sexta-feira, fevereiro 01, 2002

No meu papel cerebral um barquinho é tal qual folha seca no meio do mar que se agiganta em proporções generosas... apesar da imensidão, há uma paz marítima, daquelas que o sol recorta com seus raios mais doces, mansos, no fim da tarde. Quando o crepúsculo é inevitável. Une-se a terra, funde-se, mescla-se como num conto. Os mundos se encontram, o sol e a lua, a noite e o dia, o pálido e o arco-íris.

Escuto Caetano ao fundo, lembro da primeira vez que ouvi essa música. Eu tinha 17 anos. Alguém dizia que eu era linda, eu era uma menina. Pura, completamente indefesa e destemida. Aquele impulso raro, que parece ter a vida contida num sorriso, nos olhos claros que brilham sem parar... 'A onda do mar, do amor, que bateu em mim'.

Quando estive no Abaeté numa noite de brisa suave, que arrepiava descaradamente o corpo, pude entender o que dizia ele, o poeta. As estrelas, a areia, o cheiro do lugar. Jamais poderia reproduzir a sensação. É preciso ir lá. E esse toque baiano, esse toque poético, me leva aos mitos afros: A Oxum, a dona das cachoeiras, lagos riachos; a Iara do nosso folclore; a um tempo em que as escravas, lavadeiras, com seus cânticos à beira d’água, rendiam homenagem à rainha de todas as fontes doces do planeta.

Um dia cantei essa música para uma mulher. Ela é linda, rara. Não só pelo jeito doce e selvagem que se mistura na alma, mas, justamente por eu saber o tanto do amor fraterno que sentimos uma pela outra. Alguém nos fitava meio assustada. Uma declaração explicita de amor. Eu sei a resposta para tal coisa: nossas almas são gêmeas. Pulsamos num diapasão parecido. Somos irmãs vindas de outra vida, unidas novamente nessa existência.

Escrevo o que a essência dita: as poucas e especiais pessoas, tempo, paisagens. Muitas vezes vejo-me nesse pequeno barquinho, caminhando pelas águas mansas do planeta. Em outras, encaro as mais terríveis tempestades e nem por isso desejo o fim.

E o que será mesmo o fim? Ou será que voltamos de onde partimos um dia? Sei que sou eterna, imensurável, capaz de sonhos galácticos, astronaves, vôos no horizonte infinito do oceano. Um salto de braços abertos, embalada pelo vento carregado de maresia. Isso lembra uma música do Jota Quest que eu adoro, que tem como título: O Vento. Ela diz assim:

Voe por todo mar e volte aqui/
Voe por todo mar e volte aqui pro meu peito/
Se você for, vou te esperar, o pensamento que só fica em você/
Aquele dia um algo mais, algo que eu não poderia prever/
Você passou perto de mim, sem que eu pudesse entender/
Levou os meus sentidos todos pra você/
Mudou a minha vida e mais/ Pedi ao vento pra trazer você aqui/
Morando nos meus sonhos e na minha memória, pedi ao vento pra trazer você pra mim/
O vento traz você de novo/
O vento faz o meu mundo novo/
E voe por todo mar e volte aqui pro meu peito.