
– Por que me persegue?- repetiu.
– Quem me persegue é você – respondeu a mulher.
O homem sorriu abanando a cabeça como quem diz “ essas mulheres!”,
– E ele?- falou o homem - seu marido?
– Saiu...você é casado?
– Fui!
O barman olhou o relógio:
– Tá na hora.
– Não quero voltar pra casa - falou a mulher.
Ele a olhou curioso, nada indicava nele intenção de conquista, nenhum sorriso maroto, apenas olhar benigno:
– Vou ver um show, quer ir?
– Que show?
– Um que nunca viu, quer?
– Como é pessoal?- resmungou o barman
A mulher parecia pensar...não volto pra casa nem morta..
– Vamos! – falou ela depois de jogar em cima do bar uma nota.
Entraram no Voyage gasto e sujo, as luzes do bar se apagaram, o carro arrancou suave, seguiram pela avenida principal até a saída da cidade, seguiram por estrada de terra, o farol do carro iluminou a poeira, ela fechou a janela.
– Tem filhos?
– Não!
– Por que?
– Não sei...talvez por causa dele, não consegue...não me procura...
– Queria?
Ela olhou pela janela do seu lado, a poeira impediu ver com clareza onde estava, tinha certeza que estavam indo por uma estrada sem movimento, nenhumas luzes no sentido contrário, adivinhou campo de pasto esturricado, não chovia fazia tempo, nenhuma sombra de arvores atrás da poeira, a incógnita do destino, estar num carro mambembe dirigido por um estranho a excitava, gostou da sensação, sentiu euforia...
– Sim, queria filhos! que aconteceu com sua mulher?
– Meu nome...Nicolau, o seu?
– Virginia!
– Muito prazer Virginia.
Nicolau, ela gostou do nome, lembrou – se de sua avó nascida na Polônia, o Natal festejado na data de São Nicolau...
– Ele tem amante?
– Sim...não tenho certeza.
– Não liga?
– Somos casados há vinte anos, namorados desde o colégio, é bom homem, trabalha muito, não me falta nada...sai todas as noites, não diz pra onde vai...
A euforia desapareceu como veio, de repente, a poeira lá fora manto assustador, sentiu calafrios, queria não estar mais aqui, se deu conta que estava indo Deus sabe pra onde e talvez sem volta, controlou o início de pânico em sua mente...essa noite é demente, sou um nada, nada me leva a mais nada, nem à esperança, nem ao desespero, tudo é tão simples, as luzes dos faróis, a poeira, o cheiro do corpo dele, por que não acolho meu desejo e me abraço nele? por que deixo para outras horas a esperança de viver e sigo com o desgosto? passou a mão pelo ventre, desejava tanto sentir...
– Chegamos! – falou Nicolau
– Aqui? não tem nada, só pasto
– Desce!
Virginia obedeceu e juntou – se a ele, ao longe clarões iluminando as nuvens, queria que o gênio aparecesse numa nuvem de poeira e uma grande coluna rodopiante no meio da poeira e voar com ela até pais das mil e uma noites...novo relâmpago no horizonte assustou.
– Vai chover?
Ele não respondeu, olhava em direção aos clarões.
– É esse o show – falou Nicolau – ela vinha sempre aqui, gostava dos trovões e dos raios, esperava a chuva...me pedia sempre para acompanha – la, nunca vim com ela...
– Onde ela está?
– Morta, morreu há seis meses...era religiosa, estava doente, pediu pelo padre, fui busca – lo, quando voltei estava...
Os clarões se aproximavam, começou bater vento, trovões e raios mais intensos, a tempestade mais perto...ela se aproximou do Nicolau, passou a mão pelas lágrimas no seu rosto, o abraçou, o vento violento quase os desequilibrou, um raio caiu perto, pingos de chuva nos rostos , ele a beijou, cheiro da terra molhada, não era amor, emoção de sentir os lábios de um homem, gosto do tabaco no bigode, o sexo endurecido através do vestido, a chuva caiu com muita violência, eles continuaram os beijos sofridos, o que a retinha aí era a absurda simplicidade de pertencer à natureza em fúria...ela deitou – se no chão molhado, nada importava, relâmpagos, trovoadas, chuva, água, lama...olho pela última vez no passado,o que chega a mim é esperança serena e primitiva, mas preciso de minha lucidez, olhar o destino nos olhos, meu coração parte ao encontro de si mesmo, céu, derrame a plenitude ao encontro do meu desejo, a eternidade está aqui,eu esperei tanto por ela...gemido prolongado, muitos gemidos e algumas risadas...

O carro estacionou no posto de gasolina:
– Enche o tanque, por favor.
– Sabe para onde vai?
– Não, ainda não – respondeu Virginia.
– E ele?
– Admitiu ter outra, me deu a liberdade.
– Vai ter a criança?
– Sim, comprei até as roupinhas.
Nicolau sorriu:
– Boa viagem!

Iosif Landau




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