sábado, fevereiro 16, 2002

No paganismo temos projeções do conceito das Duas Serpentes, expressas
na dicotonia Deusa-Deus. No fundo, isso é um simbolismo para expressar
o casamento divino, que existe em Yesod, ou Hierogamos. O Hierogamos é
o primeiro encontro das duas serpentes.

Quem viu o fatídico filme "As jovens bruxas", ficou se perguntando
quem era aquele "Manon" que aparece no filme. Pois bem, como pode
haver uma bruxaria sem Deusa e com o tal de Manon ? Seria ele o Deus ?

Manon corresponde na mitologia egipcia a Atum, ou a Ouroboros, ou a
Damballah, ou a Olorum, ou a Shiva e etc. Quem são esses ? São o ser
primordial, a primeira manifestação dentro do oceano de Caos
primordial, que chamamos técnicamente de Typhon, ou Tiamat. Essa
serpente/dragão nasce das profundesas e cria o mundo, ou melhor, o
mundo é seu corpo. Daí emerge Seth, o deus ligado ao Caos, ou se
preferir, a primeira consciencia. Esse ser é Manon. Ele é a unidade,
ou se preferir, o Jehová judaico.

Bem, o Jehová judaico é a junção de uma série de deuses hebraicos que
se condensaram depois. A Cabalá, sabedora disso, vai trabalhar com
cada um desses deuses judaicos separadamente. Mas esse é outro papo.
Digamos que o oceano de Caos primordial se condensou em IHVH, ou
Jehová, que é uma pronuncia porca do sagrado Tetragamaton. Então, quem
já lêu o Gênesis sabe que IHVH que era um ser sem sexo criou o par
primordial de deuses chamados Adão e o feminino, expresso em duas
faces: Lilith e Eva.

O mesmo se daria no paganismo. O ser primordial, que está além da
compreensão e contato humano cria dois deuses, um de cada sexo. Esse
ser primordial podemos considerar como sendo a Monada. Com a criação
dos dois seres, temos a Díada. Muito além de se dizer que a Díada é a
criação do homem e da mulher, pois isso é simplesmente burrice, a
díada são os dois polos opostos que existem dentro de nós, que Jung
conceituou bem.

Segundo a tradição da Cabalá, quando IHVH, ou mais corretamente, o
Kadosh Baruk Hur criou o universo, ocorreu o nascimento dos polos
opostos. Se existe algo mais que o Criador (sem sexo, ou polaridade),
existem 2 coisas. Assim o Todo não é Uno, uma vez que existe o Uno e
o Universo. Dois feixes de manifestação são criados sempre, para
qualquer coisa que seja. Isso foi muito bem decodificado pela tradição
hermética, e pode ser apreciado num excelente e mal traduzido (para o
português) livro chamado "O Caibalion". O universo é polar e essas
polaridades interagem com tudo que existe.

Bem, além do Uno, tudo é polar, também somos polares. Em algum lugar
do universo existe o nosso oposto. Se existe o nosso oposto, existe
esse nosso gêmeo, que na antiguidade foi muito bem cultuado. O culto
aos gêmeos, no caso Castor e Pólux, expressos no signo zodiacal de
Gêmeos, em Horus/Seth, os Gêmeos, em Cronos/Zeus, em Zeus/Dionisio, em
Shiva/Vishnu, e em diversas outras formas de manifestação do duplo,
quase sempre em estado de guerra.

Veja, meu outro eu, ou meu duplo, pode estar em guerra comigo, como é
o caso da Sombra. Se tenho um duplo, um dicotônico, para voltar ao
Uno, tenho de destruí-lo, através da absorção. Quem estuda magia
medieval, ou a famosa Goetia, sabe que o nome de 72 letras de IHVH se
divide em dois feixes, um de luz e outro de sombra, os Anjos e os
Demônios. Cada um é o oposto complementar do outro. Se chamamos um
anjo, chamamos ao mesmo tempo o demônio associado. E vice-versa.

O meu duplo não é necessariamente uma mulher,nem está nesse plano de
existencia. Aliás, dificilmente está. Hoje sabemos que existe o mundo
de anti-matéria. Matéria quando em contato com anti-matéria tem suas
massas reduzidas a energia. Ambas voltam ao estado primordial do
oceano de Caos. No dia em que alguém encontrar-se com sua "alma
gêmea", ou duplo, se encontra com o uno, ou seja, volta ao oceano
primordial, perdendo sua individualidade da forma como a conhecemos.
Isso é nirvana, se preferir.

Existem aqueles que dizem que o duplo está do outro lado do espelho. O
que é perfeito, pois o reflexo é o oposto simétrico exato de nós.
Existe uma técnica de contato com o Anjo Guardião em que se usa o
espelho e o anjo "passa" para o nosso nível de realidade.

Mas no fundo, vou falar de forma mais simples, o duplo está manifesto
na coniunctio entre o Sol Negro e a Lua Negra, o filho que nasce dos
dois é o nosso duplo, e esse se une com o Deus e a Deusa, ou casal
Sol/Lua, vivos em Yesod, o local ligado a nosso chakra Hara. A
elevação da Kundalini desperta essa força.

Marcelo Brasil